ANGOLANOS DE 1ª E DE 2ª, 21 ANOS DEPOIS

A tese do MPLA, tenha sido sob a liderança de José Eduardo dos Santos, seja sob o comando de João Lourenço, é simples e transparente: os escravos não têm direito a reivindicar seja o que for, muito menos quererem ser considerados iguais aos seus donos. Por muito musculada que seja a força da razão dos escravos, nunca vencerá a razão da força dos seus proprietários.

Assim sendo, antes de ser provado já o MPLA provou o seu direito legal de propriedade sobre – entre outros – os pretos ovimbundos, tal como “consta” do acordo de rendição assinado em 2002 pela UNITA. E não adianta aos “chefes” dos escravos virem falar de “intolerância política”. Não nos esqueçamos que o emblemático dirigente do MPLA, Kundi Paihama, dizia que em Angola existem dois tipos de pessoas, os angolanos e os kwachas, tal como aconselhou estes a comer farelo porque “os porcos também comem e não morrem”.

A democracia é isso mesmo. Recordam-se de uma célebre Comissão Parlamentar do Inquérito (CPI) sobre a intolerância política na Província do Huambo e que foi presidida pelo então deputado e general das palmeiras Higino Carneiro, e que era composta por 15 deputados, dos quais 12 do MPLA e os restantes três divididos democraticamente pela UNITA, PRS e FNLA?

Como seria de calcular, essa CPI apurou que “os assassinatos invocados pela UNITA como tendo ocorrido nos municípios do Bailundo, Katchiungo, Tchikala Tcholohanga, Ukuma, Ecunha, Londuimbali e Caála não resultaram de intolerância politica, mas, de crimes do foro comum, relacionados, com praticas ligadas à feitiçaria”.

E apurou muito bem. Aliás, sendo o MPLA dono absoluto da verdade, estava fácil de ver que a teoria da UNITA era uma manifesta mentira. E a CPI foi, mesmo assim, muito condescendente com os escravos do Galo Negro porque, num acto de assinalável magnanimidade, não acusou a UNITA de ter sido ela própria a provocar as mortes só para acusar, denegrir e enxovalhar a impoluta imagem do partido que nos (des)governa desde 1975.

Como todo o mundo sabe, tudo o que de mal se passou, passa ou passará em Angola é culpa da UNITA e dos activistas. Desde logo porque, e não foi preciso nenhuma CPI para o provar que durante a guerra, as balas das FALA (Galo Negro) matavam apenas civis e as das FAPLA/FAA (MPLA) só acertavam nos militares inimigos. Além disso, como também é sabido, as bombas lançadas pela Força Aérea do MPLA só atingiam alvos inimigos e nunca estruturas civis.

Aliás, qualquer CPI poderá um dia destes provar que a UNITA é que é responsável pelos milhares e milhares de angolanos torturados e assassinados em todo o país depois dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, acusados de serem apoiantes de Nito Alves ou opositores ao regime.

Como poderá provar e comprovar que a UNITA é também responsável pelo massacre de Luanda que visou o seu próprio aniquilamento e de cidadãos Ovimbundus e Bakongos, onde morreram 50 mil angolanos, entre os quais o vice-presidente da UNITA, Jeremias Kalandula Chitunda, o secretário-geral, Adolosi Paulo Mango Alicerces, o representante na CCPM, Elias Salupeto Pena, e o chefe dos Serviços Administrativos em Luanda, Eliseu Sapitango Chimbili.

Qualquer CPI não terá igualmente dificuldade em mostrar ao mundo que angolanos são pessoas como Lúcio Lara, Iko Carreira, Costa Andrade (Ndunduma), Henriques Santos (Onanbwe), Luís dos Passos da Silva Cardoso, Ludy Kissassunda, Luís Neto (Xietu), Manuel Pacavira, Beto Van-Dunem, Beto Caputo, Carlos Jorge, Tito Peliganga, Eduardo Veloso, Tony Marta, José Eduardo dos Santos, João Lourenço, Higino Carneiro.

Provará também que não angolanos são aquela subespécie (kwachas) como Alda Sachiango, Isaías Samakuva, Alcides Sakala, Jeremias Chitunda, Adolosi Paulo Mango Alicerces, Elias Salupeto Pena, Jonas Savimbi, António Dembo, Abílio Kamalata Numa, Arlindo Pena “Ben Ben”, Adalberto da Costa Júnior ou Paulo Lukamba Gato.

Qualquer CPI não terá igualmente dificuldade em mostrar que o massacre do Pica-Pau em que, no dia 4 de Junho de 1975, perto de 300 crianças e jovens, na maioria órfãos, foram assassinados e os seus corpos mutilados no Comité de Paz da UNITA em Luanda… foram obra da UNITA.

Qualquer CPI não terá igualmente dificuldade em mostrar que o massacre da Ponte do rio Kwanza, em que no dia 12 de Julho de 1975, 700 militantes da UNITA foram barbaramente assassinados, perto do Dondo (Província do Kwanza Norte), perante a passividade das forças militares portuguesas que garantiam a sua protecção, foi obra da UNITA.

Qualquer CPI não terá igualmente dificuldade em mostrar que, entre 1978 e 1986, centenas de angolanos foram fuzilados publicamente, nas praças e estádios das cidades de Angola, uma prática iniciada no dia 3 de Dezembro de 1978 na Praça da Revolução no Lobito, com o fuzilamento de 5 patriotas e que teve o seu auge a 25 de Agosto de 1980, com o fuzilamento de 15 angolanos no Campo da Revolução em Luanda… foi tudo obra da UNITA.

Qualquer CPI não terá igualmente dificuldade em mostrar que foi a aviação da UNITA que, em Junho de 1994, bombardeou e destruiu Escola de Waku Kungo (Província do Kwanza Sul), tendo morto mais de 150 crianças e professores.

Qualquer CPI não terá igualmente dificuldade em mostrar que foi a aviação da UNITA que, entre Janeiro de 1993 e Novembro de 1994, bombardeou indiscriminadamente a cidade do Huambo, a Missão Evangélica do Kaluquembe e a Missão Católica do Kuvango, tendo morto mais de 3.000 civis.

Qualquer CPI não terá igualmente dificuldade em mostrar que, entre Abril de 1997 e Outubro de 1998, na extensão da Administração ao abrigo do protocolo de Lusaka, foi a UNITA quem assassinou mais de 1.200 responsáveis e dirigentes dos órgãos de Base da… UNITA em todo o país.

Festejemos irmãos, mesmo de barriga vazia

O MPLA, com o seu brilhantismo habitual, diz que os angolanos são capazes de reconstruir o país, de criar condições para erradicar a pobreza e de promover o desenvolvimento e o bem-estar social.

Os angolanos são, sim senhor, capazes de tudo isso. Pena é que o regime não os ajude. Já lá vão 21 anos de paz total e, feitas as contas, poucos continuam a ter cada vez mais milhões e, é claro, milhões continuam a ter cada vez menos.

A constatação propagandística do MPLA, partido no poder desde 11 de Novembro de 1975, insere-se naquilo a que se convencionou chamar o Dia da Paz e da Reconciliação Nacional.

O MPLA exorta os seus militantes, simpatizantes e amigos e todo os angolanos a transformarem as comemorações do 4 de Abril numa “verdadeira jornada de reflexão e de júbilo”.

Que o regime esteja em júbilo (assinala desde logo a rendição da UNITA) ainda vá que não vá. No entanto, aos angolanos resta eventualmente reflectir… de barriga vazia. E, exactamente por termos mais de 20 milhões de pobres, é que o regime espera que as reflexões dos angolanos não sejam muito profundas.

Reflectir sobre o estado actual de Angola é lembrar que hoje, como ontem e certamente como amanhã, apenas um quarto da população tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade; que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.

Reflectir sobre o estado actual de Angola é lembrar que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.

Reflectir sobre o estado actual de Angola é lembrar que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolano; que 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem em Cabinda.

Reflectir sobre o estado actual de Angola é lembrar que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.

O MPLA pede aos angolanos que fortifiquem os laços de união em prol da busca de consensos para o futuro do país, a consolidação da unidade nacional e o aprofundamento do processo democrático em curso.

Essa do aprofundamento do processo democrático em curso é mesmo brilhante. Aliás, nem sequer haveria necessidade de o aprofundar. Basta ver que João Lourenço foi “eleito” devido a carradas de batota que a máquina do MPLA/Estado colocou ao seu serviço.

“A paz tem permitido ao nosso povo o usufruto do direito à segurança, à tranquilidade, à estabilidade e à livre circulação em todo o território nacional e tem facilitado o processo de reconstrução e de criação de infra-estruturas para o desenvolvimento, o que tem sido constatado, de forma entusiasta, por todos os de boa-fé, cientes de que a paz veio para ficar e de que o futuro será infinitamente melhor do que o passado”, lê-se em todas as declarações que, ao longo dos últimos 21 anos, a máquina propagandística do regime produziu e divulgou por todos os cantos e esquinas.

Pois é. Tudo isso é visto, sentido, apoiado e reconhecido pelo menos por 70 por cento da população que, recorde-se, continua na miséria.

“O processo de reconciliação nacional, que continua a decorrer de forma sólida, não obstante as inúmeras tentativas de o dificultar, permite que os angolanos acreditem no futuro e tem constituído um factor importante para a consolidação da economia e o seu notado crescimento, viabilizando o processo de reconstrução nacional e a paulatina melhoria das condições de vida do nosso povo”, sublinhava em 2011 o Secretariado do Bureau Político do MPLA.

O MPLA, o regime, João Lourenço não dizem mas, importa reconhecê-lo, as “inúmeras tentativas de dificultar” todo o processo fazem com que, no mínimo, o MPLA precise aí de mais uns 53 anos para tornar o país num Estado de Direito.

O Governo de Angola/MPLA considerou que a paz é “uma conquista de todos os angolanos”, mas a UNITA defendeu que o calar das armas, há 21 anos, ainda não se reflecte na condição social e económica das famílias.

O Bureau Político do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) diz que, 21 anos depois, “constata, aplaude e encoraja o facto de a sociedade angolana estar mais aberta”, em que os seus cidadãos “têm mais liberdade de expressão, de reunião e de associação e em que existe maior liberdade de imprensa”.

Já a UNITA, maior força da oposição que o MPLA ainda permite que exista, considera que o calar das armas “ainda não se reflecte na condição social e económica de muitas famílias”.

“Há muitas famílias que se conformam com elevados índices de pobreza, agravados pelo desemprego que afecta a juventude e os ex-militares, em particular”, sublinha a UNITA, que reclama o “cumprimento cabal” dos compromissos assumidos pelo Governo com a UNITA com vista à paz efectiva em Angola, tendo como base os acordos assinados em Bicesse, Lusaca e Luena.

“Longe de celebrarmos apenas mais uma data do calar das armas, a UNITA considera que se impõe uma profunda reflexão sobre as bases e pressupostos em que assentaram os precedentes que vieram a culminar com o Memorando de Entendimento do Luena (acordo de 2002), com vista à paz efectiva e duradoura, factores imprescindíveis na construção e consolidação de um verdadeiro Estado Democrático de Direito”, diz a UNITA.

“A celebração remete para a reflexão de que a paz social passa, inevitavelmente, pela boa governação, com a adopção de políticas públicas viradas para a resolução dos problemas candentes das famílias e das suas comunidades, mormente no que tem a ver com a distribuição justa e equitativa do rendimento nacional, educação e saúde de qualidade, bem como na igualdade de direitos e oportunidades para todos singrarem na vida, independentemente da sua condição política ou social”, refere.

“Eu estou sempre acordado porque estou em constante movimento. Vocês é que estão a dormir… por isso é que o MPLA está a aldrabar-vos”. Não somos nós os autores desta afirmação que, embora dita há muitos anos, mantém toda a actualidade. Quem a disse foi Jonas Savimbi.

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