Eram mais polícias do que manifestantes. Mas, de facto, um só activista vale por 100 membros da Polícia Nacional (do MPLA). No entanto, a lei da força vale mais do que a força da lei. E quando assim é, os homens fardados não têm outra solução: porrada e cadeia com os que se recusam a ser escravos. Todavia, só é um estranho conceito de liberdade, de democracia e de Estado de Direito para quem não conhece o MPLA…
Por Orlando Castro
Fazendo minhas (nossas) as palavras dos activista, afirmo: Vivemos em Angola um misto de autoritarismo e de terrorismo de Estado pelas seguintes razões:
1- A subversão da Constituição da República de Angola, dos Tratados Internacionais, das normas legais vigentes e a supressão dos direitos e liberdades fundamentais;
2- O uso da força e da violência por parte dos órgãos de defesa e segurança, instaurando uma cultura do medo e do terror comprometendo em grande medida a cidadania participativa;
3° A perseguição predatória às mulheres zungueiras e vendedores ambulantes, levada a cabo pela Policia Nacional de Angola e pelos fiscais do Governo da Província de Luanda. O uso descontrolado da força por parte destes, tem resultado em lesões físicas graves e na morte de alguns cidadãos. Os exemplos mais recentes remontam ao dia 9 de Dezembro de 2022, no bairro do Cassequele, zona da Teixeira, onde agentes da polícia assassinaram a jovem zungueira Raquel Kulepe, cidadã de 30 anos de idade e que deixou em vida 7 filhos. No mesmo episódio foram gravemente feridos Lucas Mandamba e António Kicongo, cidadãos transeuntes que apenas passavam por aquele local;
4° A tortura e detenção de activistas tal como a repressão de manifestações por estes organizadas, constituindo um claro atentado ao Estado democrático de direito e à Constituição da República;
5° A prisão de activistas sem causa justa, cuja manutenção das prisões obedece a ordens superiores. Deste modo, excedem os prazos de prisão preventiva e os julgamentos subsequentes não obedecem aos princípios da legalidade, justiça e imparcialidade. Portanto, são julgamentos politicamente controlados e encomendados, criando presos políticos. A título de exemplo, temos Tanaice Neutro e Luther King, presos há mais de um ano. Esgotados todos os prazos de prisão preventiva, deveriam responder os processos em que estão envolvidos em liberdade. Mas as ordens superiores sobrepõem-se ao Estado de Direito;
6° A subserviência das instituições republicanas nomeadamente a Polícia Nacional, o SIC e o SINSE que actuam ao serviço da partidocracia do MPLA, perseguindo activistas e jornalistas críticos ao regime, quando deveriam servir o soberano povo de Angola.
Tal como os activistas, também eu (também nós) exijo o seguinte:
– Que o poder instituído (o governo) respeite a vida humana, a dignidade da pessoa humana e a liberdade que são direitos fundamentais segundo a CRA.
– Que a Polícia Nacional e os fiscais deixem de perseguir as mulheres zungueiras e os vendedores ambulantes. Igualmente deixem de usar a violência, as armas de fogo e as balas letais quando abordam os cidadãos em causa, indefesos e desarmados.
– Que o governo deixe de combater os pobres, mas combata a pobreza e a miséria em que se encontram milhões de angolanos. A zunga não é opção, mas sim o resultado da má governação. Os vendedores ambulantes são resultados de um Estado extorsionário, fraco e falhado que não cria políticas sociais exequíveis para a empregabilidade da juventude.
João Lourenço tornou regra de ouro no seu (mau) reino que a liberdade dos jornalistas tem de acabar onde começa a do seu (mau) MPLA, sendo que a do MPLA não tem limites.
Por alguma razão, há já bastante tempo mas sempre com plena actualidade, António Barreto – prestigiadíssimo sociólogo português – disse de José Sócrates aquilo que hoje se aplica milimetricamente a João Lourenço. Ou seja, que “não tolera ser contrariado, nem admite que se pense de modo diferente daquele que organizou com as suas poderosas agências de intoxicação a que chama de comunicação”.
António Barreto acrescentou ainda, de forma lapidar, que “o primeiro-ministro José Sócrates é a mais séria ameaça contra a liberdade, contra autonomia das iniciativas privadas e contra a independência pessoal que Portugal conheceu nas últimas três décadas”. Aplicável a 100% a João Lourenço.
Habituado a que os trabalhadores das redacções dos órgãos de comunicação social (Jornalistas são, como é óbvio, outra coisa substancialmente diferente) vão comer à mão do MPLA, João Lourenço não consegue conviver com a liberdade de expressão, com o direito à indignação e também com o dever dos jornalistas de escrutinar a actividade do Governo.
É por isso que João Lourenço se dá bem com a sua própria sombra, bem como com outras sombras que com ele estão sempre de acordo. Numa atitude que está a fazer escola, prefere ser assassinado pelo elogio do que salvo pela crítica.
É, obviamente, um direito que lhe assiste. O problema está em que quer transformar, como “puro” filho do MPLA, o país num amontoado de acéfalos e invertebrados portadores do cartão de militante do MPLA. Em Luanda, mas não só, Adalberto da Costa Júnior e a UNITA mostraram a João Lourenço que ter cartão de militante do MPLA não transforma um néscio em génio.
O azedume do Presidente da República (não nominalmente eleito) quando vê algum jornalista que se atreve a dizer o que não lhe agrada reflecte igualmente a frustração que deve sentir por não ter conseguido, embora tenha tentado e continue a tentar, transformar todos os jornalistas nos tais acéfalos e invertebrados ao serviço (bem pago) da sua causa.
Se nos primeiros cinco anos de poder João Lourenço fez o que fez, nestes cinco apostará no fim da liberdade de expressão e da diversidade de opiniões.
Parafraseando António Barreto sobre José Sócrates, diremos que “não sabemos se João Lourenço é fascista. Não nos parece, mas, sinceramente, não sabemos. De qualquer modo, o importante não está aí. O que ele não suporta é a independência dos outros, das pessoas, das organizações, das empresas ou das instituições.
“Não tolera ser contrariado, nem admite que se pense de modo diferente daquele que organizou com as suas poderosas agências de intoxicação a que chama de comunicação.
No seu ideal de vida, todos seriam submetidos ao Regime Disciplinar da Função Pública, revisto e reforçado pelo seu governo.” Em Angola o MPLA chama-lhe educação patriótica, ministrada por quem para contar até 12 tem de se descalçar.
E então? Então este é o país em que vivemos: A mentira é uma arte. Esta é a nossa sociedade: o cenário substitui a realidade. Esta é a cultura em vigor: o engano tem mais valor do que a verdade.
E porque é que João Lourenço, bem como os seus sipaios, não gostam do Folha 8? Desde logo porque temos a obrigação e o dever de relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade.
Porque se não procuramos saber o que se passa não estamos a cumprir a nossa missão. Porque se sabemos o que se passa e eventualmente nos calamos estamos cometer um crime junto das únicas pessoas a quem devemos prestar contas: os angolanos (nomeadamente os 20 milhões de pobres).
Porque não aceitamos restrições no acesso às fontes de informação, nomeadamente às de origem pública, e consideramos que essas restrições são uma inaceitável barreira à liberdade de expressão e ao direito de informar.
Porque nos recusamos a divulgar as nossas fontes confidenciais de informação, respeitando sagradamente os compromissos com elas assumidos. A não revelação das fontes é, aliás, uma das razões pelas quais vale a pena ser preso.
Porque se um jornalista não procura saber o que se passa é um imbecil, passando a ser um criminoso quando sabe o que se passa e se cala.