O projecto de voto do BE a condenar a repressão sobre as manifestações de 17 de Junho, em Angola, foi hoje chumbado pelo PS, PSD e Chega na comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, segundo fonte parlamentar. Tudo bons rapazes. Os tugas de origem angolana que não se esqueçam.
No texto do projecto de voto, o Bloco de Esquerda refere que a polícia (do MPLA) reprimiu uma manifestação em várias cidades angolanas “contra a subida dos preços dos combustíveis, o ataque à venda ambulante e a nova lei sobre as organizações não-governamentais”.
“A polícia reprimiu a manifestação de Luanda e de outras cidades angolanas, tendo inclusivamente detido activistas, entre os quais dirigentes políticos que solidariamente participavam nesta manifestação cívica. O Comando Geral da Polícia Nacional reconheceu a detenção de 32 manifestantes em Luanda e de 55 em Benguela”, indica o projecto de voto.
Para o BE, “estes episódios de repressão não são um caso isolado”. Não são, não.
“Os organizadores das manifestações de 17 de Junho, através de comunicado datado de 19 de Junho, falam em ‘repressão quase generalizada – excepção honrosa para as polícias da Huíla, Kwanza Norte, Kwanza Sul, Malanje, Moxico e Namibe – das manifestações’, argumentam que esta repressão ‘não resultou de atitudes ilegais dos manifestantes, mas da dificuldade das instituições em respeitar o direito dos cidadãos a exprimir opiniões críticas'”.
O Bloco propunha que a Assembleia da República (cuja maioria pertence ao PS, irmão – gémeo – do MPLA na Internacional socialista) manifestasse a sua condenação da repressão sobre as manifestações de 17 de Junho em Angola, mas a iniciativa foi chumbada pelo PS, PSD e Chega. Votaram a favor o BE e a Iniciativa Liberal, tendo o PCP estado ausente.
Como se tornou regra em Angola, também nos prostíbulos políticos portugueses, a palhaçada tomou conta dos areópagos lusitanos, isto sem culpa dos palhaços propriamente ditos.
Já em 2016, foi debatido no Parlamento português um voto de condenação apresentado pelo Bloco de Esquerda sobre a “repressão em Angola” e com um apelo à libertação dos activistas então ainda detidos.
Este voto do BE contou (para além da oposição do PSD, CDS e PCP e abstenção do PS) ainda com o apoio de seis deputados socialistas (Alexandre Quintanilha, Isabel Moreira, Inês de Medeiros, Isabel Santos, Pedro Delgado Alves e Wanda Guimarães), além do representante do PAN (Pessoas Animais e Natureza).
“É preciso travar e dar por finalizado este arrastado processo que visa intimidar, deter e punir aqueles que criticam a governação de José Eduardo dos Santos, que tem tido interferência directa ao longo de todo o processo, dando ordens no sentido de prolongar indefinidamente as audiências”, referia-se no voto da bancada bloquista.
O PCP (irmão gémeo do MPLA) demarcou-se totalmente desta iniciativa do Bloco de Esquerda, apresentando uma declaração de voto na qual se advertia que outras forças políticas “não poderão contar” com os comunistas “para operações de desestabilização de Angola”. E quem diz em Angola diz, por exemplo, na Coreia do Norte.
“Reiterando a defesa e a garantia das liberdades e direitos dos cidadãos, cabe às autoridades judiciais angolanas o tratamento de processos que recaiam no seu âmbito, de acordo com a ordem jurídico-constitucional, não devendo a Assembleia da República interferir sobre o desenrolar dos mesmos, prejudicando as relações de amizade e cooperação entre o povo português e o povo angolano”, lê-se na declaração de voto apresentada pela bancada ortodoxa, marxista, leninista, acéfala e canina do PCP.
Por outro lado, com a abstenção do PSD e do CDS-PP, a Assembleia da República aprovou um voto apresentado pelo Bloco de Esquerda de condenação pela morte de três activistas curdas e feministas Sêvê Demir, Pakize Nayir e Fatma Uyar na sequência de uma operação militar turca.
“A Assembleia da República expressa o seu mais profundo pesar por este triste acontecimento e presta homenagem às vítimas, suas famílias e ao povo curdo e repudia todos os atentados contra a liberdade e os direitos humanos na Turquia, como em qualquer outro país do mundo”, lê-se no voto aprovado pelo Parlamento.
Para além de pôr de joelhos e de mão estendida políticos como José Sócrates, Passos Coelho, Paulo Portas, Jerónimo de Sousa, Cavaco Silva, Rui Rio, António Costa, Luís Montenegro e André Ventura, o MPLA juntou ao bando de vampiros Marcelo de Rebelo de Sousa.
O processo português de bajulação do dono de Angola começou, de facto, há muito tempo. Recorde-se, por exemplo, que o presidente da Assembleia da República de Portugal, Jaime Gama, elogiou no dia 17 de Dezembro de 2007, em Luanda, a política externa angolana e deu os “parabéns” ao país pela “ambição” de um papel cada vez maior no continente africano e no Atlântico Sul.
“Um país com estas capacidades, aliando o seu potencial económico à sua diplomacia criativa e à capacidade militar, tem que ter uma ambição regional. Parabéns Angola por ter uma ambição regional!”, felicitou o socialista Jaime Gama num discurso aplaudido e que, mais coisa menos coisa, poderia ter sido feito por um qualquer deputado da maioria, ou seja do MPLA.
O discurso apologético de Jaime Gama poderia, igualmente, ter sido feito por qualquer um dos actuais palhaços que estão na ribalta dos areópagos políticos, partidários e parlamentares de Portugal. A única excepção é mesmo o Bloco de Esquerda.
Com todo este suporte bajulador, o MPLA continua a encher o peito e a garantir que os angolanos não vão deixar que “os mentirosos, os demagogos e os caluniadores cheguem ao poder”.
“Aqueles que teimam em fomentar agitação, instabilidade e negar o que toda a gente tem diante dos olhos terão a devida resposta nas urnas”, reitera o MPLA. E se não for nas urnas eleitorais será nas urnas funerárias.
Já o mediático sipaio do regime, general Bento dos Santos Kangamba, sobrinho do anterior dono de Angola, disse que “as pessoas são as mesmas, tirando duas figurinhas bonitinhas que estão a aparecer aí no Bloco de Esquerda. Mas as pessoas que foram contra Angola são as mesmas [agora]. Eles acham que Angola até hoje é escravo, que nós somos escravos de Portugal (…) não podemos ser ouvidos e que Portugal é que manda, que Portugal é que diz e que Portugal é que faz. Os portugueses têm que saber que Angola é um Estado soberano”.
Mas, afinal, quem são os mentirosos, demagogos e caluniadores? De uma forma geral são todos aqueles que não alinham com o MPLA. São, por isso, todos aqueles que dizem que em Angola todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos há angolanos que morrem de barriga vazia, que 70% da população passa fome, que 45% das crianças angolanas sofrem de má nutrição crónica, e que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos ou que – como revelou a Transparência Internacional – Angola está entre os seis países considerados mais corruptos, ao nível do Sudão, Afeganistão, Coreia do Norte e Somália.
Alguém ouviu Marcelo Rebelo de Sousa ou António Costa, Luís Montenegro ou André Ventura recordar que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é a mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças?
Alguém ouviu Marcelo Rebelo de Sousa ou António Costa, Luís Montenegro ou André Ventura recordar que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Antes, alguém ouviu algum político português (com excepção dos do Bloco de Esquerda) recordar que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade?
Alguém ouviu Marcelo Rebelo de Sousa ou António Costa, Luís Montenegro ou André Ventura recordar que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém ouviu Marcelo Rebelo de Sousa ou António Costa, Luís Montenegro ou André Ventura dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos?
Alguém ouviu Marcelo Rebelo de Sousa ou António Costa, Luís Montenegro ou André Ventura dizer que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Alguém alguma vez ouviu algum dirigente dos partidos portugueses (fora disto só fica o BE e a IL) dizer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Ninguém ouviu. Dir-se-á, e até é verdade, que esse silêncio é condição “sine qua non” para investir no nosso país, até porque todos sabemos que nenhum negócio se faz sem a devida autorização de sua majestade o rei de Angola, seja ele quem for. Portugal consegue assim não o respeito mas a anuência do regime para as suas negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai sair caro: o regime não é eterno e os angolanos têm memória.
Folha 8 com Lusa