Permitir que alguém, seja general ou jornalista, defenda a guerra, a ditadura, o genocídio, a escravatura, não é liberdade nem democracia. É conivência com o crime. Quem, seja jornalista ou general, se abstém de condenar o agressor está a condenar o agredido.
Por Orlando Castro
Supostos generais, por meios pessoais ou através dos principais órgãos de comunicação das mais robustas democracias do mundo (casos da Rússia, Bielorrúsia, Eritreia, Coreia do Norte) estão a demonstrar que as, também mais robustas, ditaduras do mundo (casos dos EUA e dos membros da União Europeia) inventaram a guerra na Ucrânia.
De portugueses a brasileiros, passando por angolanos, todos estão apostados em demonstrar que o acessório é o essencial e que o essencial é acessório. Descobrem falhas, imagens falsas, repescam as cavernas da informação e aparecem na ribalta para nos mostrar que, com um pouco mais de esforço, se provará que as tropas russas não invadiram a Ucrânia e até, talvez, que quem foi invadida foi a Rússia.
Mais. Até estão a demonstrar (como aconteceu em Angola) que as balas da Rússia (tal como as das FAPLA) só matam militares nazis da Ucrânia, enquanto as ucranianas (tal como as das FALA) só matam civis…
Ou seja, os generais ao serviço das ditaduras foram para a Ucrânia inventar a guerra, a destruição, as mortes, os refugiados. Esses generais até vão ao ponto de dizer, e mostrar, por exemplo, que um civil ucraniano não foi morto com cinco tiros, como afirmaram os jornalistas ocidentais, mas só com quatro tiros. O ele ter sido assassinado não é relevante. Relevante é mostrar ao mundo que os jornalistas (alguns) mentem. É que faz toda a diferença ter sido morto com quatro tiros e não com cinco…
Vejamos um bom exemplo a partir de Angola. Betumeleano Ferrão tem a desculpa de ter estado muito tempo (em serviço, obviamente) nas copas das árvores e quando regressou à civilização prescindiu de comer com faca e garfo…
«Há dois provérbios em Kimbundu que são semelhantes, um diz para não ir se queixar ao javali, quando o porco é o agressor. O outro equivalente diz para não apresentar queixa a um branco, quando o agressor também é branco!», escreveu (ou alguém o fez por ele) e assinou – provavelmente por impressão digital – a criatura.
E, com alguma dor física em função de ter o cérebro nos intestinos, afirmou que “os milhões em todo o mundo que saem à rua para se manifestar contra a guerra na Ucrânia jamais fariam o mesmo se a Ucrânia fosse um país negro. Além de fingirem serem cegos, surdos e mudos, argumentariam que os negros nascem já com comichão nos dedos tanto é assim que nem os séculos de civilização europeia chegou e bastou para lhes retirar características animalescas”.
Ainda bem que do ponto de vista dos destinatários, a leitura provoca muitas sensações mas não transmite o cheiro pluri-anal do autor.
Este verdadeiro discípulo de Artur Queiroz (outro mercenário e terrorista) afirma que “Portugal está a oferecer abrigo e empregos para ucranianos que nem precisaram abrir a boca! Em várias cidades tugas, há manifestações e recolha de donativos para serem enviados aos refugiados, sendo que uma parte da ajuda irá por estrada e no regresso vão trazer refugiados.”
Escreve o sipaio que “a rápida corrente solidária pela Ucrânia tem a ver maioritariamente com a lealdade a cor da pele, se fosse pela cor do sangue o mundo nem se importaria! O Haiti é dos países mais pobres e desgraçados do mundo, curiosamente está no nariz dos EUA, mas a cor da pele impede que o vizinho americano e outros sintam o cheiro do sofrimento de um país que não se compara com nenhum em África, em matéria de sofrimento, estou já a incluir os terremotos, ciclones e tufões que aumentam com frequência a desgraça haitiana.”
Ciente da imunidade ao cheiro por parte dos leitores, a “coisa” (a cujas teses estão, reconheço, a aderir jornalistas de outro gabarito) aproveitou para se descalçar porque tinha de contar até 12, o que – tal como nas copas – o obrigou a descalçar-se para usar os dedos dos pés, das patas se estivéssemos a falar dos habitantes naturais das árvores.
“A invasão da Ucrânia está a provar que a diferença entre brancos e negros ainda é determinante na hora ou de agir ou de fingir! Eu estava em Moçambique quando a guerra rebentou em Cabo Delgado, já se passaram anos mas o mundo não entrou em comoção!”
Como se constata, o primata é rodado e experimentado em todos os sistemas arbóreos que se estendem entre os reinos do MPLA e os da FRELIMO, ambos no poder desde a independência.
“África tem os seus endinheirados, tem figuras proeminentes na música, desporto, danças e afins, mas o silêncio barulhento deles é sinal de que ainda não se aperceberam do que se passa em Cabo Delgado, mas se Cabo Delgado fosse uma cidade da Ucrânia…”
Tem toda a razão, reconheço. De facto, se a estrada da Beira fosse a beira da estrada, este(s) eunuco(s) das virtudes da raça mereceria ombrear com, entre outros, Mobutu, Idi Amin, Obiang, Bagosora e… Agostinho Neto.
Explica a criatura que “quando muitos pais tentavam safar os seus filhos da guerra civil angolana, Portugal devolvia muitos a procedência porque não preenchiam o requisito financeiro exigido de pirraça no aeroporto de Lisboa”, acrescentando que “Portugal está a exigir um único requisito para os ucranianos, vontade de ir a Portugal, nem precisam de tratar vistos, os jovens angolanos tratavam visto antes de embarcar mas lhes era negado o direito de entrar porque tinham de estar balados, os ucranianos só precisam da cor até para trabalhar na construção civil, um dos sectores que está a oferecer empregos.”
Diz o primata de última geração que “os ecos da seca e a fome no sul de Angola já chegaram a Portugal, Brasil, EUA, França, mas o descaso tem razão de ser até porque a morte de uma andorinha não faz falta à Primavera. Se se passaram anos, todavia, até hoje nunca vi estádios, pavilhões, ruas ou iminentes figuras europeias comovidas com Cabo Delgado, talvez porque não sabem que lá também vivem seres humanos em vez de andorinhas! Portugal, França, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Bélgica, Itália e Holanda tiveram colónias em África, mas sabemos bem que a maioria dos seus cidadãos ainda olha para os africanos com um misto de desprezo e superioridade, a mentalidade de colono ainda é evidente na maneira como se comportam até mesmo nos países africanos em que trabalham, todos eles repetem o que os seus antepassados fizeram tanto é assim que só não se dedicam ao tráfico de escravos, porque não têm mais onde vendê-los! Se os africanos devolvessem aos europeus os ataques xenófobos que sofrem na Europa, a mídia internacional iria dar amplo destaque, se tal não acontece esses europeus poderiam muito bem ajudar a mudar mentalidades nos seus países, mas sabemos bem como funcionam as coisas nas empresas de construção civil.”
“Vejo o angolano como trabalhador, angolano disciplinado, angolano com perfil científico e não quero saber se é branco ou não, são questões que já deverão estar resolvidas, porque há angolanos pretos piores que angolanos brancos”. Não, não foi este acúleo pasquineiro que o disse. Por sinal foi o ex-ministro da Cultura, Turismo e Ambiente angolano, Jomo Fortunato.
E como epitáfio da sua sepultura civilizacional, diz: “É por isso que andam comovidos com a Ucrânia, só para provar que são movidos pela lealdade à cor!»