Angola ocupa o primeiro lugar no ranking dos países mais empreendedores do mundo, em 2022/2023, de acordo com o relatório do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), que avalia a actividade empreendedora em 50 nações. Bom sinal? Sim, fiz com certeza MPLA. Mau sinal, dizemos nós. É que o motor do crescimento do empreendedorismo é o alto nível de desemprego…
O relatório publicado no site do GEM precisa que Angola, que pertence ao grupo dos países de baixo rendimento, é o país com maior taxa de empreendedorismo (53,4%), seguido da Guatemala (rendimento médio) com 29,4% e do Panamá (rendimento elevado) com 27,9%.
De acordo com o documento, 77% dos inquiridos consideram fácil abrir um negócio no país, o que coloca Angola ao lado de países como a Suécia (80%), a Polónia (79%) ou a Índia (78%).
O GEM nota que 78% dos angolanos inquiridos afirmaram pretender abrir um negócio, nos próximos três anos, considerando que os procedimentos para abrir um negócio são “bastante simples”.
O relatório destaca ainda que 90% dos 2.148 empresários angolanos que participaram no estudo afirmam de ter criado negócios para ganhar a vida porque as ofertas de emprego são raras.
“O elevado nível de desemprego é o principal factor de crescimento do empreendedorismo no país, pois impulsiona as pessoas a criarem empresas”, lê-se no documento.
O GEM é geralmente descrito como o maior estudo unificado da actividade empreendedora no mundo, reunindo dados de mais de 300 instituições académicas e de pesquisa distribuídas por mais de 100 países.
É capaz de gerar informações que permitem dinamizar e desenvolver serviços e actividades organizacionais e administrativas, garantindo-lhes um papel importantíssimo na elaboração de ideias de negócio e oportunidades económicas num âmbito global.
O estudo começou, em 1999, como um projecto conjunto entre a Babson College (Massachusetts, Estados Unidos) e London Business School (Londres, Reino Unido).
No ano inaugural, participaram no estudo 10 países, sendo todos os do G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos) mais a Dinamarca, a Finlândia e Israel.
A elevada taxa de actividade empreendedora nas economias de rendimento baixo pode ser explicada pelos elevados níveis de desemprego, o que leva a que a população tenha tendência para enveredar para actividades empreendedoras, aponta o relatório. Os novos negócios que surgem estão inseridos (83,6%) no sector de actividade orientado ao consumidor.
Em Angola, é a necessidade de ter um rendimento que está na base para o empreendedorismo já que a economia nacional tem crescido muito abaixo do crescimento da população, o que faz com que a economia não crie os empregos formais necessários para acolher o número de pessoas que ano após ano entram em idade activa de trabalho.
A política governamental nesta matéria aposta na receita do Fundo Monetário Internacional (FMI) de consolidação fiscal, controlo da dívida e estabilização macroeconómica, deixando a resolução dos problemas para a actuação do mercado. Sendo certo que estas políticas têm razão de ser em abstracto, numa situação como a angolana não serão suficientes, tornando-se necessária uma visão simultaneamente mais abrangente e focada, em que as actividades do Estado e do sector privado sejam complementares e não mutuamente excludentes.
O mercado de trabalho não obedece na sua plenitude às leis puras da oferta e da procura, contendo variados elementos de rigidez ou das denominadas falhas de mercado, que tornam necessária a sua correcção e adaptação às condições específicas de cada realidade. Basta lembrar que descer salários é extremamente difícil ou realizar despedimentos obedece a uma série de constrangimentos legais. Na verdade, no mundo real os mercados de trabalho raramente são perfeitamente competitivos. Isso ocorre porque os trabalhadores ou empresas, geralmente têm o poder de definir e influenciar salários e, portanto, os salários podem atingir níveis diferentes dos previstos pela teoria clássica. As imperfeições no mercado de trabalho fazem com que os salários difiram de um equilíbrio competitivo. Como exemplo dessas imperfeições temos várias situações como o monopsónio, o papel dos sindicatos, a discriminação, a dificuldade de medir a produtividade, a existência de empresas ineficientes, imobilizações geográficas ou ocupacionais e má informação.
Assim, o aumento de emprego não é, nem pode ser o resultado do mero funcionamento do mercado, embora, por outro lado, sem um mercado a funcionar e uma economia dinâmica não haverá uma diminuição do desemprego, por muito esforço que o Estado faça.
Há assim um equilíbrio entre Estado e empresas privadas que deve ser alcançado na promoção de trabalho para todos.
Um plano para combater o desemprego, sobretudo atendendo aos números acentuados existentes em Angola, tem de ser um plano compreensivo contendo vários aspectos de colaboração entre Estado e sector privado. Acreditando que só uma economia em crescimento propulsionada por empresas competitivas será o garante de emprego, a verdade é que o Estado tem de ter um papel essencial, vital mesmo, na promoção do emprego.
Um estudo do CEDESA, pulicado em 2020, apresentava um plano assente em três vectores, nos quais o Estado teria sempre um papel relevante, embora diferenciado:
«O primeiro plano é da reforma do próprio Estado. A velha máquina pesada deve ser desmontada e recalibrada, criando-se um Estado ágil, terminando com as acumulações de salários que se sucedem e com os funcionários fantasmas. O término destes abusos permitirá admitir uma série nova de jovens que renovarão os quadros do Estado com novas perspectivas. De facto, a resolução do problema do desemprego começa pela reforma/reestruturação do próprio Estado e a admissão de quadros não contaminados pelos vícios do passado. É necessário um programa de reforma e contratação de jovens no Estado.
«O segundo plano é de características puramente Keynesianas. Como se sabe John Keynes foi o economista inglês que nos anos 1930 salvou o capitalismo da derrocada, ao explicar que em certas circunstâncias, tecnicamente chamadas de equilíbrio em subemprego, era necessário um empurrão do Estado para resolver aquilo que o mercado não estava a conseguir solucionar. É evidente que esse empurrão é necessário aqui e agora em Angola. Keynes até defendia que em último caso se poderia contratar pessoas para abrir e tapar buracos de seguida. Em Angola não é necessário tal, uma vez que já há muitos buracos abertos, basta contratar alguém para os tapar. Em rigor, é necessário um programa de obras públicas, construção de infra-estruturas e melhoria das condições de vida da população que necessite obrigatoriamente de contratar mão-de-obra nacional.
«Consequentemente, além da reforma do Estado e da contratação de novos quadros é fundamental criar um plano geral de actividades do Estado que necessite de mão-de-obra adicional a ser contratada.
«É no terceiro ponto que entra uma acentuada parceria entre o Estado e o sector privado. O Estado deve fomentar o empreendedorismo, criando condições para surgirem empresários. Na verdade, é no papel do empresário e na sua capacidade de inovação, como assinalou Schumpeter, que reside o fundamental do desenvolvimento económico. Mas para aparecerem empresários é necessário, pelo menos, o acesso ao crédito e um sistema bancário a funcionar, bem como formação profissional dos jovens. Nestes aspectos também o Estado tem um papel a desenvolver.»
Segundo o CEDESA, “as condições para combater o desemprego e fomentar o empresariado são as três que acabámos de expor e que exigem muito mais do Governo do que aquilo que está a ser afirmado”.
Ou seja: «a principal objecção que se poderá colocar em relação a este Plano é a do financiamento. Onde irá buscar o Estado meios para fazer face à despesa que um plano destes implicaria?
«A resposta não é fácil, mas existe. E também aqui deve ser dividida pelos três pontos apresentados.
«Em relação ao primeiro ponto, socorremo-nos do anúncio do Ministério das Finanças, segundo o qual, até final de Junho de 2019, vários gestores públicos tinham cometido mais de 1.600 irregularidades na execução de despesa pública, entre as quais se encontram falta de comprovativo de despesas (facturas), contratos irregulares e funcionários fantasmas, contratos consigo mesmo e subsídio de deslocações irregulares. O montante apurado de despesa irregular é de 236 mil milhões de Kwanzas, cerca de 9% do Orçamento dos órgãos verificados. Ora, facilmente se depreende que a batalha contra estas irregularidades poderá trazer poupanças acentuadas que poderão ser canalizadas para a contratação de novos funcionários. Trata-se, pois, de eliminar o desperdício e o desvio de fundos no Estado e aplicar parte das poupanças na contratação de novos quadros jovens e qualificados para o Estado.
«O segundo ponto do plano, aquele que prevê um programa de obas públicas e tarefas vocacionadas para a construção de infra-estruturas e melhoria das condições de vida da população deveria ter uma fonte clara de financiamento sob a forma de constituição de um Fundo de Desenvolvimento do Emprego que chamaríamos simplificadamente, por causa da origem dos montantes, “Fundo dos Marimbondos”. Tendo em conta que muitos daqueles antigos dirigentes e/ou familiares que se encontram debaixo de inquérito judicial ou temem poder vir a estar já manifestaram disponibilidade para devolver alguns dos activos ou criar Fundos a favor do país, uma boa oportunidade seria criar um Fundo autónomo que recebesse esses activos e os transformasse em investimento para erguer programas de investimento para promover o emprego. Assim, dinheiro retirado no passado da economia retornaria a esta para fomentar trabalho para as novas gerações.
«Finalmente, em relação ao terceiro ponto haveria que através da persuasão moral do Governador do Banco Nacional de Angola (BNA) que convencer os bancos a emprestar às empresas, sobretudo, pequenas e médias em vez de colocar a sua liquidez apenas em títulos da dívida pública. O multiplicador monetário é uma das formas mais céleres de colocar dinheiro na economia e cada ciclo de desenvolvimento começa por ser um ciclo de abertura de crédito. Ora é esse novo ciclo de abertura de crédito que é fundamental. Tem de se inverter a tendência da banca em apenas favorecer o financiamento aos governos e a grandes empresas, passando a conceder empréstimos a empresas e empresários.»