A Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), ao apelar ao Presidente angolano que ordene ao ministro tutelar da comunicação social que esclareça quais os fundamentos legais que impedem a Camunda News e similares de exercerem o direito de informar, revela que não sabe a diferença entre a obra-prima do Mestre e a prima do mestre de obras. É que a Camunda News, e similares, não tem o direito de informar porque não é, legalmente, um órgão de informação.
Numa nota pública, a AJPD pede também que o ministro das Telecomunicação, Tecnologias de Informação e Comunicação Social encete, formalmente, o diálogo com a Camunda News, “para que mesmo que por mera hipótese e na lógica da administração do Estado existam irregularidades, por força do princípio da boa-fé a que está sujeita a administração pública do Estado, elas sejam sanadas, pondo-se fim à permanente suspeição de ilegalidades alimentada pela própria administração pública do Estado”.
Em causa está a decisão tomada pelo proprietário da TV Camunda News de suspender a emissão do canal digital através das plataformas Youtube e Facebook, alegando a pressão que vem sofrendo por parte das autoridades, que questionam (e bem, se Angola for de facto um Estado de Direito) a legalidade de funcionamento do projecto.
Na nota, a AJPD alerta a comunidade nacional e internacional, defensores da liberdade de imprensa e de expressão, em particular, e defensores dos direitos humanos, em geral, “para a falta de boa-fé da administração pública do Estado angolano em relação ao tratamento a dar a difusores de conteúdos nas redes sociais, como é o caso da Camunda News”. Ora aí está. Ser um “difusor de conteúdos nas redes sociais” não é, nem de perto nem de longe, ser um órgão de informação enquadrável na designação de Imprensa.
De acordo com a associação, a administração pública da comunicação social e das novas tecnologias de informação “não tem agido no sentido de promover o exercício e o gozo dos direitos fundamentais consagrados na Constituição, criando, de má-fé, dúvidas e obstáculos à concretização de actividades que não estão proibidas por lei”.
“A AJPD entende que a administração pública do Estado está em falta em relação ao dever de concorrer para o exercício dos direitos fundamentais dos cidadãos, ao inventar obstáculos que não estão nem na letra nem no espírito da Lei de Imprensa”, sublinha o documento. Pois é. Goste-se ou não, nem na letra nem no espírito da Lei de Imprensa cabe essa coisa que a própria AJPD retrata como “difusor de conteúdos nas redes sociais”.
A associação “chama a atenção da comunidade nacional e internacional para o comportamento reiterado da administração pública, que pretende a todo o custo limitar, impedir, asfixiar e mesmo acabar com a Camunda News, tendo a primeira tentativa de o fazer ocorrido em Maio de 2022, no período da [campanha] pré-eleitoral”.
Por último, a AJPD deplora “o comportamento reiterado” do Serviço de Investigação Criminal (SIC), manifestado neste processo e recorda que o ordenamento jurídico angolano não confere ao órgão investigativo “a competência de ameaçar e aterrorizar os cidadãos que exercem os seus direitos, nos marcos da legalidade, ou mesmo os cidadãos que estejam eventualmente em falta em relação ao cumprimento das leis”.
Se a Associação Justiça, Paz e Democracia, tal como qualquer cidadão, quiser saber quem é quem – por exemplo – no Jornal de Angola, tem essa informação disponível.
Se a Associação Justiça, Paz e Democracia, tal como qualquer cidadão, quiser saber quem é quem – por exemplo – no Folha 8, tem essa informação disponível.
Se a Associação Justiça, Paz e Democracia, tal como qualquer cidadão, quiser saber quem é quem – por exemplo – na Camunda News, NÃO tem essa informação disponível.
O que pensará do assunto a Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana, o Sindicato dos Jornalistas Angolanos e a Comissão da Carteira e Ética, como entidade reguladora da actividade dos jornalistas Angolanos?
Querer enquadrar o que a Camunda News faz na Lei de Imprensa é o mesmo que querer enquadrar o regime alimentar dos jacarés na dieta vegetariana. É o mesmo que enquadrar a actividade de uma farmácia que edite uma bula (folheto que normalmente acompanha um medicamento, de conteúdo informativo sobre composição, posologia, efeitos secundários) no âmbito de Lei de Imprensa.
Também o Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) considerou – caindo na santa ignorância de confundir a beira da estrada com a estrada da Beira – um atentado à liberdade de imprensa a pressão sobre o proprietário da Camunda News para suspender a emissão de conteúdos jornalísticos por pretensa violação da Lei de Imprensa. É estranho, mas é verdade. Nem o SJA sabe a diferença entre a legalidade e a pirataria, entre a produção de conteúdos e o jornalismo.
Em nota de imprensa, o SJA considerou um “abuso de poder e obstrução ao exercício da liberdade de imprensa a pressão sobre o proprietário da Camunda News para cessar a emissão de conteúdos informativos, e apelou à Entidade Reguladora da Comunicação Social para que se manifeste em prol da liberdade de imprensa”.
Segundo o Sindicato dos Jornalistas de Portugal, “liberdade de expressão exige um nível de responsabilidade acrescido e uma maior literacia mediática, que possibilite a cada cidadão distinguir o tipo de informação que consome. Produzir informação não é fazer jornalismo e, por si só, não faz do produtor de informação um jornalista”.
Segundo o SJ português, “neste contexto, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Sindicato dos Jornalistas alertam para a proliferação de meios e formas de comunicação no meio digital que se apresentam como sendo órgãos jornalísticos não o sendo e que transmitem informação não verificada, sem fundamento científico e/ou sem qualquer independência face a interesses nunca revelados, porque nada os obriga a isso”.
“O jornalismo é uma actividade sujeita a escrutínio público e legal, que começa na formação do profissional e se desenvolve, na tarimba, diariamente, com alto grau de exigência técnica e ética, devendo o jornalista profissional cumprir o Código Deontológico dos Jornalistas e agir dentro do quadro ético-legal previsto no Estatuto do Jornalista, consolidado na Lei 1/99, de 13 de Janeiro. O desrespeito pelas normas que regem a actividade está sujeito a um quadro sancionatório regulado na lei, além da responsabilização ética, hierárquica e até judicial (em alguns casos)”, prossegue o SJ de Portugal.
Assim, “dentro do cumprimento do quadro ético-deontológico, o jornalismo é a marca de água que distingue informação de desinformação, o contraste que autentica os factos face às falsificações que o contexto das redes sociais promove, não obstante o esforço de algumas em conter a pandemia da desinformação”.