A polícia moçambicana, há 48 anos nas mãos da Frelimo (o MPLA de Moçambique) fez hoje vários disparos de gás lacrimogéneo sobre milhares de pessoas que se manifestam em Maputo contra os resultados fraudulentos (assim retratados por observadores internacionais) das eleições autárquicas anunciados pela Comissão Nacional de Eleição (CNE). Um agente da polícia e um jovem morreram hoje durante manifestações, em Nampula e em Nacala, contra os resultados das eleições autárquicas, anunciou a Organização Não-Governamental moçambicana Centro de Integridade Pública (CIP).
Os manifestantes participam numa marcha convocada pelo cabeça-de-lista da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo, maior partido da oposição) à autarquia de Maputo, Venâncio Mondlane, que reclama ter vencido aquela eleição, em 11 de Outubro, e tentaram seguir, na Avenida 24 de Julho, em direcção às instalações do Conselho Constitucional.
Nessa altura, cerca das 11:30 locais, a marcha foi travada com o posicionamento de vários veículos blindados da polícia e depois pelo lançamento de gás lacrimogéneo, ao que os manifestantes responderam com o arremesso de pedras.
Naquela avenida central de Maputo o trânsito está hoje fortemente condicionado pela polícia e a maioria do comércio está encerrada.
O candidato da Renamo em Maputo, Venâncio Mondlane, apelou à população para “parar tudo” hoje, protestando contra o “homicídio da democracia”, face ao anúncio de vitória eleitoral da Frelimo em praticamente todos os municípios do país.
“Paramos com toda a actividade pública e privada [na sexta-feira]”, apelou Venâncio Mondlane, numa mensagem divulgada pouco depois de Carlos Matsinhe, presidente da CNE, ter anunciado, ao final da tarde de quinta-feira, a vitória da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) em 64 das 65 autarquias nas eleições autárquicas de 11 de Outubro, incluindo Maputo, confirmando os resultados de apuramento intermédio, fortemente contestados por observadores internacionais, organizações da sociedade civil e partidos da oposição.
Carlos Matsinhe, que leu a acta dos resultados a partir da capital, afirmou que oito membros daquele órgão votaram a favor do apuramento geral do escrutínio, cinco contra e dois abstiveram-se, incluindo o próprio presidente da instituição, segundo a Renamo.
Vários tribunais em todo o país chegaram a anular procedimentos, incluindo três em Maputo, e a mandar repetir o processo eleitoral nos últimos dias, mas os resultados anunciados pela CNE mantiveram-se praticamente inalterados face ao apuramento intermédio.
O candidato da Renamo à capital apelou à população para “cancelar tudo” esta sexta-feira, a partir das 09:00 , para uma “megaconcentração” para “celebração da verdade”, esperando a presença de “60.000 pessoas, 60.000 revolucionários”.
“O objectivo directo e claro é o genocídio político da Renamo. E se o povo não reagir, em 2024, em definitivo, eliminar a Renamo, eliminar a democracia”, afirmou aludindo à realização de eleições gerais no próximo ano e ao facto de o maior partido da oposição ter perdido, conforme anúncio da CNE, todas as oito autarquias que liderava no país.
O cabeça-de-lista da Frelimo a Maputo, Razaque Manhique, foi anunciado quinta-feira pela CNE como vencedor das eleições autárquicas na capital, com 58,78%. De acordo com a legislação eleitoral moçambicana, os resultados do escrutínio ainda terão de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional (CC), máximo órgão judicial eleitoral do país.
A autarquia de Maputo sempre foi liderada pela Frelimo, mas Venâncio Mondlane reclamou vitória nestas eleições, com 53% dos votos, com base na contagem paralela a partir dos editais e actas originais das assembleias de voto.
“Os números estão a favor da Renamo”, reagiu o candidato da Renamo, assumindo estar na posse de todos os documentos originais.
A concentração de hoje da Renamo em Maputo estava prevista para a Praça dos Trabalhadores, no centro da capital, seguindo-se a apresentação de “medidas inteligentes” para “defender o resultado e a verdade eleitoral”. “Não vamos precisar de pegar em paus, partir instituições, partir vidros”, garantiu ainda Venâncio Mondlane.
Na quarta-feira, os presidentes da Renamo, Ossufo Momade, e do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) — que manteve a autarquia da Beira -, Lutero Simango, asseguraram que vão lutar “juntos para poder salvar a democracia”, insistindo que as eleições autárquicas do dia 11 foram o “cúmulo” da fraude eleitoral.
Recorde-se, como escreveu a VoA, que o Alto Comissariado do Canadá, a Embaixada da Noruega e a Embaixada da Suíça manifestaram na sua preocupação com as irregularidades denunciadas no dia das eleições autárquicas, e no processo de apuramento dos votos e pediram que o quadro jurídico dê resposta aos processos entretanto apresentados.
“Apelamos a todas as partes para que canalizem as suas reivindicações através dos mecanismos apropriados e estabelecidos no quadro jurídico moçambicano e que as instituições relevantes tramitem-nas de acordo com a lei em vigor com vista a garantir confiança na integridade do processo democrático”, lê-se no comunicado conjunto divulgado por aquelas representações diplomáticas, apelando ainda para “a defesa dos direitos humanos, do Estado de Direito” e que os órgãos de gestão eleitoral “garantam um processo eleitoral transparente e justo”.
O comunicado conclui que “as eleições são a pedra angular da democracia e é essencial garantir que as mesmas sejam realizadas de forma pacífica, transparente e ordeira”.
Nesta altura vários recursos continuam nos tribunais moçambicanos (dominados e amordaçados pela Frelimo), depois dos resultados intermédios divulgados terem dado a vitória à Frelimo em 64 dos 65 municípios, com o MDM a ficar com a cidade da Beira.
As plataformas de observação eleitoral Mais Integridade e Sala da Paz emitiram seus relatórios dizendo que as eleições não foram nem justas nem transparentes e denunciaram muitas irregularidades.
Também a Embaixada dos Estados Unidos emitiu um comunicado no dia 16 em que disse existir muitos relatórios credíveis de irregularidades no dia da votação e durante o processo de apuramento dos votos e pediu que haja uma resolução justa sobre esses alegados ilícitos eleitorais.
A representação americana afirmou que as eleições decorreram “de um modo geral, pacífico”, mas reconheceu que “existem muitos relatórios credíveis de irregularidades no dia da votação e durante o processo de apuramento dos votos”.
Nesse cenário, defendeu que a “Comissão Nacional de Eleições (CNE) deve garantir que todos os votos são contados de forma exacta e transparente”.
Folha 8 com Lusa e VoA
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