DA FLORESTA À MÁFIA DA MADEIRA

A comuna do Cuíma, município da Caála, província do Huambo, perdeu, em três anos, um total de 45 por cento de área florestal em consequência da exploração massiva de madeira. No entanto, recorde-se, na sua tomada de posse, João Lourenço prometeu defender tudo e todos, incluindo macacos e chimpanzés…

A devastação do perímetro florestal do Cuíma, criado na era colonial, com 18 mil hectares, foi desproporcional aos programas de reposição das árvores de cedro, eucalipto e pinheiro.

O director da Agricultura e Pescas no município da Caála, Avelino Alfredo, que falava à ANGOP, disse que a exploração do polígono florestal consta do projecto de fomento económico sustentado, com foco no melhoramento das condições de vida da população e, ao mesmo tempo, contribuir para a redução das importações.

Para o efeito, foram licenciadas pelas autoridades governamentais as empresas “Estrelas da Floresta” e “Mbundi Limitada”, na perspectiva de poderem repovoar o perímetro e, com isso, garantir a preservação da biodiversidade.

Avelino Alfredo disse que a empresa Estrela da Floresta conseguiu repovoar 530 hectares com espécies de cedro, eucalipto e pinheiro, enquanto a “Mbundi Limitada” atingiu 50 hectares de área, com a plantação de eucalipto.

De igual modo, a empresa pública florestal de madeiras de Angola (Madang) deu início a um estudo sobre o estado actual do polígono florestal do Cuíma, para definir as políticas administrativas e as boas práticas de sustentabilidade dos perímetros, com foco na exploração racional em defesa do ambiente e da sustentabilidade ecológica.

Avelino Alfredo disse que as autoridades administrativas têm vindo a trabalhar na promoção de campanhas de sensibilização contra as queimadas, construção de residências e do cultivo em perímetros florestais.

Explicou que as campanhas são aproveitadas para a consciencialização da população a conhecer os valores ecológicos e, ao mesmo tempo, a contribuir no combate às queimadas anárquicas e à desflorestação.

A iniciativa, segundo o responsável, visa conservar as zonas verdes e buscar hábitos saudáveis da protecção do ambiente.

O município da Caála, um dos 11 municípios que compõe a província do Huambo, tem uma zona florestal estimada em 25 mil hectares, nomeadamente dos perímetros da Calenga, Cuíma e Tchandenda.

Máfia da madeira. E de quem é a culpa?

Em Setembro de 2021, o então governador da província do Cuando Cubango, Júlio Bessa, disse que há uma máfia na exploração da madeira, que envolve cidadãos nacionais e de origem asiática. É algo de novo? Não. E o que faz o Governo? Para não variar, olha para o lado e diz que está a preparar um regulamento, e assobia para embalar os matumbos.

“De facto está instalada uma máfia na madeira, que está muito ramificada e que passa por nós angolanos e vai terminar em pessoas oriundas da Ásia e não se sente aqui uma vontade de organização”, afirmou o governante.

Em declarações à RNA, Júlio Bessa esclareceu que sempre que as autoridades tomam uma medida algumas “vozes vão se levantando, no sentido de contrariar”.

“Mas o que nós temos dito é que não nos assusta, não estou com receio dessas pessoas, eu tenho sido uma pessoa muito aberta, tenho reunido frequentemente com os parceiros, com a associação dos madeireiros e temos tipo uma abertura total neste sentido”, salientou Júlio Bessa.

O então governador do Cuando Cubango realçou que “as ideias são claras” e tem defendido que à semelhança do sector petrolífero é preciso dar-se concessões.

“Este é o ponto de vista do governo do Cuando Cubango. As empresas petrolíferas concorrem para um bloco, se ganharem estão no bloco 2, 32 ou 34, aqui também tem que ser assim”, acentuou.

Em Setembro de 2018, o Governo anunciou que estava a elaborar um novo regulamento para a exploração de madeira no país, medida que visava pôr – como já dizia… Eduardo dos Santos – termo à “anarquia” reinante, processo que, porém, “ainda vai demorar”.

O director nacional do Instituto de Desenvolvimento Florestal (IDF) do Ministério da Agricultura e Florestas de Angola, Simão Zau, explicou na altura que a ideia é, paralelamente, combater a fraude e a corrupção num sector que está desregulado.

“O novo regulamento define algumas situações novas. Actualmente, Angola vinha a trabalhar num sistema simples, com base no princípio de que, sem licença, não há exploração florestal, mas sem muitas garantias do ponto de vista de conservação da espécie”, face à falta de fiscalização, sublinhou Simão Zau.

Segundo aquele técnico, estavam já a decorrer “estudos de concepção para a exploração florestal” com o objectivo de aplicar princípios de gestão sustentável das florestas junto dos operadores do sector madeireiro no processo de plantação, exploração, transformação, transporte e comercialização.

“Isso é um ganho que vem no regulamento. Vão começar a criar-se as primeiras concessões antes da próxima campanha começar (1 de Maio de 2019). Pelo menos definir. É um processo gradual, porque implantar uma concessão não acontece num dia”, afirmou.

“Há uma série de instrumentos que é necessário ainda resolver, marcar as áreas, fazer o inventário dessas áreas, desenhar os blocos anuais de exploração, etc.”, explicou.

Questionado se o novo regulamento visava terminar com a anarquia reinante e, ao mesmo tempo, combater a fraude e a corrupção, Simão Zau destacou que essa é uma das razões para se disciplinar e racionalizar o sector madeireiro em Angola.

“Isso vai ser combatido, vão ser analisadas as atribuições de licenças. Está definido no novo regulamento quem pode ser autorizado para estabelecer um contrato de concessão com o Ministério da Agricultura e Florestas. Terão de ser empresas com uma certa idoneidade técnica e financeira para poder, sem sobressaltos, trabalhar de acordo com o que está definindo no regulamento”, indicou.

Segundo Simão Zau, há outras questões ambientais que foram incorporadas no regulamento “moderno e actualizado”, que vai “ajudar muito” na gestão da exploração florestal e na fiscalização.

“Neste momento, estamos a criar entrepostos madeireiros em todo o país, por onde toda a madeira terá de passar. Aí vai ser verificada e identificada a origem e o cumprimento de outros parâmetros que têm a ver com a própria árvore, se a espécie é licenciada ou não. Isso tudo vai ajudar a eliminar e combater a fraude e combater também o garimpo”, sublinhou.

Com o novo regulamento, quem tiver direito “vai pagar a concessão por 25 anos ou mais, pelo que vai defender aquilo como se fosse dele”, acrescentou.

Sobre os dados estatísticos, Simão Zau indicou que, em 2017, foram exportados cerca de 54 mil metros cúbicos de madeira serrada, contra os 19 mil da campanha florestal de 2016, permitindo arrecadar 2.000 milhões de kwanzas (6,3 milhões de euros).

Apesar de a campanha ter sido mais curta, tradicionalmente vai de 1 de Maio a 31 de Outubro e a de 2017 apenas começou em Agosto, Simão Zau explicou que o aumento se deveu à existência de madeira de anos anteriores e ao crescimento do parque industrial nacional na transformação de madeira.

Simão Zau referiu que, em 2017, o IDF licenciou 218 mil metros cúbicos, mas não conseguiu atingir a quota anual de 220 mil metros cúbicos.

A campanha de 2018 também começou mais tarde, igualmente em Agosto, devido às medidas tomadas pelo Executivo, de modo a disciplinar a actividade de exploração florestal, relacionadas com a aprovação e publicação do novo regulamento florestal, construção de entrepostos de madeira, definição dos preços de referência e a obrigatoriedade de depósito de divisas em bancos angolanos, para exportação da madeira.

Simão Zau disse que os entrepostos servirão para concentrar a maior parte das actividades de fiscalização, preparação da madeira destinada à exportação, facilitar a actividade dos operadores na tramitação dos processos destinados à exportação, onde estarão todos os serviços que concorrem para autorização do licenciamento, como o IFD, Direcção do Comércio, Administração Geral tributaria (AGT) e Polícia Fiscal.

Sobre as ilegalidades, o técnico do IDF indicou que foram confiscados 13.000 metros cúbicos de madeira durante o período de pausa de exploração florestal, cujo destino será o Estado e que será utilizada para o fabrico de portas, carteiras, janelas e vários mobiliários para apetrechar as escolas e melhorar as condições de trabalho e de acomodação dos docentes e discentes.

E a culpa é de quem?

No dia 9 de Janeiro de 2018, o então secretário de Estado para os Recursos Florestais, André Moda, atribuiu responsabilidade a cidadãos nacionais pela exploração desmedida de madeira por estrangeiros, maioritariamente chineses, aliada ao número insignificante de fiscais para o efeito.

André Moda falava sobre a situação da exploração da madeira em Angola, alvo nos últimos tempos de várias denúncias públicas relativamente a quantidade desse recurso, alegadamente explorado por cidadãos chineses, sobretudo no leste de Angola.

“Infelizmente, estamos a gerir situações como este comportamento de fazer uso ilegal, mesmo a presença dos estrangeiros na posse dos nossos recursos, é devido ao comportamento do próprio cidadão nacional”, disse André Moda, referindo-se à violação da lei para a exploração florestal pelos cidadãos nacionais.

A lei de exploração florestal estabelece que apenas pode ser detentor de uma licença para o efeito, o cidadão nacional ou empresas de direito angolano, sendo proibido o seu trespasse.

Segundo André Moda, para a campanha florestal de 2018 o quadro deveria mudar, devido à execução da nova modalidade para a exploração florestal, que deixará de ser através de licenças para passar a contratos de concessão.

“Neste exercício de 2018 haverá penalizações, essas constatações decorrem do quadro legal antigo, que havia de facto licenças de exploração florestais cedidas a partir das províncias, não era fácil controlar, também devido aos meios humanos e de equipamentos escassos para a fiscalização”, referiu, informando a existência de apenas 326 fiscais para todo o país, auxiliados por órgãos de defesa e segurança nacionais.

Para reforçar a fiscalização, estava em cima da mesa uma proposta de criação de uma polícia florestal para maior controlo das florestas do país, informou ainda André Moda.

Por sua vez, o director nacional para a floresta, Domingos Veloso, disse que a exploração ilegal de madeira por chineses “é um facto”, pelo que vários encontros têm sido realizados com os donos das licenças para sensibilização.

“Os estrangeiros são bem-vindos, sejam chineses, vietnamitas, portugueses, porque eles têm capital, equipamentos, coisas que não temos, mas as parcerias têm regras. Os estrangeiros, por força da Lei florestal, estão impedidos de estar presentes seja nas operações de corte, na transportação, na sua semi-transformação ou na comercialização do produto”, disse, sendo apenas permitido ao parceiro estrangeiro a consultoria, assessoria ou comercialização do produto.

Contudo, a fragilidade na fiscalização da actividade leva a casos pontuais de violação da lei, disse ainda Domingos Veloso.

“Como medida, a licença na posse de um estrangeiro deve ser imediatamente apreendida e o angolano que tiver repassado essa licença deve ser impedido de voltar a beneficiar de uma licença de exploração”, avisou.

Nos novos moldes legais, o Estado esperava para a campanha florestal de 2018 uma diminuição drástica de solicitações, tendo em conta que o regime de contrato de concessão obriga o beneficiário a realizar o repovoamento florestal, a ter uma indústria ao contrário dos requisitos para a emissão de uma licença.

“Já estamos a ver que nem todos que se dedicam a essa actividade tenham essas condições, de maneira que o número de empresas na próxima campanha vai reduzir drasticamente”, disse Domingos Veloso.

Em Julho de 2017, o Governo afirmou que pretendia vender a madeira apreendida durante a campanha florestal de 2016 por práticas ilegais, nomeadamente de abate, uma decisão do Ministério da Agricultura, que já na altura manifestava preocupação com este fenómeno.

Uma decisão do Ministério da Agricultura referia que a madeira apreendida nas províncias do Bié, Benguela, Cuando Cubango, Huambo, Lunda Sul e Moxico, por infracções à Lei de Bases de Florestas e Fauna Selvagem, seria vendida por uma comissão própria, formalmente constituída a 18 de Julho.

A comissão teria de assegurar a “verificação e quantificação em metros cúbicos da madeira apreendida e constituição dos respectivos lotes”, bem como “propor o preço inicial de venda de cada lote de madeira”, podendo “convidar” os “potenciais empresários e operadores florestais” a apresentarem propostas de compra, “incluindo os infractores”.

Em Junho de 2017, as autoridades anunciaram que só no Huambo, no primeiro semestre de 2017, tinham sido apreendidos 178 metros cúbicos de madeira conhecida como “pau-ferro”, protegida por lei e uma das mais caras do mundo, alegadamente provenientes da província do Cuando Cubango, no sul do país.

Angola proibiu, a partir de 2017, a exportação e circulação de madeira em toro pelo país, obrigando à primeira transformação na própria província de abate, como forma de controlar a actividade, agregar valor e potenciar a criação de postos de trabalho na fileira florestal.

Legenda. Ministro de Estado para a Coordenação Económica, Manuel Nunes Júnior, quando visitou o Entreposto de Madeira de Luanda.

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