MERENDAR CONTINUA A SER UMA UTOPIA

O Governo angolano, do MPLA há 48 anos, está a aplicar, este ano lectivo, 36 mil milhões kwanzas para a merenda escolar, de modo a – diz a propaganda do general João Lourenço (Presidente do reino, Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo) – maximizar o aproveitamento escolar no ensino primário. A tese propagandística é da ministra da Acção Social, Família e Promoção da Mulher, Ana Paula do Sacramento Neto.

Sem a mínima referência às mais de cinco milhões de crianças (angolanas) que estão fora do sistema de ensino, o Governo diz que oito milhões 933 mil e 125 alunos do ensino geral e universitário estão a frequentar o ano lectivo e académico 2023/24, nos subsistemas geral e universitário no país. Um milhões 560 mil e 308 são crianças que ingressaram pela primeira vez no sistema de ensino.

Falando no programa Grande Entrevista da televisão privada do MPLA (TPA), a governante disse que esta acção faz parte do Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza.

Porém, a ministra reconheceu ser ainda insuficiente o valor disponibilizado para a merenda escolar, pelo que apelou às empresas, no âmbito da responsabilidade social, que façam o que deveria ser feito pelo governo, ou seja, aderir ao programa nas áreas onde desenvolvem a sua actividade. É que o MPLA tem de estar mais preocupado em… roubar.

A governante referiu que o país começou a executar as necessidades aliadas à merenda escolar com as verbas do Orçamento Geral do Estado (OGE), mas “ainda há muito pela frente, pois o valor disponibilizado não é suficiente”. A ministra reconhece assim, certamente por descuido, que as prioridades do governos estão mais viradas para a repressão do que para a educação, do que para a alimentação, do que para o respeito pelos direitos humanos.

A ministra Ana Paula do Sacramento Neto referiu que existem boas iniciativas de jovens que estão a trabalhar nesse quesito, bem como algumas mulheres que se juntaram e confeccionam merendas escolares para as escolas, tornando-as mais nutritivas e menos dispendiosas.

“Reconhecemos que a situação económica não é boa e que há muitas famílias em situação de vulnerabilidade, entretanto, há cenários de crianças que são exactamente pobres, mas também crianças que simplesmente saem de casa para aproveitar os bens que de lá vem, ai requer toda a corrente de solidariedade para colmatar tais questões”, disse Ana Paula do Sacramento Neto num devaneio filosófico.

Durante a entrevista, Ana Paula do Sacramento Neto referiu-se ao Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza, detalhando que é implementado nos municípios, que têm a incumbência de identificar, planificar e determinar as acções a serem executadas com base em critérios identificados, tendo em conta as verbas disponibilizadas pelo Ministério das Finanças.

Para tal, prosseguiu, estão disponíveis 300 mil milhões kwanzas para programas directos que devem ser executados com base no decreto 140, que estabelece as balizas para o qual o município deve realizar as suas actividades. Este programa abarca cinco eixos, 11 domínios de intervenção e 186 acções.

As 186 acções estabelecidas, disse, dão margem para que o administrador municipal construa escolas (debaixo das árvores), postos médicos, pontecos, melhorar as vias de acesso para o escoamento dos produtos, tratar da acessibilidade e dos meios de compensação para as pessoas com deficiência, agricultura familiar e outras.

Esclareceu ainda que, apesar das verbas serem insuficientes tendo em conta o índice populacional e os municípios que não arrecadam receitas, “o mais importante é racionalizar os recursos e fazer muito com pouco”.

MAMÃ, EU SÓ QUERO… MERENDAR!

O problema da pobreza extrema em Angola “vai além da realidade estatística” apresentada pelas autoridades, sobretudo para os que vivem em áreas recônditas, revelou há um ano um estudo sobre a execução do programa governamental de combate à pobreza.

O estudo elaborado e apresentado em 4 de Outubro de 2022, em Luanda, pela Associação de Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA), analisou a execução do Programa de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza (Pidlcp) nos municípios de Cacuso, província de Malanje, do Bailundo, província do Huambo, e da Ganda, província de Benguela.

A pesquisa concluiu que “o problema da pobreza extrema é ainda mais forte” do que se imagina (do que alguns imaginam), “uma vez que vai além da realidade estatística frequentemente apresentada pelo INE [Instituto Nacional de Estatística]”.

“Os angolanos, em particular os que vivem em áreas mais recônditas, sentem a pobreza e sentem-na numa proporção asfixiante”, refere-se no estudo.

De acordo com o documento, os inquiridos consideram preocupante a intensidade da pobreza. “Mais de metade diz que o Pidlcp não impactou a sua vida e não resolveu a situação mais urgente das comunidades, que são a fome, saúde, energia, água, mobilidade e educação”, adianta-se no estudo.

O inquérito conclui que o Pidlcp “foi ineficaz na promoção da educação e também na melhoria da qualidade dos serviços de saúde”, recomendando o aumento da verba para a merenda escolar e distribuição regular para dirimir o problema da desistência escolar.

Relativamente à saúde, a recomendação vai no sentido de se construir um hospital de médio porte em cada comuna, com acesso a ambulância e uma logística que supra as necessidades dos cidadãos.

No que toca à fome (que, segundo o actual presidente – não eleito – João Lourenço ou não existe ou é relativa) e aos níveis de desnutrição crónica registados, devido à depressão da actividade agrícola, tendo como efeitos o êxodo rural das famílias à procura de outras áreas agricultáveis, os inquiridos pretendem que o Governo invista na agricultura e os ajude a cultivar. A fazer fé nos exemplos dos últimos 48 anos, a ajuda do MPLA não é por aí além pois recomenda que, por exemplo, as couves sejam plantadas com a raiz para cima…

Em declarações à imprensa, à margem da apresentação do estudo, o director da Unidade de Projectos e Desenvolvimento da ADRA, organização que realizou o estudo no âmbito da implementação do seu plano estratégico 2018-2022, de monitorização às contas públicas, referiu que a pesquisa teve como objectivo central analisar “até que ponto é que este programa está a contribuir para a erradicação da pobreza nas zonas rurais”.

“O que nós constatamos é o seguinte: o programa ainda tem enormes desafios. As comunidades, na sua maioria, dos 187 inqueridos, dizem que o programa não resolveu os problemas concretos que concorrem na sua maioria para a qualidade de vida”, realçou Abílio Sanjaia.

Segundo o representante da ADRA, as comunidades apresentaram como principais preocupações a melhoria de serviços básicos, tendo-se constatado que o programa “contribuiu muito pouco para atender às necessidades que eles colocaram”.

O responsável destacou também a necessidade de se assegurar o envolvimento das comunidades em todas as fases do planeamento das acções, todavia, “o que se constatou é que ainda é um desafio”.

Abílio Sanjaia realçou que uma directiva do Governo, com o apoio técnico do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), obriga que as administrações municipais consultem as comunidades para a elaboração orçamental, acção que conta igualmente com o apoio de organizações da sociedade civil.

“A ADRA foi uma delas, desencadeámos esse processo, ajudámos metodologicamente à recolha das principais prioridades em cada comuna, em sede da elaboração do orçamento, pensamos que este é o caminho, porque os municípios recebem mensalmente 25 milhões de kwanzas (53.376 euros), que anualmente totaliza os 300 milhões de kwanzas (640.521 euros). As necessidades são ilimitadas, mas os recursos são limitados, então é importante que este dinheiro que é disponibilizado responda, atenda, às principais prioridades das comunidades”, vincou.

Numa altura em que até um relatório do Ministério da Saúde indicava que duas crianças morriam por hora devido à fome, aumentando paralelamente o número de pobres que, antes da pandemia de Covid-19, eram 20 milhões, o Governo do MPLA mantém-se firme e continua impávido perante o sério o risco de Angola se transformar num não-país.

Na mesma altura em que organizações da sociedade civil angolana consideram que o aumento de mortes de crianças por desnutrição (fome em bom português) no país deve-se à falta de políticas sociais sustentáveis e ao desprezo a que estão votadas as associações que trabalham com as comunidades mais empobrecidas, é altura de transformar em património nacional todas essas características.

Um relatório da Direcção Nacional de Saúde Pública (DNSP) sobre a desnutrição no país revelou que, em média, duas crianças com menos de cinco anos morrem em Angola a cada hora devido à fome. Certamente, como parece ser o desígnio nacional do MPLA (o único partido que governa o país há 48 anos), essas crianças faziam parte do colossal conjunto de angolanos que estariam a tentar aprender a viver sem… comer.

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