O maior partido da oposição que o MPLA ainda permite em Angola denunciou dois casos de ofensas à integridade física a um deputado e a um dirigente da UNITA. A Assembleia Nacional aguarda denúncia formal.
A denúncia foi feita pelo deputado do grupo parlamentar da UNITA, Monteiro Eliseu, quando intervinha na língua nacional umbundu, na plenária desta quarta-feira, tendo sido depois instado a fazer a tradução para português, língua oficial de Angola, pela presidente da Assembleia Nacional, Carolina Cerqueira.
Carolina Cerqueira pediu esclarecimento à bancada parlamentar da UNITA, por ter sido proferida durante a sessão “uma informação em relação ao atentado contra a integridade de um deputado”.
“Gostaríamos que a bancada da UNITA fosse mais clara e nos informasse efectivamente do que é que se trata”, exortou.
Sobre o assunto, a vice-presidente do grupo parlamentar da UNITA, Mihaela Weba, informou que será submetida por escrito uma informação à presidente da Assembleia Nacional “sobre o sucedido com o deputado Peregrino Huambo Chindondo”.
A presidente do Parlamento insistiu no esclarecimento, atendendo ao facto de que a sessão estava a ser transmitida em directo e não convinha “deixar suspeições no ar”.
“Foi dito publicamente aqui, a sessão está a ser transmitida para o público, não podemos deixar suspeições no ar, pensamos que mesmo fazendo por escrito à presidente da Assembleia Nacional, o plenário tem o direito de saber o que é que se passa, é um deputado”, vincou.
Atendendo ao pedido, o deputado da UNITA, Américo Chivukuvuku, disse que o assunto foi levantado na sessão com o objectivo de “chamar atenção das entidades competentes e da opinião pública nacional e internacional sobre os graves problemas que assolam o país”.
“Reafirmar que Angola é um Estado democrático de direito e esperamos – e esta é a nossa preocupação -, que esta premissa não deve ser apenas teórica, mas tem de se traduzir na prática e na vida do dia-a-dia dos cidadãos, o que não é [feito]”, referiu.
“Nós consideramos que a vida das pessoas e a dignidade da pessoa humana está acima de tudo, são variadíssimos casos que foram aqui evocados, entre os quais este”, acrescentou.
De acordo com Américo Chivukuvuku, o deputado Isidro Peregrino Huambo Chindondo e o dirigente da UNITA Abílio Kamalata Numa viram ameaçadas a sua integridade física e moral.
“Importa referir que eles já accionaram também as medidas conducentes junto dos órgãos do Estado sobre o que se passa e a prova de tudo isso é que o digníssimo general Numa, membro da direcção da UNITA, inclusive foi instado para responder junto da Procuradoria-Geral da República sobre factos que não são reais, que não são verdadeiros”, destacou.
Américo Chivukuvuku reafirmou que a informação será feita por escrito ao Parlamento, tendo a posição tomada servido para chamar a atenção para os gravíssimos problemas no país, “onde o tratamento desigual, a discriminação, a exclusão continua a ser uma realidade e contraria o primado da lei e da Constituição”.
Carolina Cerqueira disse que vai aguardar que seja remetida por escrito a informação, para se tomar as medidas em conformidade com a lei.
“E também queríamos reiterar que qualquer preocupação ligada ao atentado da vida humana também é nossa preocupação. A segurança, a estabilidade, a protecção dos deputados, é de todos deputados eleitos e vamos tomar as medidas que urgirem para que reine a estabilidade, o respeito e o bom senso nesta casa das leis“, frisou.
Fazer uma acusação desta gravidade, na Assembleia Nacional, ainda por cima em umbundu e não na língua oficial do país, ou é cobardia, irresponsabilidade ou ignorância. Será que, um dia destes, os deputados da UNITA vão abordar a questão dos 20 milhões de pobres, falando em Kikongo, Kimbundo, Tchokwe, Mbunda, Kwanyama, Nhaneca, Fiote, Nganguela…?
Faz sentido, hoje, querer escolher uma, ou mais do que uma, das nossas línguas nacionais como única Língua Nacional, levando-a a substituir o português? Ou é mais viável apostar num “português de Angola” (à semelhança do “português do Brasil”)?
A adopção da língua do antigo colonizador como língua oficial foi uma decisão comum à grande maioria dos países africanos. No caso de Angola deu-se o facto, pouco comum, de uma intensa disseminação do português entre a população angolana, a ponto de haver uma expressiva parcela da população que tem como sua única língua aquela herdada do colonizador.
Só durante o século XX é que o português se tornou gradualmente a língua mais falada nas áreas urbanas de Angola. Este facto ficou a dever-se, essencialmente, ao aumento do número de colonos portugueses, tanto homens como mulheres, a maioria dos quais preferia fixar-se nos centros urbanos costeiros, em detrimento das zonas do interior. E apenas na década de 1950 se reuniram as condições para a generalização do português a todo o território angolano, pois só então a maioria da população precisou efectivamente de dominar esta língua.
Vários factores contribuíram para esta situação. Por um lado, durante o Estado Novo, para serem reconhecidos como assimilados, os angolanos tinham de demonstrar saber ler, escrever e falar fluentemente em português, bem como vestirem e professarem a mesma religião que os portugueses e manterem padrões de vida e costumes semelhantes aos europeus. O domínio de uma variedade rudimentar do português não os tornaria, portanto, elegíveis. Era obrigatório dominar o português europeu, ainda que o acesso à educação tivesse sido durante muito tempo vedado à generalidade dos angolanos.
Por outro lado, na década de 1960, em resposta à influência crescente dos movimentos nacionalistas em Angola, Portugal investiu massivamente na intensificação da sua presença no interior, nomeadamente através do fomento da criação de grandes colonatos agrícolas.
Finalmente, durante a década de 1970, o exército português agrupou grande parte da população do interior, especialmente no leste, em aldeamentos, ou seja, em “vastas aldeias organizadas pelos militares, muitas vezes rodeadas de arame farpado, onde se agrupavam africanos anteriormente dispersos”.
Apesar de ser um processo impositivo, a adopção do português como língua de comunicação corrente em Angola propiciou também a veiculação de ideias de emancipação em certos sectores da sociedade angolana, facilitando a comunicação entre pessoas de diferentes origens étnicas. O período da guerra colonial foi o momento fundamental da expansão da consciência nacional angolana. De instrumento de dominação e clivagem entre colonizador e colonizado, o português adquiriu um carácter unificador entre os diferentes povos de Angola.
Com a independência em 1975, o alastramento da guerra civil, nas décadas subsequentes, levou à fuga de muitas centenas de milhares de angolanos das zonas rurais para as grandes cidades — particularmente Luanda — levando ao seu desenraizamento cultural. Esta deslocação interna haveria, contudo, de favorecer a difusão da língua portuguesa, já que esta se tornaria a única língua de contacto dos refugiados internos entre si e com os habitantes destas cidades. Após a paz entre a UNITA e o MPLA os refugiados que regressaram às regiões rurais de origem levavam já o português como primeira língua.
A construção da estrutura administrativa do novo Estado nacional reforçou a presença da língua portuguesa, usada no exército, na administração, no sistema escolar, nos meios de comunicação, etc.. Embora, oficialmente, o Estado angolano declare, na própria Constituição, que “valoriza e promove o estudo, o ensino e a utilização das demais línguas de Angola”, na prática tendeu sempre a valorizar exclusivamente os aspectos que contribuem para a unificação do país – o português como a única língua unificadora – em detrimento de tudo o que pudesse contribuir para a diferenciação dos grupos e a tribalização – a miríade de línguas e dialectos regionais e étnicos. Aspecto particularmente crítico num continente de fronteiras recentes e artificiais.
O poder político em Angola fala em português. A elite do MPLA, em grande percentagem, tem a língua portuguesa como língua materna. É uma elite urbanizada que perdeu algo da sua raiz étnica.