FALTA DESCOLONIZAR CABINDA

Angola reafirmou, na sede da ONU, em Nova Iorque, o compromisso com a eliminação total do colonialismo em todas as suas formas e manifestações. Como no caso angolano, em 1975, apenas se assistiu à mudança de colonialistas (saiu Portugal e entrou o MPLA), será que vamos assistir à eliminação dos colonialistas que estão no Poder há 48 anos?

Por Orlando Castro

Intervindo no debate geral da Quarta Comissão sobre a Situação Relativa à Implementação da Declaração de Independência aos Países e Povos Coloniais, o Representante Permanente Adjunto da Missão de Angola junto da ONU, Mateus Luemba, enfatizou a necessidade de aplicação duradoura das obrigações da Carta das Nações Unidas e dos princípios do direito internacional relativos aos Territórios Não Autónomos.

O diplomata lembrou que após 78 anos da criação das Nações Unidas, continua-se a lutar com questões de descolonização, assinalando que até à data existem 17 Territórios Não Autónomos. Terá contado com Cabinda?

Mateus Luemba realçou que a implementação da Agenda 2030 deve ser inclusiva e de natureza global, para que todos possam beneficiar dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. “Infelizmente, as pessoas nos Territórios Não Autónomos estão a ser deixadas para trás na implementação dos ODS”, observou.

Em relação ao Saara Ocidental, sublinhou que a resolução exige a implementação urgente e incondicional de todas as resoluções da Assembleia Geral da ONU e do Conselho de Segurança, bem como das decisões relevantes da União Africana para alcançar uma solução duradoura, pacífica e política.

Na sua intervenção, o embaixador Mateus Luemba encorajou uma cooperação mais estreita entre o Enviado Especial do Secretário-Geral da ONU para o Saara Ocidental, Staffan de Mistura, e o Alto Representante da UA para o Saara Ocidental e antigo Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, para melhorar a interacção com todas as partes interessadas, incluindo o Conselho de Segurança da ONU.

Reiterou, de igual modo, o apelo a todas as partes envolvidas na Questão das Ilhas Malvinas para que retomem as negociações bilaterais de acordo com os princípios e os objectivos da Carta das Nações Unidas e das resoluções relevantes da Assembleia Geral para alcançar, o mais rapidamente possível, uma solução pacífica e duradoura relativamente à soberania daquelas Ilhas.

Quanto à Palestina, afirmou que Angola saúda todas as iniciativas para uma solução abrangente e pacífica no Médio Oriente, que apelam à implementação de soluções de dois Estados, com Israel e a Palestina vivendo lado a lado em paz e segurança.

Existem, actualmente, 18 Territórios Não Autónomos, nomeadamente: Samoa Americana, Anguilla, Bermudas, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Cayman, Ilhas Malvinas, Polinésia Francesa, Gibraltar, Guam, Montserrat, Nova Caledônia, Pitcairn, Santa Helena, Toquelau, Ilhas Turks e Caicos, Ilhas Virgens Americanas, Saara Ocidental e Cabinda

CABINDA É ESPINHA NA GARGANTA DO MPLA

A situação de Cabinda relativamente a Angola era na altura da Revolução de 1974 em Portugal, similar, ou até coincidente, com a dos protectorados belgas do Ruanda e do Burundi em relação ao Congo Belga. Estes tornaram-se independentes.

Em 1961, altura em que se inicia a luta armada pela independência de Angola, em Cabinda – ou melhor, tendo cabindas como protagonistas – existia apenas um movimento independentista que, contudo, excluía a luta armada como meio para atingir esse fim. O diálogo com Portugal era a sua única arma.

Em 1958 foi fundada por destacados elementos da comunidade cabinda radicada em Leopoldville a AREC (Association dês Ressortissants de l’Enclave de Cabinda, (Associação dos Originários do Enclave de Cabinda).

Eram figuras destacadas da AREC, Luís Ranque Franque (Presidente), João Francisco Quintão, José Cândido Ramos, João Púcuta, José Puna e Telo Geraldo, quase todos descendentes directos dos nobres líderes de Cabinda que subscreveram o Tratado de Simulambuco. Por isso, do ponto de vista político sempre afirmaram que Cabinda era um protectorado de Portugal, negando qualquer envolvimento activo, ou apenas simpatia, pelos movimentos angolanos que lançaram a luta armada pela independência… de Angola.

Antes do início das hostilidades armadas em Angola, ou seja, a 12 de Agosto de 1960, a AREC escreveu ao Presidente do Conselho de Portugal e ao Ministro do Ultramar, pedindo a independência de Cabinda.

Segundo um documento intitulado “O que quer a AREC”, a organização dizia que era chegada a altura de acabar com o protectorado consignado no Tratado de Simulambuco e assim chegar à independência de Cabinda.

Ainda em 1960, Novembro, um comunicado da AREC dizia que nada tinha a ver com organizações angolanas como a UPA, a ALIAZO, a NGWIZACO e o MPLA. Certamente porque Portugal se mantinha indiferente à sua existência, a organização liderada por Luís Ranque Franque, começou a fazer elucidativos apelos à rebelião contra os portugueses.

A 20 de Dezembro de 1960, a AREC faz circular em Cabinda um manifesto anti-europeu onde, pela primeira vez, aparece também o nome do MLEC – Movimento de Libertação do Enclave de Cabinda que, poucos dias depois, endereça um memorando a diversas entidades oficiais de Portugal reclamando a independência e dando, mais uma vez, como terminado o acordo de protectorado.

Numa tentativa desesperada e inconsequente para ser reconhecido, o MLEC aproveita o dia 1 de Fevereiro de 1961 (comemorações do Tratado Simulambuco) para lançar o boato de que a comida à venda em Cabinda estava envenenada.

No dia 23 de Março de 1961, logo após os primeiros actos armados da UPA em Angola, as autoridades portuguesas prenderem em Cabinda alguns dirigentes do movimento, entre os quais o barão Puna, tendo apreendido grandes quantidades de propaganda anti-Portugal.

A acção de Portugal foi aproveitada pelo MLEC que, a 11 de Abril de 1961, paga a publicação de um comunicado no “Courrier d’Afrique” onde fala do que chama “os massacres de Cabinda”. Dado o exagero e manifesta falsidade da afirmação, a população de Cabinda teve uma reacção contrária, obrigando o MLEC a corrigir a pontaria.

A 5 de Setembro de 1961, o MLEC regressa aparentemente à via pacifista e Henriques Tiago N’Zita assina um documento de análises às modificações implementadas por Lisboa em Cabinda, considerando-as insuficientes no âmbito do protectorado.

Pouco depois, a 15 de Novembro, o MLEC começa a revelar desentendimentos internos, aparecendo versões para todos os gostos e feitios, desde a independência ao protectorado, passando por uma consulta popular e até pela anexação a qualquer um dos Congos, tudo surgia nessa altura como sendo obra do MLEC. No entanto, não se registava nenhuma posição favorável à anexação, ou simples ligação, a Angola.

A 24 de Novembro, o MLEC remeteu o que chamou de “Plano-Quadro do MLEC” ao embaixador de Portugal no Congo ex-Belga, com o pedido expresso que o encaminhasse para o governo de Lisboa. Desse plano ressalta sobretudo uma declaração de amizade em relação a Portugal, a defesa do pacifismo e o pedido para ser recebido e reconhecido pelas autoridades portuguesas.

Um mês depois Henriques Tiago N’Zita é expulso do Movimento, facto que o leva a responder com a criação de uma outra estrutura política.

Já em Maio de 1962, o MLEC distancia-se de tudo o que se passa em Angola, afirmando mesmo que o GRAE – Governo Revolucionário de Angola no Exílio era algo que nada dizia aos cabindas.

Entretanto, N’Zita fundou a CAUNC (Comissão de Acção da União Nacional dos Cabindas). A 13 de Janeiro de 1962 N’Zita garante que a sua organização visava unir a família cabinda e juntá-la a outra família, a do Congo. Reafirmando que Cabinda nada tinha a ver com Angola, exige o fim dos tratados assinados com Portugal.

Perante a encruzilhada a que chegara a situação destes movimentos ou organizações, só em 8 de Julho de 1963 a CAUNC e o MLEC chegam a um entendimento, tão precário na sua génese que ainda hoje ninguém se entende, para criar a FLEC (Frente de Libertação do Enclave de Cabinda).

A UPA, a primeira organização a abrir as hostilidades armadas em Angola contra a soberania portuguesa, liderada por Holden Roberto, nunca teve bases, nem mesmo temporárias, em Cabinda. A partir do ex-Congo Belga, depois Zaire e hoje República Democrática do Congo, então liderada por Mobuto Sesse Seko, fazia algumas incursões no território, muitas delas visando mais as populações indefesas do que qualquer dispositivo militar.

E foi nesta estratégia da UPA que em 12 de Abril de 1961 se registaram diversos ataques contra patrulhas militares. Temendo ser envolvidos, como foram de facto, numa guerra que não era a sua, os cabindas começaram a ser alvo quer dos rebeldes angolanos quer das forças portuguesas, optando muitos por tentar sobreviver nos Congos.

Aproveitando as condições naturais das florestas do Maiombe, a UPA ainda tentou criar ali uma estrutura militar. No entanto, o resultado prático foi mais o sacrifício dos cabindas do que qualquer arranhão nos portugueses.

Em Cabinda, para além de a população não se meter por regra numa guerra entre angolanos e portugueses, registou-se também a visão estratégica militar e social de Soares Carneiro, então capitão do Exército português.

A desilusão com Portugal, sobretudo a partir de 1974, pode ser resumida na afirmação de Agostinho Chicaia, presidente da entretanto extinta Mpalabanda, Associação Cívica de Cabinda: «Não vamos mais contar com Portugal. O Governo português tem interesses muito fortes em Cabinda, particularmente em Angola, e vai ser difícil pronunciar-se sobre uma eventual solução a favor do povo de Cabinda, porque o lado económico sempre fala mais alto».

Foto: O representante Permanente Adjunto da Missão de Angola junto da ONU, Mateus Luemba, e o mapa de Cabinda

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