Adalberto da Costa Júnior, líder da UNITA, maior partido da oposição que o MPLA ainda permite em Angola, disse hoje que Angola está numa situação de “bancarrota”, situação a que foi conduzida pelo MPLA, partido no poder há 48 anos, levando o país a atingir “níveis de decadência e descalabro”.
Adalberto da Costa Júnior traçou este retrato do país quando procedia à abertura da conferência nacional sobre Geopolítica e Segurança Nacional promovida pelo governo sombra da UNITA.
Segundo Adalberto da Costa Júnior, “o regime levou a má governação – adensada por uma estrutura corrupta, venal e decrépita – ao extremo de obrigar agora o país a ter não só de vender os anéis, mas possivelmente, também, os dedos, se tão clamorosos erros de governança persistirem”. Que o MPLA venda os anéis que tiver é mais do que certo. Mas vender os dedos, só os que são do Povo.
“O desastre está mais do que evidente na situação de insolvência (bancarrota) a que o MPLA conduziu e está a conduzir o país. Infelizmente, atingimos os níveis de decadência e descalabro que se observam nos dias de hoje apenas por incúria governativa. Por falta de sabedoria na gestão da coisa pública”, referiu o presidente da UNITA.
Mais exactamente deveria falar não de incúria (que significa falta de cuidado; desleixo; falta de aplicação) mas de criminosa desgovernação do MPLA.
Para Adalberto da Costa Júnior, Angola tem registado um recuo no que diz respeito ao desenvolvimento e à segurança nacional, pelo que “faz todo o sentido” a realização desta conferência, que “não deve ignorar um aspecto indissoluvelmente ligado à segurança nacional que é avaliação do estágio em que se encontra o Estado Democrático e de Direito em Angola”.
O líder da UNITA deveria, aliás, deixar de “mentir” aos angolanos quando fala de algo que Angola não é – um Estado Democrático e de Direito.
Adalberto da Costa Júnior sublinhou que 31 anos depois da realização das eleições multipartidárias de Setembro de 1992, “a democracia em Angola continua tão frágil, e isto constitui um dos maiores perigos com que a sociedade e o Estado se confrontam no presente momento — um espectro capaz de pôr em causa a unidade e a subsistência dos angolanos”.
“Mas é no actual e corrente ciclo, mais do que em qualquer outra época, que se nota uma maior e clara degenerescência do sistema político nacional e, até, do regime, das suas políticas e da nomenclatura que o sustenta”, disse.
“Só um cego não vê que o Executivo do MPLA, deixou de cumprir com um dos pressupostos legais que consiste na responsabilidade constitucional de garantir e consolidar o Estado Democrático e de Direito em Angola. Deliberadamente, ou apenas por inépcia, o edifício da democracia angolana está claramente em grave crise e ameaça poder ruir!”, frisou.
De acordo com o líder da UNITA, a separação entre os poderes “está a estilhaçar-se cada vez mais”, sendo o exemplo mais evidente “a imoralidade que campeia hoje no sistema judicial, onde os tribunais superiores e os respectivos magistrados renderam-se ao regime de partido Estado e na sua maioria revelam-se marionetas do poder unipessoal do Presidente da República”, ressaltando a situação do juiz-presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, que “permanece no cargo a despeito de sucessivos atropelos e ilegalidades que vem acumulando, perante uma sociedade que acompanha incrédula tamanho espectáculo”.
O presidente da UNITA salientou que os governantes angolanos (do MPLA há 48 anos) têm mostrado “uma postura de quem deixou cair o serviço e o conceito de servir, a todos e ao país”, o que tem provocado nos mais distintos segmentos da sociedade “a incerteza, o desânimo e o desencanto perante uma realidade dura e uma desgovernação que depaupera o país e a todos expõe”.
Face a este quadro, prosseguiu Adalberto da Costa Júnior, têm surgido múltiplas manifestações desencadeadas por diversos sectores socioprofissionais e jovens, reivindicando direitos e exprimindo anseios. Os tais a quem o MPLA chama de arruaceiros da UNITA.
“Hoje muitos exprimem estarem fartos do sistema autocrático que cerceia as liberdades e garantias fundamentais constitucionalmente previstas. Mas a forma como as manifestações têm sido reprimidas corresponde a um comportamento típico de Estados totalitários e securitários”, disse.
Segundo o dirigente da UNITA, a repressão acontece sempre “com a argumentação descabida e insensata de que as manifestações visam, pura e simplesmente, o derrube das instituições, quando elas estão na realidade ancoradas a um direito constitucional, repetidamente desrespeitado. Como consequência, conflitos e tensões, absolutamente desnecessários”.
Em 18 de Março de 2023, o presidente da UNITA acusou a comunidade internacional de fechar os olhos às violações dos direitos humanos e à democracia para defender os seus interesses em Angola.
Adalberto da Costa Júnior, que falava num comício para comemorar os 57 anos de existência da UNITA, disse que “aquilo que aconteceu em Angola não foi só voto nas urnas, houve manipulação, houve também os interesses internacionais aqui, que muitas vezes silenciam as vozes daqueles países que dizem: para o meu país democracia, para lá, para os outros, eles que se desenrasquem, desde que me dêem as minas, que me dêem o petróleo, que me dêem aquilo que eu quero, eu fecho os olhos aos direitos humanos”.
Na altura, Adalberto da Costa Júnior pediu à comunidade internacional que “ajude um pouco mais”, agradecendo o papel de muitos embaixadores, “que ganharam coragem nos últimos tempos”.
“Mas os países, por trás, têm que ter um pouco mais de valores, de ética na política, ou esse mundo cheio de problemas dificilmente será conquistado numa fase melhor”, disse.
Angola independente há 48 anos e “cheia de potencialidades”, prosseguiu Adalberto da Costa Júnior, apesar das décadas de guerra, não pode continuar aceitar “as desculpas do tempo, que a guerra justifica a pobreza de hoje”.
“Vocês aceitam hoje esse tipo de desculpas? Que a juventude fuja de Angola e possa dizer-se que é culpa da guerra? Acham que foi a guerra (…) acham que é a guerra que justifica a agressão de activistas cívicos”, questionou.
“E são muitos, são activistas, músicos, profissionais de todo o tipo de especializações, até agora os magistrados, estamos a ouvir, uma grande quantidade de magistrados da primeira e da segunda instância, estão a desistir e preferem ir trabalhar nas obras lá fora, isto é aceitável?”, perguntou.
Adalberto da Costa Júnior disse que a UNITA tudo tem feito pelo país, “que mostra algum desalento”, para ajudar, contribuir, “para uma melhor Angola”, reconhecendo a dinâmica do grupo parlamentar do partido, que tem levado à mesa da Assembleia Nacional “as preocupações de âmbito nacional, da defesa do seu povo, a defesa dos direitos humanos”, esta última, uma das questões que mais preocupa o partido.
Para o líder da UNITA, o país tem “muitos motivos” para se mostrar “desalentado”, referindo-se, por exemplo, à crise que afecta a justiça angolana nos últimos tempos.
“Olhamos para o país e os exemplos que vêm são tristes, são até vergonhosos. Quando você tem a hierarquia das instituições da justiça na lama, não orgulha ninguém, e é um indicador claro das dificuldades e dos problemas que nós temos”, apontou.
O presidente da UNITA considerou que o modelo da contratação simplificada, que “virou a norma”, é “corrupção, alta corrupção. A forma mais activa de fazer corrupção é a inexistência de concursos públicos e das eleições para hoje é a prática de todos os dias”, disse Adalberto da Costa Júnior.
O líder do segundo maior partido político de Angola referiu que há dinheiro “para evitar a extrema pobreza”, denunciando os casos de suicídios em províncias do país “onde muito pai se suicida e mata os filhos por extrema fome, porque não aguenta o sofrimento, a dor da barriga, ver o sofrimento dos seus filhos e enforca os filhos e suicidam-se, em províncias de extrema riqueza”.
A UNITA mostrou até agora, é verdade, que sabe o que é a democracia e adoptou-a definitivamente. Tê-lo-á feito de forma consciente? Temos algumas dúvidas, sobretudo depois das manipulações e vigarices eleitorais e do medo de reagir, sem temor, ao facto de ter ganho as últimas eleições e acabar de joelhos e aceitar ser derrotada.
Adalberto da Costa Júnior, tal como antes Isaías Samakuva, mostrou ao mundo que as democracias ocidentais estão a sustentar um regime corrupto e um partido que quer perpetuar-se no poder. E de que lhe valeu isso?
Agora estamos a ver que ao Ocidente basta uma UNITA mais ou menos submissa para dar um ar democrático à ditadura do MPLA. Aliás, por alguma razão o Ocidente não reage às vigarices, às fraudes protagonizadas pelo MPLA. E não reage porque não lhe interessa que a democracia funcione em Angola. É sempre mais fácil negociar com as ditaduras.
O MPLA está no poder desde 1975 e por lá vai ficar. A razão é simples. Com a ajuda subserviente da comunidade internacional, o regime continua a aumentar a razão da força e a arrasar a força da razão.
Todo o mundo sabe que com o poder absoluto que tem nas mãos (é também o presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo), João Lourenço desde 2017 (tal como antes José Eduardo dos Santos) é um dos ditadores ou, na melhor das hipóteses, um presidente autocrático. E, como também todos sabem, se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente.
O facto de não ser caso único, nomeadamente em África, em nada abona do ponto de vista democrático e civilizacional a favor de João Lourenço. Mas, verdade seja escrita, isso não o preocupa. Se ele foi capaz de se divorciar da Rússia para casar com os EUA é porque sabe de que lados sobrevivem os ditadores bons.
Folha 8 com Lusa