SAARA OCIDENTAL EXISTE. CABINDA TAMBÉM!

O Presidente cabo-verdiano, José Maria Neves, defende a realização de um referendo à autonomia da República Árabe Saauraui Democrática (RASD), por concretizar há décadas, contrariando assim a posição do Governo, que reconheceu a integridade territorial de Marrocos.

O chefe de Estado de Cabo verde, numa intervenção no âmbito das comemorações, na Praia, do Dia de África, que se assinala em 25 de Maio, afirmou: “Esperamos que este referendo possa realizar-se, para que efectivamente este conflito que ainda existe na África do Norte, do Magrebe, possa ser efectivamente resolvido, a bem do povo sarauí. É bom dar a palavra ao povo sarauí, no quadro do sistema das Nações Unidas, respeitando o direito internacional para que o povo decida sobre o seu futuro e decida sobre o seu destino”.

Na mesma intervenção, o chefe de Estado e antigo primeiro-ministro (2001 a 2016) pelo Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) recordou que a RASD proclamou a sua independência em 1979 e é membro da União Africana, aguardando uma missão especial das Nações Unidas pela realização de “um referendo para que se determine a opção do povo sarauí”.

“Então, nesse quadro, e respeitando o direito internacional e respeitando a Carta das Nações Unidas, Cabo Verde, que em 1979 tinha reconhecido a independência da República Sarauí Democrática, congelou esse reconhecimento, de acordo com as orientações das Nações Unidas, para que se aguardasse a realização do referendo”, sublinhou.

O primeiro-ministro cabo-verdiano, Ulisses Correia e Silva, e presidente do Movimento para a Democracia (MpD), realizou de 9 a 12 de Maio a sua primeira visita oficial a Marrocos, com o Governo a reconhecer a “integralidade territorial” marroquina, perante críticas do PAICV (oposição desde 2016).

Segundo uma nota do Governo cabo-verdiano, a visita, a convite do chefe do Governo de Marrocos, representou “um marco importante nas relações entre os dois países”, marcada pela realização da segunda Comissão Mista Cabo Verde – Marrocos, em Rabat, sob o tema “Construindo uma Nova Era de Cooperação e Parceria Estratégica e Pragmática entre Cabo Verde e Marrocos”.

Segundo a mesma nota, “a visita ocorre num momento especial das relações entre Cabo Verde e Marrocos, com a formalização do reconhecimento da integridade territorial do Reino de Marrocos por Cabo Verde, entre outras iniciativas que reforçam a base política e diplomática para a exploração e o desenvolvimento da cooperação entre as duas nações”.

Ainda durante esta visita, o Governo cabo-verdiano reagiu com “estupefacção” às críticas do maior partido da oposição ao reconhecimento territorial de Marrocos, recordando que o “congelamento” das relações com a RASD aconteceu no executivo do PAICV.

“Foi com estupefacção que o Governo tomou conhecimento das declarações proferidas (…) pelo presidente do PAICV a respeito das relações entre Cabo Verde e o Reino de Marrocos”, refere uma declaração escrita do ministro dos Negócios Estrangeiros cabo-verdiano, Rui Figueiredo Soares, enviada à comunicação social.

“Em primeiro lugar, temos de dizer que a política externa deste Governo não é, nem pode ser, a política externa do PAICV”, lê-se na declaração, que acrescenta: “Mesmo assim, convém dizer que o congelamento das relações com a RASD aconteceu no tempo do último Governo do PAICV”.

O presidente do PAICV, Rui Semedo, afirmou, também durante a viagem do Governo a Marrocos, que o reconhecimento territorial daquele país pelo executivo liderado pelo Movimento para a Democracia (MpD) representava uma “mudança profunda” e sem consulta, face aos compromissos assumidos internacionalmente.

“O conteúdo deste pronunciamento representa uma mudança profunda da política externa de Cabo Verde”, afirmou, em conferência de imprensa, na Praia, Rui Semedo, aludindo a compromissos de Cabo Verde, vinculado através das Nações Unidas a um posicionamento formal sobre o processo da autonomia e independência da RASD.

“Com efeito, o PAICV alega hipotético desconforto de Cabo Verde decorrente da evolução da sua posição em relação à questão do Saara Ocidental, mas ignora que hoje grande parte dos países africanos retiraram ou suspenderam o seu reconhecimento da RASD”, acrescenta-se na declaração do chefe da diplomacia cabo-verdiana.

O ministro refere ainda que o PAICV “ignora que destes países, 21 já instalaram representação consular em Lâayoune ou Dakhla, sendo 10 deles membros da CEDEAO [Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental] e da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]”.

“Na verdade, estes números permitem afastar liminarmente a ideia de que a elevação do nível de relacionamento com o Reino de Marrocos pudesse causar algum embaraço a Cabo Verde. Ocorre é o contrário”, afirmou ainda.

A CURTA MEMÓRIA DE ANGOLA (MPLA)

Em Outubro do ano passado, Angola reiterou o seu apoio ao Saara Ocidental, defendendo novas negociações entre Marrocos e a Frente Polisário e exortando a “comunidade internacional” a tomar decisões sobre a situação dos Territórios Não Autónomos.

Numa nota divulgada pela Representação da República de Angola nas Nações Unidas, indica-se que a embaixadora Maria de Jesus Ferreira fez esse apoio expresso durante uma intervenção no Comité Especial de Política e Descolonização das Nações Unidas.

De acordo com o documento, a diplomata referiu-se em concreto à questão do Saara Ocidental que “continua a merecer” a atenção de Angola, por se tratar, afirmou, do último Território Não Autónomo em África.

Assim, Luanda diz que apoia uma solução pacífica e duradoura para o conflito e menciona os esforços do enviado especial do secretário-geral da ONU para o Saara Ocidental, reiterando o apoio no “reatamento das negociações entre Marrocos e a Frente Polisário”, de acordo com as resoluções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança.

Desta forma, a embaixadora angolana na ONU reiterou o apelo ao Conselho de Segurança “para respeitar o compromisso reafirmado na resolução 2602 de Outubro 2021″, de retomar o processo político, para ajudar as partes a alcançar uma solução pacífica mutuamente aceitável que prevê a autodeterminação do Saara Ocidental.

A diplomata pediu ainda à “comunidade internacional” para que sejam honrados todos os princípios assumidos na Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais, conforme a Resolução 1514, sobre autodeterminação e em todas as resoluções relevantes da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança sobre a descolonização.

Segundo o mesmo documento, a embaixadora reafirmou o apoio de Angola aos esforços do Comité Especial para implementar a descolonização plena de todos os Territórios Não Autónomos, tendo encorajado “missões de visitas” a esses territórios para uma apreciação realista da situação no terreno.

Em 2020, a Associação de Amizade Portugal-Saara Ocidental (AAPSO) rejeitou a decisão norte-americana de reconhecer a soberania de Marrocos sobre o território, exortou a ONU a realizar “um referendo de autodeterminação” e condenou o “silêncio do governo português”. O que é feito da Associação Tratado de Simulambuco-Casa de Cabinda em Portugal?

Em comunicado, aquela organização não-governamental (ONG) chamou ainda a atenção para a “escalada de actos de intimidação e repressão por parte do regime marroquino sobre os saarauís que vivem no seu país, militarmente ocupado por Marrocos”, referindo ainda “desaparecimentos forçados, prisões arbitrárias, tortura, julgamentos ilegais” ao longo “das últimas décadas”.

Portugal sabe o que é Cabinda? Sabe mas não quer saber. Sabe mas, a mando do MPLA, não gosta de quem sabe e não se cala. Aliás, Portugal só recuperará a memória quando Cabinda se tornar independente. Mas nessa altura, se calhar, serão os cabindas a esquecer Portugal.

“A ONG condena o silêncio do governo português sobre os últimos acontecimentos relativos ao Saara Ocidental e exorta-o a tomar uma posição clara e a agir diplomaticamente de acordo com os princípios do Direito Internacional e com a experiência, que mereceu consenso nacional, de apoio ao processo de autodeterminação de Timor-Leste”, lê-se na nota então divulgada.

Esta posição vem na sequência da quebra do cessar-fogo acordado em 1991 entre Marrocos e a Frente Polisário, que a AAPSO atribuiu aos marroquinos na tentativa de “reabrir uma passagem ilegal para a Mauritânia, através da qual a potência ocupante faz circular para o restante continente africano pessoas e bens sob o seu controlo”.

A associação acusou ainda a ONU, através da Missão nas Nações Unidas para o Referendo no Saara Ocidental (MINURSO), de não ter realizado esse mesmo escrutínio desde 1991, e apontou que “o processo político de negociação entre as partes” está “comprometido há ano e meio por incapacidade” do secretário-geral da ONU, António Guterres, de nomear um “novo enviado pessoal, em substituição ao que se demitiu inesperadamente em Maio de 2019”.

“A AAPSO exorta António Guterres e o Conselho de Segurança a enfrentar com determinação o processo negocial necessário para criar as condições que permitam a realização de um referendo de autodeterminação através do qual o povo do Saara Ocidental possa exprimir a sua vontade quanto ao seu futuro, nomeadamente procedendo com urgência à nomeação do seu enviado pessoal para esta questão”, prossegue o documento.

As críticas foram também dirigidas à Administração norte-americana (de Donald Trump) que, “no Dia Internacional dos Direitos Humanos, 10 de Dezembro, reconheceu a soberania de Marrocos sobre o Saara Ocidental [tendo sido o primeiro país do mundo a fazê-lo], a troco do estabelecimento de relações diplomáticas entre o reino e Israel”.

“A AAPSO rejeita esta decisão unilateral dos EUA e espera que o já eleito e próximo Presidente norte-americano, [Joe Biden], volte a colocar o país em consonância com os princípios das Nações Unidas e defenda com convicção o direito dos povos à autodeterminação”, vincou.

Nesse mesmo dia, relembrou na nota, a Assembleia Geral da ONU “aprovou unanimemente uma resolução instando a que o processo de descolonização do Saara Ocidental seja concluído e reafirmando a responsabilidade das Nações Unidas para com o povo saarauí”.

A ONG pediu ainda que o Conselho de Direitos Humanos da ONU e a Cruz Vermelha Internacional “cumpram as suas obrigações” para com o povo do Saara Ocidental.

O Saara Ocidental é reivindicado por Marrocos e pelos independentistas da Frente Polisário, apoiados pela Argélia, vizinha e grande rival regional de Rabat. As negociações conduzidas pela ONU estão num impasse desde a primavera de 2019.

Marrocos, que controla cerca de dois terços do vasto território desértico, quer uma “autonomia sob controlo”, enquanto a Frente Polisário insiste no referendo de autodeterminação acordado com o patrocínio das Nações Unidas.

Desde o final de 2019, cerca de duas dezenas de países abriram representações diplomáticas em Laayoune e Dakhla, sob protestos da Polisário.

Marrocos foi o quarto país árabe a normalizar relações com Israel, depois dos Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Sudão. Tradicionalmente, os países árabes faziam depender o reconhecimento do Estado hebreu de uma resolução do conflito israelo-palestiniano.

MPLA, POLISÁRIO E FLEC

Em Outubro DE 2020, em Nova Iorque, Angola apelou pela voz de embaixadora Maria de Jesus Ferreira, a Marrocos e à Frente Polisário para se engajarem em novas negociações, a fim de acelerarem uma solução pacífica, justa e duradoura para o Sahara Ocidental em conformidade com resoluções das Nações Unidas e o direito internacional.

A exortação foi feita pela representante permanente angolana junto das Nações Unidas em Nova Iorque, embaixadora Maria de Jesus Ferreira, durante uma reunião da Comissão de Política Especial e Descolonização da ONU (Quarta Comissão) da Assembleia Geral desta organização global.

A embaixadora disse que a nomeação de um novo enviado para o Saara Ocidental era imprescindível e merece atenção e consideração urgentes, a fim de acelerar o processo de realização de um referendo, para uma solução mutuamente acordada pelas partes, segundo a resolução do Conselho de Segurança da ONU.

“Encorajamos a implementação do Plano de Resolução das Nações Unidas e da Organização da Unidade Africana (OUA) – actual União Africana (UA) – aceite por ambas as partes e aprovado pelo Conselho de Segurança em 1990 e 1991, para implementar o mandato da Missão das Nações Unidas sobre o referendo no Sahara Ocidental (MINURSO)”, ressaltou .

Afirmou também que a independência, soberania e unidade dos Estados representam direitos legítimos de todos os povos, muitas vezes prejudicados, visto que nem todos os territórios beneficiam dos compromissos da Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais, conforme estabelece a Assembleia Geral da ONU.

“Após 75 anos de existência das Nações Unidas, não podemos ignorar o facto de que os efeitos duradouros da descolonização representam um lembrete, para todos nós, dos desafios que devemos enfrentar e dos objectivos que, ainda, precisam de ser alcançados neste âmbito”, disse a diplomata, na reunião realizada no âmbito da 75ª sessão da Assembleia Geral da ONU.

Para Maria de Jesus Ferreira, “a paz e a segurança internacionais, que estão no centro do papel das Nações Unidas como um todo, só podem ser alcançadas ao máximo considerando os direitos de todos os povos, e o colonialismo é incompatível com a nossa missão como Nações Unidas”.

Em Março de 2019 o então vice-presidente da República de Angola, Bornito de Sousa, reafirmou o engajamento de Angola no apoio às iniciativas diplomáticas, para superar o impasse no diferendo do Saara Ocidental. Grande parte do território da República Árabe Saaraui Democrática (RASD) encontra-se ocupada desde 1975 por Marrocos, tal como Cabinda por Angola.

Na Cimeira da SADC de solidariedade com o Saara Ocidental, o vice-presidente de Angola vincou a necessidade de se concluir com urgência o processo de descolonização de África. Ou seja, de uma parte de África. Isto porque, presume-se (embora sem consulta prévia ao o Departamento de Informação e Propaganda do Comité Central do MPLA), Cabinda se situa em África e ainda não foi descolonizada.

Nessa perspectiva (então profusamente desenvolvida pelos enviados especiais da Angop), Bornito de Sousa encorajou a adopção de um plano de acção da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), para atrair o envolvimento do Reino do Marrocos às autoridades legítimas representativas do povo do Saara.

Durante a intervenção (esta sim, aprovada pelo Departamento de Informação e Propaganda do Comité Central do MPLA), Bornito de Sousa, em representação do Presidente João Lourenço, fez menção – se o não tivesse feito seria exonerado – ao facto de a SADC ter celebrado, a 23 de Março, o Dia de Libertação da África Austral, que assinala a batalha do Cuito Cuanavale, que culminou (graças ao MPLA) com o regresso da civilização a todo o mundo…

Conhecedora e beneficiária da acção solidária da SADC, Angola não pode ficar indiferente à situação prevalecente no território da antiga colónia espanhola (Saara Ocidental), referiu Bornito de Sousa, acrescentando com a sua descomunal (mas congénita) lata que a violação da independência, soberania, unidade do Estado, democracia e do direito internacional deve preocupar as nações.

Bornito de Sousa considerou fundamental que a SADC junte a sua voz às iniciativas do Conselho de Segurança da ONU e aos esforços da União Africana, para a autodeterminação ao povo do Saara Ocidental de modo pacífico e com a observância do direito internacional e do respeito da santidade das fronteiras herdadas do período colonial.

Há pouco anos, o ministro dos Negócios Estrangeiros da República Árabe Saaraui Democrática, Ould Salek, solicitou, em Adis Abeba, Etiópia, apoio de Angola na resolução do diferendo que opõe o seu país e o Reino de Marrocos. A experiência angolana é, de facto, relevante. Veja-se o caso de… Cabinda.

Em declarações à imprensa, à margem da 32ª Sessão Ordinária da Comissão Executiva da União Africana (UA), Ould Salek disse que Angola tinha boas relações com os Estados membros da UA e podia jogar um papel determinante na resolução do problema.

Sublinhou que Angola continuava a ser um Estado “líder” e influente em África, tendo felicitado os angolanos pela solidariedade e pelo apoio prestado ao povo do seu país.

Entretanto, além de solicitar o apoio de Angola no processo de resolução do diferendo com Marrocos, Ould Salek exigiu que a UA tenha um papel mais activo na resolução do problema do Saara Ocidental.

Na perspectiva do seu país, Marrocos “ocupa ilegalmente o território do Saara Ocidental”, desde 1976, na sequência da retirada da antiga potência colonial, a Espanha.

Também, do ponto de vista dos cabindas, Angola “ocupa ilegalmente o território de Cabinda”, desde 1975, na sequência da retirada da antiga potência colonial, Portugal.

Ould Salek pediu que as Nações Unidas pressionem o Governo de Rabat (Marrocos) para respeitar as resoluções do Conselho de Segurança, tendo sublinhando que nenhum Estado africano deve colonizar um país irmão.

“África não pode tolerar que um país africano colonize outro. Trata-se de uma violação aos princípios fundamentais da UA”, declarou Ould Salek…

Folha 8 com Lusa

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