O presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Akinwumi Adesina, anunciou hoje que vai alocar 10 mil milhões de dólares nos próximos cinco anos para impulsionar a produção alimentar, através de programas específicos desenhados para cada país. Em matéria de países (mais ou menos) lusófonos estão incluídos Angola, Cabo Verde, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau e Moçambique.
Num comunicado divulgado durante a Cimeira Alimentar Africana, que decorre até sexta-feira em Dacar, lê-se que “o Grupo BAD está a comprometer 10 mil milhões de dólares [9,1 mil milhões de euros] nos próximos cinco anos para impulsionar os esforços de África para acabar com a fome e tornar-se um fornecedor de alimentos básicos para si e para o resto do mundo”.
Com a presença de mais de 30 chefes de Estado e 70 ministros e representantes do sector privado e parceiros de desenvolvimento, a Cimeira Alimentar de Dacar 2 é realizada em conjunto pelo BAD e pelo Governo do Senegal, tendo sido apresentados diversos Compactos desenhados tendo em conta a especificidade de cada país, incluindo Angola, Cabo Verde, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau e Moçambique.
Nas intervenções durante a reunião, o presidente do BAD, Akinwumi Adesina, desafiou os líderes a “transformarem a vontade política em acções decisivas para garantir a segurança alimentar em África”, defendeu um “forte apoio aos jovens e mulheres agricultores” e considerou que a agricultura “deve ser um negócio, não uma actividade de desenvolvimento”.
De acordo com o comunicado, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, enviou uma mensagem ao encontro, na qual reconheceu que “África enfrenta actualmente os desafios das alterações climáticas e da insegurança alimentar” e prometeu o apoio da ONU para “ajudar África a tornar-se uma potência alimentar global”.
O continente africano foi duramente atingido pela invasão da Ucrânia pela Rússia e pelas consequentes sanções às exportações russas, o que afectou a capacidade de os governos e empresas africanas comprarem fertilizantes, não só pela escassez, mas também pelo aumento dos preços, a que se juntou a subida dos preços energéticos.
O Compacto de produção alimentar lançado pelo BAD para dezenas de países em África inclui metas e objectivos específicos para cada país, apontando as principais prioridades em termos de aumento da produção.
“Espera-se que os governadores dos bancos centrais e os ministros das finanças desenvolvam acordos de financiamento para implementar os compactos de distribuição de alimentos e agricultura, em conjunto com os ministros da agricultura, actores do sector privado, instituições financeiras dos bancos comerciais, e parceiros e organizações multilaterais”, lê-se no comunicado.
No caso de Angola, o BAD diz que “a implementação do Compacto irá contribuir directamente para aumentar a produção e produtividade, melhorar a segurança alimentar e a nutrição, em consonância com a estratégia do Governo para transformar a agricultura e a pecuária angolanas num sector próspero e uma força motriz do crescimento inclusivo e da diversificação económica”.
As áreas prioritárias de produção são arroz, trigo, milho, soja e aves de capoeira, e o banco salienta que “o financiamento e a implementação do Compacto dependerão de um plano ambicioso para atrair investidores do sector privado para o sector agrícola”.
A execução do plano “exigirá um investimento de 5,7 mil milhões de dólares [5,2 mil milhões de euros], a ser obtido através de um plano ambicioso para atrair investidores do sector; estima-se que o investimento público directo do Governo de Angola seja de 60 milhões de dólares [55 milhões de euros], atribuídos ao financiamento de investimentos em infra-estruturas rurais”, conclui-se no documento.
O QUE DIZIA O PRESIDENTE DO BAD EM SETEMBRO DE 2021
Akinwumi Adesina defendeu em 22 de Setembro de 2021 que o continente tinha de deixar de apenas exportar matérias-primas, apostando na criação de valor através de uma melhor negociação dos contratos comerciais. É, recorde-se, o mesmo perito que afirmou que a corrupção “não é um problema africano”, pelo que…
“África é abençoada com 30% dos recursos naturais do mundo, do petróleo aos minérios, dos diamantes ao gás, e será incontornável no futuro, a transição para os carros eléctricos e as baterias para a energia solar dependem de África”, disse Akinwumi Adesina, na sessão de abertura do seminário sobre os novos desafios do Mecanismo Jurídico de Apoio aos Países Africanos (ALSF, na sigla em inglês).
O ALSF funciona no âmbito do BAD e providencia apoio jurídico aos países na negociação de contratos de exportação de matérias-primas, na litigância relativamente à dívida pública e na definição de contratos comerciais para projectos de infra-estruturas ou em parcerias público-privadas.
“Os países exportam recursos naturais com pouca adição de valor e têm fraca capacidade de negociação, o que levou a uma corrida à extracção e ao sangramento dos recursos africanos”, afirmou Akinwumi Adesina, vincando que desde 2008 a ajuda do ALSF tem sido preciosa em negociações no valor de 75 mil milhões de dólares, cerca de 64 mil milhões de euros.
“Na Guiné-Bissau, o governo enfrentou o endividamento profundo, mas o auxílio legal na negociação de um perdão de dívida sobre uma dívida comercial, que baixou o valor das obrigações financeiras em dívida de 15 para 5 milhões de dólares [de 12,7 para 4,6 milhões de euros]”, exemplificou o banqueiro, apontando também exemplos positivos no Senegal, República Democrática do Congo e Camarões, que estavam entre os 14 países que receberam auxílio legal do ALSF.
“Nos últimos três anos, os países africanos pouparam 4 mil milhões de dólares [3,4 mil milhões de euros], e desde 2018 já foram treinados 10 mil profissionais para estas negociações de complexas transacções financeiras e jurídicas”, acrescentou Akinwumi Adesina.
Em Janeiro de 2020, Akinwumi Adesina, defendeu em declarações à Lusa que a corrupção “não é um problema africano” e salientou que a apropriação de recursos do Estado por um indivíduo não é admissível.
“A corrupção não é um problema africano, está em todo o lado onde há ganância, quando os indivíduos são gananciosos, fazem coisas más, e a questão é garantir que não o fazem com dinheiros do Estado”, respondeu Akinwumi Adesina, quando questionado sobre o impacto da divulgação do escândalo financeiro conhecido como Luanda Leaks.
“Enquanto BAD, o mais importante para nós é que haja uma boa governação, transparência e responsabilização na gestão das finanças públicas”, disse o presidente do BAD, respondendo à questão sobre se o caso do ex-Presidente de Angola e da sua filha, a empresária Isabel dos Santos, poderia pesar nas decisões de investimento em Angola e no continente africano.
O banqueiro acrescentou que “os investimentos têm de ser justos”.
“Temos de combater os fluxos ilícitos de capital, e temos programas contra isso”, afirmou Adesina, encorajando os países a aderirem à Iniciativa para a Transparência na Indústria Extractiva e lembrando que o BAD tem um programa sobre a valorização dos recursos naturais dos países e o acompanhamento da sua comercialização, “para conseguirem saber, de forma transparente, quem os está a vender, para onde e como”.
Para além disso, acrescentou o presidente da instituição, à margem da apresentação do relatório sobre as Perspectivas Económicas Africanas, “o BAD tem um programa chamado Instrumento de Apoio Legal Africano que permite a países exportadores de matérias-primas saberem, de forma transparente, o valor dos recursos”.
“A corrupção é uma coisa tão má, tira o que pertence ao Estado e torna-o numa coisa que pertence a um indivíduo, os recursos do Estado não pertencem a um indivíduo, pertencem ao colectivo”, concluiu Akinwumi Adesina.
Nós por cá… sabe Deus (que não é João Lourenço)!
Anteriormente, Akinwumi Adesina disse que o mundo não estava a ganhar a guerra contra a fome a nível global e relativizou os dados que mostram que há menos pessoas na pobreza. África conhece bem esta realidade. Angola também.
Um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) indicava que, em Angola, 23,9% da população passa fome. No relatório de 2018, a FAO referia que cerca de 821 milhões de pessoas no mundo passam fome, o que se traduz num aumento quando comparado com os dados de há dez anos. Em Angola, segundo a FAO, “23,9% da população passa fome”, o que equivale a que “6,9 milhões de angolanos não tenham acesso mínimo a alimentos”.
“Não nos podemos deixar levar; não estamos a ganhar a luta contra a fome global”, disse Akinwumi Adesina durante a sua intervenção numa conferência sobre agricultura na Universidade Purdue, em Indianapolis.
As declarações de Akinwumi Adesina surgiram poucos dias depois da divulgação de dados sobre a descida do número de pessoas que vivem com menos de 2 dólares por dia, mas o presidente do BAD vincou que os números das Nações Unidas mostram uma subida das pessoas com fome, de 777 milhões em 2015 para mais de 820 milhões em 2020.
Perante uma plateia de investigadores, líderes empresariais, decisores políticos e doadores, o banqueiro defendeu mais ajuda desta comunidade e lembrou o compromisso de investir 24 mil milhões de dólares na agricultura africana nos próximos 10 anos, o maior esforço de sempre.
A situação na África subsariana, apontou, precisa de “intervenção particularmente urgente devido às mudanças climatéricas”, disse Akinwumi Adesina, segundo um comunicado do banco, que dá conta de um aumento de 38 milhões de pessoas com fome em África em 2050 só devido a estas alterações.
Cerca de 821 milhões de pessoas no mundo passam fome, revelou a ONU, traduzindo um aumento para níveis de há dez anos que se sente mais na América do Sul e na maior parte de África, disse a FAO no relatório sobre o estado da segurança alimentar e nutrição de 2018, em que se confirma a tendência para o aumento da fome no mundo pelo terceiro ano consecutivo, passando de 804 milhões em 2016 para 821 milhões em 2017.
Angola, Moçambique e Guiné-Bissau estavam entre os países africanos onde os choques climáticos – mas não só – foram uma das causas de crises alimentares em 2017, segundo a avaliação global sobre segurança alimentar e nutricional (SOFI 2018), elaborada por cinco agências da ONU, incluindo a Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
A avaliação é pessimista, realçando que os objectivos de erradicação da fome em 2030 estão em risco, face ao crescimento da situação de fome, que atingiu 821 milhões de pessoas em 2017, ou seja, um em cada nove habitantes do mundo.
Folha 8 com Lusa