DE JOEL A EXALGINA, O MPLA IGUAL A SI PRÓPRIO!

O presidente da Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), Serra Bango, disse hoje, em Luanda, que acompanha com preocupação a situação que se verifica no sistema judiciário angolano, sobretudo a nível do topo, o que “não é novo e não é novidade”. É verdade. Tal como na Coreia do Norte.

Diz Serra Bango que “na verdade, isto para nós não é novo e não é novidade, a única coisa que aconteceu é que tratou por se manifestar, provavelmente porque os actores agora são outros e há maior escrutínio também dos cidadãos, maior abertura das pessoas, de acesso à documentação”.

O responsável, que comentava a crise que o sistema judiciário angolano vem enfrentando nos últimos tempos, sublinhou que toda a situação foi conhecida “porque foram vazados para a hasta pública, por via das redes sociais, documentos que comprometem e comprovam eventual envolvimento destas entidades em processos poucos claros e transparentes”.

O activista referia-se a notícias que nos últimos dias têm sido divulgadas, nomeadamente aqui no Folha 8, sobre o envolvimento dos juízes presidentes do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, e do Tribunal de Contas, Exalgina Gambôa, em casos de corrupção, peculato, entre outros.

“Isto não significa que os outros não o tenham feito. Provavelmente teriam feito, mas o acesso à documentação e a publicação dessa documentação é que não era fácil como é agora, primeiro, e também porque a consciência do cidadão para a denúncia dos actos de improbidade ou de actos pouco lícitos que envolvam agentes públicos, não era tão elevada como está a ser agora”, frisou.

Segundo Serra Bango, “isto não é um facto isolado”, abrange também outros agentes a nível do sistema judicial “do topo à base”.

“Sempre dissemos, há mais de 20 anos, que o sistema de justiça no jogo dos três poderes é o mais fraco, o mais fragilizado e aquele que é facilmente condicionado pelo poder executivo”, referiu, realçando que “a nomeação e a indicação destes servidores, para o topo da hierarquia da magistratura obedece ao critério da confiança estrita do titular do poder executivo e do próprio partido [no poder]”.

Para o presidente da AJPD, um excesso de confiança poderá ter originado toda a situação que se verifica com estes servidores da justiça, em detrimento do discurso sobre o suposto combate à corrupção que o Presidente angolano vem dizendo que defende.

“Somos pessoas de confiança do titular do poder executivo, vamos fazer aquilo à semelhança do que os outros também fizeram, primeiro. Segundo a apetência pelo enriquecimento ilícito e imediato, que é o que acontece”, disse.

“Porque não se justifica, que com as condições de trabalho e as regalias que estes venerando juízes têm, não justifica este tipo de comportamento. Aqui há também a falta do cumprimento de um certo distanciamento dos juízes em relação aos negócios”, reforçou.

O presidente da AJPD recordou que o anterior juiz presidente do Tribunal Supremo, Rui Ferreira, também foi forçado a demitir-se em circunstâncias semelhantes a estas, “envolvimento em negócios”.

“É preciso que se conclua o inquérito que deve ser feito, instaurada uma investigação imparcial e neutra e se obtenha os resultados e por via dos resultados se determine a responsabilidade, que é um outro elemento que nos tem faltado cá, a responsabilização dos agentes públicos, que não se faça já o julgamento na praça pública”, frisou.

Sobre o que poderá acontecer a estes dois servidores públicos, Serra Bango aponta para dois cenários possíveis: “eles mantêm-se em silêncio e depois encontram para eles um sítio, uma embaixada, por exemplo, ou voltam para a actividade política”, no caso de Exalgina Gambôa, que não é da carreira da justiça.

“Ou ainda o Titular do Poder Executivo, vendo que a sua popularidade está em baixa no combate à corrupção, venha a usar este facto como bode expiatório e sacrificar esses dois agentes, para acostá-los num processo de combate à corrupção e mostrar que o combate à corrupção é para continuar”, considerou. Para continuar ou, talvez melhor dito, para ultrapassar o clã (“lato sensu”) de antigo mentor de João Lourenço, o ex-presidente José Eduardo dos Santos.

Questionado sobre se terá contribuído para a situação actual o decreto presidencial que torna a justiça parte interessada nos casos que julga, respondeu que “provavelmente”, tendo em conta que o documento “choca contra a idoneidade, a transparência, o espírito de isenção que os juízes devem ter”.

“Aquilo depois viria a redundar que os juízes seriam estimulados a determinar que processos seriam julgados em função das benesses que haveriam de usufruir”, disse Serra Bango sobre o decreto presidencial n.º 69/21, que estabelece que a Procuradoria-Geral da República e os tribunais passam a ficar, no âmbito do combate à corrupção, com 10% do valor líquido de cada activo financeiro e não financeiro recuperado a favor do Estado.

O activista defendeu para o sector da justiça um sistema de justiça forte, independente e autónomo, para determinar o seu orçamento, gerir os seus fundos, sendo fundamental que se criem condições de trabalho para todos os operadores de justiça.

“Sabemos que juízes para poderem abrir uma audiência têm que comprar papel, tinteiro, e algumas vezes têm de ser eles a abastecer o gerador para que tenham energia na sala, comprar ventoinha, etc., esta é a principal preocupação”, disse.

Justiça procura-se há muitos, muitos anos

Por uma questão de memória, recorde-se (entre muitos outros exemplos) que os deputados angolanos das bancadas da oposição que o MPLA ainda permite defenderam no dia 14 de Janeiro de 2021 que a justiça tinha de estar acima dos partidos e dos interesses particulares dos juízes, para que os tribunais merecessem a confiança dos cidadãos, admitindo que eram necessárias reformas.

Nesse dia o Folha 8 escreveu que quando, e se, isso acontecer será o fim do MPLA porque Angola passará a ser o que ainda não é: um Estado de Direito Democrático.

A Assembleia Nacional realizou nesse dia a primeira sessão plenária de 2021, debatendo quatro diplomas relacionados com o sector da justiça, relativos ao funcionamento do tribunal constitucional, lei do processo constitucional, normas do Código do Processo Civil e Penal e relativas às custas judiciais.

Antes da apreciação dos diplomas, os deputados apresentam as suas declarações políticas focando as debilidades da justiça que, como se sabe, não é de Angola mas – isso som – do partido que há 47 anos é dono do país.

Na sua declaração política, que começou dirigindo-se a “todos os jovens que são julgados injustamente por exercer os seus direitos”, num dia em que o debate se centrava na área da Justiça, a vice-presidente da UNITA, Mihaela Webba, assinalou que o funcionamento das instituições não pode ser prejudicado por interesses político-partidários.

Poder… pode. Basta ver o que se passa. Não deve. Mas por alguma razão o partido de João Lourenço diz que o MPLA é Angola e que Angola é (d)o MPLA, anotou o Folha 8.

“Temos de colocar o superior interesse dos angolanos acima dos interesses dos nossos partidos políticos”, frisou a parlamentar do maior partido da oposição (que o MPLA ainda permite), apontando um retrocesso do Estado de Direito nos últimos 12 meses, “com repressões dos direitos constitucionais dos angolanos, nomeadamente, o direito à vida, à integridade física, à habitação, à manifestação e à liberdade de expressão”.

Neste aspecto refira-se a existência de um conflito estrutural sobre quem é, não tanto de facto mas sobretudo de jure, considerado Angolano. E como todos sabemos, para ser angolano de pleno direito é preciso ter nascido no… MPLA, escrevemos nós.

Sobre a aprovação dos dois diplomas relacionados com o Tribunal Constitucional, lamentou a degradação da imagem dos tribunais superiores, particularmente do Tribunal Supremo e do Tribunal Constitucional “por causa dos interesses particulares dos juízes conselheiros na Comissão Nacional Eleitoral, ao ponto de o presidente do Tribunal Supremo ter prestado falsas declarações a este Parlamento, para permitir a tomada de posse do Dr. Manuel Pereira da Silva” (“Manico”), que a UNITA sempre rejeitou.

“Os angolanos não podem permitir que se use o Estado partidário sem limites na competição política por intermédio do poder judicial e do sistema bancário e por via deste comportamento não termos a garantia de eleições livres, justas, transparentes e credíveis”, criticou a deputada da UNITA.

Para Mihaela Webba, os jovens encaram a classe política com desconfiança “porque não existe no país uma agenda de consenso que permita uma reforma verdadeira do Estado e das instituições”, que não promovem a justiça e a reconciliação nacional, considerou.

“Essa Angola de direitos, liberdades e garantias e direitos económicos, sociais e culturais para todos os seus filhos, que é vontade da larga maioria dos cidadãos angolanos, só será possível se as instituições da justiça, forem justas; se a Comissão Nacional Eleitoral e o Tribunal Constitucional enquanto órgãos organizadores das eleições cumprirem com o que está estabelecido na Constituição e na lei, e não subvertam a Justiça e o Direito”, reivindicou.

Na mesma altura o presidente da CASA-CE (Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral), Alexandre Sebastião André, fez um balanço negativo do ano anterior e criticou os que “criaram fortunas” (recorde-se que o MPLA é o partido que mais milionários tem por metro quadrado) em detrimento dos demais cidadãos angolanos.

Sobre os diplomas em discussão, considerou importante adequar os instrumentos jurídicos às novas realidades, mas mostrou-se contra a inserção de normas que “ferem o direito da Constituição”, como a faculdade de juízes serem advogados em causas próprias, de parentes e de famílias directos.

O Folha 8 acrescentou que ser juiz em causa própria está na matriz do MPLA, tal como está a que remonta a Agostinho Neto em que se determinou não perder tempo com julgamentos (caso 27 de Maio de 1977).

O presidente da FNLA, Lucas Ngonda, saudou a pertinência de o executivo trazer os dois diplomas à assembleia, sublinhando “as fraquezas sobre o funcionamento do sistema de justiça” em Angola e destacou que as decisões do Tribunal Constitucional podem “ser uma fonte de desequilíbrio da harmonia social” do sistema social.

O deputado afirmou que as instituições de Justiça devem inspirar a confiança dos cidadãos e que estes se devem rever nas suas decisões.

“As disputas que verificamos entre o Tribunal Constitucional e outras entidades que solicitam a sua intervenção para dirimir conflitos ou conformar situações não enobrece a missão nobre dos nossos tribunais, como instâncias que devem representar a imagem de Angola”, acrescentou.

O deputado Benedito Daniel, presidente do Partido de Renovação Social (PRS), sustentou que as leis actuais relativas à orgânica do Tribunal Constitucional e do Processo Constitucional, já não respondem cabalmente à jurisdição constitucional actual, sendo necessário fazer um ajustamento da organização e funcionamento do tribunal de forma a torná-lo mais eficaz e funcional.

Benedito Daniel notou, por outro lado, que embora a Constituição angolana preveja o acesso de todos os cidadãos à Justiça, nem todos conseguem aceder aos tribunais, por falta de meios para pagar custas processuais e advogados, defendendo que as taxas e os preços a pagar não devem ser tão elevados.

Por sua vez o presidente do grupo parlamentar do MPLA (partido que comprou o país em 1975 e que desde então exerce o poder como partido único), Américo Cuononoca, frisou que as reformas “visam atingir o bem estar dos angolanos, por via de uma justiça célere, actuante e que preserve a dignidade da pessoa humana”. E frisou bem já que se limitou a reproduzir as ordens superiores do seu actual Presidente.

Sobre as custas judiciais, considerou que a Justiça deve contribuir para as receitas fiscais, garantindo assim mais recursos para o Estado, havendo actualização das taxas, isenção ou adequação conforme as situações.

Quanto ao resto, Américo Cuononoca manteve a “leitura” do recado que recebeu, conhecida que é a sua formação em ventriloquia. E quem dá o que tem a mais não deve ser obrigado. Já basta “vê-lo” a descalçar-se quando tem de contar até 12…

Folha 8 com Lusa

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