No dia 4 de Dezembro de 2018, João Manuel Gonçalves Lourenço convidou vários elementos, grupos de pressão e organizações da sociedade civil, para um encontro, sem agenda, no Palácio Presidencial, visando medir a pulsação destes.
Por Orlando Castro
A foi positiva? Foi positiva, sim senhor, pese a ausência de um horizonte e comprometimento das partes em relação aos ingentes problemas com que se debate a maioria dos angolanos, desde logo os 20 milhões de pobres.
Muitos internautas – mas também individualidades nacionais e estrangeiras – perguntaram-nos na altura da razão da permanente exclusão do Folha 8, chegando mesmo a considerar tratar-se de continuação das injustiças e discriminação, de que temos sido alvo.
Não alinhamos neste diapasão porquanto João Lourenço, enquanto chefe de Estado, tem legitimidade institucional de convidar quem melhor lhe aprouver, num dado momento ou em todos os momentos. Ademais nunca poderia convidar todo o mundo, pois se o fizesse, seguramente, não haveria sala capaz de albergar a multidão.
Por outro lado, temos de nos habituar a não ficar amuados quando as opções de um “convidador”, trilham o sentido contrário aos nossos desejos, atribuindo-lhe rótulos negativos. É um facto que se a liberdade de alguém termina onde começa a nossa, a nossa tem de terminar obrigatoriamente onde começa a desse alguém.
É uma tendência que calcorreia muitas avenidas intelectuais, nos países subdesenvolvidos, vendo fantasmas onde eles não existem, principalmente, quando o inferno mantém as labaredas.
O Folha 8 tem uma precisa noção do seu papel, no universo informativo, bem como no de dar voz a quem não tem voz, muito em contramão do expectável, por parte de quem esteja (ou tenha estado) no Poder. Aliás, quem está no Poder (ontem como hoje e talvez amanhã) sabe que é assim, que tem de ser assim. Hoje, muito mais do que ontem, o Poder político que nos governa sabe (mesmo que não o reconheça publicamente) que as sombras, que os “yes-men”, fazem parte da história mas não fazem a História.
Não abdicaremos nunca de criticar, quando é cada vez mais imperioso que o jornalista, diante do caminhar acelerado do regime, após fechar, com a cumplicidade da maioria da frágil oposição, o pacote de 53 anos de poder ininterrupto (43, Neto/Dos Santos + 10 de João Lourenço), se assuma como os “olhos do país”, afastando-se da lógica de assassinar pelo elogio, quando deve salvar, os políticos no Poder, pela crítica.
É normal, apesar de tremendamente errado, que quem tem Poder seja induzido a pensar que esse simples facto lhe dá o dom de ser dono da verdade. Ninguém é dono da verdade. Mas dizer o que pensamos ser a verdade é uma das melhores, talvez mesmo a melhor, qualidade das pessoas de bem. Só destas, é claro.
Daí estarmos talhados e mentalmente preparados para a continuidade das injustiças, para a memória curta (ou até inexistente) de muitos, pois essa preparação blinda a nossa mente, para continuarmos a lutar por um país mais livre e democrático, com um programa prioritário capaz de reduzir os 20 milhões de pobres que, na crueza dessa verdade, conspurcam a dignidade de todos nós, mostrando quanto somos incapazes de viver para servir.
Por esta razão não estamos obcecados em ser recebidos pelo Presidente da República, depois deste e o respectivo gabinete, terem rejeitado a entrevista, por nós solicitada, no 8 de Janeiro de 2018, sem a urbanidade que carecia o pedido, “futebolisticamente” atribuindo-nos um cartão amarelo.
Igualmente, no carreiro da omissão age o gabinete do Presidente do MPLA ao não dar provimento a uma reclamação feita, com todos os pareceres, de ter havido motivação política, ao despojarem o nosso Director, William Tonet, de todos os títulos profissionais, no consulado anterior, visando que ele vegetasse em vez de viver.
Mas, repita-se, em tudo isso, ao manter as injustiças e a discriminação, João Lourenço e o seu consulado não podem ser acusados de ilegitimidade. Nunca termos sido convidados para nenhuma actividade do ministério da Comunicação Social (quando este existia como tal), da ERCA, etc., tem uma mensagem clara que respeitamos.
É assim o nosso país. Terá de continuar a ser assim? Talvez não. O Presidente João Lourenço diz que quer um país diferente, para melhor. Acreditamos que sim. Estamos a dar o nosso contributo. Mas temos a ingenuidade de pensar que para isso não pode haver angolanos de várias categorias. Mas há.
Recorde-se, num mero exercício de memória, que no bairro Vila Alice, no quadro das actividades dos “Comités Ginga”, em 1975, antes da proclamação da nossa Independência, sob coordenação do nacionalista Guilherme Tonet, que organizava e ministrava cursos de formação de activistas pró-MPLA, dos quais se salienta o Curso de Monitores Político-Militares, participaram uma plêiade de jovens que mais tarde desenvolveram acções de realce em prol da construção da Pátria angolana.
O espaço reservado para as referidas aulas situava-se na residência de Guilherme Tonet, que na sua acção formativa contou com o apoio do seu filho primogénito William Tonet, cuja missão primordial se centrava na produção, impressão e distribuição dos materiais que serviram de apoio aos formandos.
Eis alguns nomes dos participantes nas actividades formativas levadas a cabo por Tonet: Ana Dias Lourenço, Luís Carneiro “Luisinho”, Evelize Fresta, Mariana Afonso Paulo, Ana Maria de Sousa Santos “Nani”, Pedro de Almeida, Fernanda Dias, Artur Nunes, Sara Bernardete Barradas, Maria da Conceição Guimarães.
Estes são alguns nomes dos muitos jovens que receberam formação política em prol do MPLA no período que antecedeu a proclamação da Independência Nacional e que integraram os múltiplos Comités de Autodefesa (braço armado embrionário do MPLA na cidade de Luanda) sob tutela dos “Comités Ginga” espalhados nos bairros como Sambizanga, Prenda, Golfe, Cazenga, Marçal, Rangel, Bairro Popular, Ilha de Luanda, Ingombota, etc..
ENTRE AS VAGAS IDEIAS DE MUITOS E A MEMÓRIA DE POUCOS
Recordando (como se fosse preciso) os métodos de José Eduardo dos Santos, hoje os “anónimos” servidores de João Lourenço voltaram a pôr as garras de fora. E em matéria de alvos, o Folha 8 mas sobretudo o seu director, William Tonet, começa a ter muita companhia. Sejam bem-vindos, apesar de as razões não serem as melhores.
Pela forma, mas também pelo conteúdo e pela escrita, percebe-se que são gente evoluída e que gravita junto de quem tem o Poder, tal a forma canina como se arrogam ter o dever de defender quem, de facto, não precisa de ser defendido por gentalha deste tipo.
Em vez de respondermos aos párocos do bairro, vamos directamente a “Deus”, evitando intermediários.
Assim, permita-me V. Exa. Senhor Presidente da República, João Lourenço, que lhe relembre (trazer novamente à memória) sinteticamente quem é William Tonet. Se, eventualmente, achar por bem fazer alguma pedagogia e passar a informação aos seus assessores e a outros dos seus servidores na hierarquia do país, esteja à vontade. Muitos continuarão a confundir a fã com o afã, mas…
Em 1965, no Congo-Brazzaville, na base do Movimento, por orientação de Agostinho Neto, o ex-vice-presidente do MPLA, Matias Miguéis, foi enterrado vivo, tendo ficado a cabeça de fora durante dois dias para receber todo tipo de humilhações até sucumbir. Não seria importante que o presidente do MPLA, João Lourenço, nos dissesse se sabe, se tem uma ideia ou se não quer saber, quantas crianças soldados e guerrilheiros assistiram a esta barbárie?
Em 1966, foi queimado numa fogueira, logo barbaramente, assassinado, na Frente Leste, o abnegado e valoroso comandante Paganini e mais seis outras pessoas, acusados de feitiçaria e tentativa de golpe contra a direcção de Agostinho Neto, em Brazzaville. Será prova de coragem varrer estes factos para debaixo do tapete?
Consta dos arquivos da PIDE, que repousam na Torre do Tombo, em Lisboa, que Guilherme Tonet fundou, em 1960, a FPLA (Frente Popular de Libertação de Angola), partido responsável pela manutenção dos núcleos de guerrilha em Luanda depois da sublevação do 4 de Fevereiro de 1961 e que foi ainda o criador de uma região militar, na zona dos Dembos e Piri, que viria posteriormente a converter-se na 1.ª Região Político Militar do MPLA. Guilherme Tonet partiu, consta também, para os húmus libertários, com seu filho primogénito (William Tonet), então com três anos de idade.
O cartão de pioneiro n.º 485, atesta William Tonet como sendo natural da 1.ª região político-militar do MPLA. Nas matas, as crianças não andavam a brincar à cabra-cega, eram “guerrilheiros-mirins”, servindo de antenas e carregadores dos guerrilheiros.
Na tentativa de abertura de mais uma frente, no Planalto Central, em 1968, o grupo de guerrilheiros foi preso, dentre eles Guilherme Tonet, que viria a ser desterrado para a cadeia de São Nicolau. Foi nestas bandas que William Tonet encontrou, estudou e conviveu, por exemplo, com o ex-Vice-Presidente da República, Bornito de Sousa.
Por tudo isso, brada aos céus a presunção (passiva ou activa) de monopólio da verdade de muitos altos dirigentes do MPLA/Estado que se arrogam a cometer, com total impunidade, o crime de difamação e violação primária da verdade quando dizem:
“O cidadão William Tonet nunca pertenceu ao movimento guerrilheiro, dirigido pelo MPLA, no período de luta pela independência nacional de Angola, nem integrou qualquer estrutura ou força governamental, que se tivesse envolvido directamente, na luta pela preservação da independência ou pela defesa da integridade do solo pátrio”.
Lembram-se os actuais, os anteriores dirigentes bem como o actual Presidente do MPLA de todos os membros que estiveram na comissão de redacção do congresso de Lusaka de 1974? William Tonet lembra-se. Quem mente?
Saberá o Presidente do MPLA, os nomes dos guerrilheiros que vieram, em 1975, no primeiro navio de cimento a partir de Cabinda? O MPLA deve assumir se tinha ou não nas suas fileiras crianças-soldados, antes e depois da independência. Isto para se aferir quem mente…
Em 1975, em Luanda, William Tonet fez parte do grupo de contra-informação, que “invadiu” o então hospital universitário de Luanda (actual Américo Boavida) e de lá retiraram dos corpos de crianças mortas, corações, fígados e outros órgãos humanos, que serviam de objecto de estudo, aos alunos do curso de medicina, para os colocar nas Casas do Povo da FNLA, acusando-os de canibalismo e de comerem pessoas. Tese que vingou e perdura por muitos anos. Será que o MPLA já pediu desculpa aos angolanos e à FNLA, sobre essa mentira? Tonet penitenciou-se, ainda Holden Roberto estava em vida e junto da direcção da FNLA. Ngola Kabangu e outros podem confirmar.
William Tonet foi um dos comandantes que levou pioneiros de Luanda para o Largo 1.º de Maio, a fim de servirem de porta bandeira, na noite de 11 de Novembro de 1975, data da proclamação da Independência. Um destes pioneiros, dentre outros, foi Toninho Van-Dúnem, ex-secretário do Conselho de Ministros.
Em 1976, era um dos integrantes do “estado-maior” das Comunicações da 9.ª Brigada das FAPLA, tendo sido nessa condição colocado, por orientação da Comissão Executiva do MPLA, no gabinete do Comandante Nito Alves, para a área juvenil e de mobilização em Luanda. Participou nas várias reuniões preparatórias e electivas, dos membros das Comissões Populares de Bairro. Foi autor, na campanha de diabolização do adversário político, mais temeroso da altura, da expressão, que viria a ser musicalizada: “Holden é como camaleão”! “Ele é lacaio do imperialismo internacional”, num dos comícios no campo de São Paulo, em Luanda! Alguém do MPLA pode desmentir isso?
Em 1977, por ocasião do 27 de Maio foi preso, sem culpa formada, pelo agente da DISA, Carlos Jorge, também conhecido por Cajó, acusado de fraccionismo, na companhia de seu pai, Guilherme Tonet, mais dois tios, que viriam a ser enterrados vivos.
William Tonet está registado com o n.º 5369/86, como Antigo Combatente, emitido no período de partido único, onde o rigor de pendor comunista era mais acentuado. O processo foi constituído e repousa nos arquivos da então Secretaria de Estado dos Antigos Combatentes, tendo sido emitido a 28 de Agosto de 1986, Ano da Defesa da Revolução Popular.
Nos anos 80 foi delegado da TPA (Televisão Popular de Angola) em Benguela. Trabalhou ainda a nível da JMPLA com a deputada do MPLA, Ângela Bragança e com o ex-Presidente do Tribunal Supremo, Rui Ferreira.
Na qualidade de oficial de comunicações, especialista em intersecção militar, foi requisitado em nome do governo e na sua condição, para trabalhar, em diversas ocasiões com os generais Kundy Pahiama, Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó” e Fernando Garcia Miala, então chefe da Casa Militar da Presidência da República.
Ainda na qualidade de oficial e no estado-maior de comunicações militares, sua especialidade, trabalhou, entre os anos 80 e 90, em muitas das grandes operações militares das FAPLA, nas regiões Sul, Norte, Leste e Sudoeste, na criação de linhas de intersecção, com os generais, Ngueto, Faceira, João de Matos, Armando da Cruz Neto, Jorge Sukissa, entre outros. Aliás nessa condição, com conhecimento do general João de Matos, foi impedido, por ordem militar do comandante-em-chefe, José Eduardo dos Santos, de se retirar da Frente Centro.
Em 19 de Maio de 1991, após quatro dias de negociações directas entre William Tonet e os líderes do MPLA e da UNITA, respectivamente José Eduardo dos Santos e Jonas Malheiro Savimbi, foi assinado no Alto Cauango, Luena-Moxico, o Primeiro Acordo de Paz de Angola, pondo fim a uma guerra de 57 dias, entre as tropas militares das FAPLA/MPLA e FALA/UNITA. Foram subscritores ou testemunhas oculares, Higino Carneiro, Nelumba Sanjar, Chilingutila, Mackenzi, entre outros.
Há, de tempos em tempos, que tomar-se a altura do Sol para que a rota se não extravie pela superfície movediça de factos e circunstâncias, num mar-alto sem referências nem horizontes. Também hoje, “Angola vagueia num mundo transformado e revolto, sem horizonte” nem pontos de referência angolanos.
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