ANGOLANOS ATÉ DEIXARAM DE SONHAR

Angola, torrão identitário dos nossos ancestrais, vive um dos maiores dramas existenciais com a violência institucional, prisões arbitrárias de adversários políticos, agressão às tradições (usos, costumes e línguas autóctones), sem que nada se faça para alterar o quadro dantesco. Pelo contrário, lançam gasolina na fogueira quando em causa está a flagrante violação de direitos fundamentais. Sem ufanismo, com humildade e maestria mental ainda é possível, através de diálogo entre as lideranças dos dois maiores partidos políticos, travar e inverter a crise em que o país está atolado.

Por William Tonet

Assim, é preciso exaltar os aspectos laudatórios, de quem recebeu a micro-soberania dos povos para o exercício do poder político, através do mandato eleitoral, assumindo o nobre compromisso de não trair o sonho de cada cidadã e cidadão vindos das trevas da colonização.

Infelizmente, no dobrar da esquina dos 48 anos de independência, o tão ansiado sonho de independência, liberdade e soberania política e económica foram suprimidos, de tal monta que o Executivo impõe uma alfabetização alimentar aos povos: “aprender a viver sem comer”, negando-lhes até o elementar direito de, ao menos, pensar em três refeições ao dia, que muitos tinham no período colonial português e, “gloriosamente”, o MPLA lhes “roubou”, tal como a educação, que deveria ser, obrigatória e a saúde de qualidade.

Os festejos da independência têm como grande cartaz uma imagem dantesca e grandiloquente, de pobreza extrema e miséria das populações, principalmente as rurais, a quem se lhes retira, também, a dignidade ao “jus solis”, para o emponderamento, como cidadãos livres de quaisquer amarras para o desenvolvimento auto-sustentado.

A geografia mental da classe dirigente é difusa, num momento em que milhões de pobres se abastecem nos contentores do lixo para sobreviver, enquanto poucos se deleitam com milhões de dólares/euros, nas contas bancárias, que poderiam, equitativamente, servir os milhões que nada têm.

E nisso reside uma certa ironia da vida do angolano, um verdadeiro filme hollywoodesco de terror, numa terra resignada, sem futuro e identidade, onde quase nada pertence aos milhões dos autóctones, até mesmo a personalidade jurídica, por ausência notarial de registo à luz do direito positivo.

Angola é, hoje, um espelho escravocrata, dominado por uma plural colonização de viés racial, que quadrícula o país, inclusive para uma eventual guerra militar de expansão e consolidação, para fazer desaparecer, quantitativa, cultural e linguisticamente, os originais povos angolanos. Eles, os fundamentalistas islâmicos, chineses e outros, vão consolidar-se, com o nascimento de filhos, capazes de ser registados como angolanos pela presunção, pois bastará a islamitas e chineses, franquear as fronteiras, através dos objectivos económicos, implantados em sítios estratégicos (inclusive, fronteiriços), milhares de bebés, para, imediatamente, obter, registo e cédula de nascimento desta(s) nova(s) população “mirim”, com a cobertura difusa do n.º 3 do art.º 9.º (Nacionalidade) da Constituição: “PRESUME-SE cidadão angolano de origem o recém nascido ACHADO em território angolano”.

Esta é, verdadeiramente, uma norma inconstitucional, que atenta contra a soberania e a defesa da angolanidade, que longe de acautelar os riscos de confrontação a estimula.

É dantesca a responsabilidade de quem cunha impressões digitais neste desvario, 48 anos depois, quando em sentido contrário, os autóctones não têm uma reforma agrária, nem direito a registo das terras ancestrais, com a solenidade do instituto do usucapião, pela maioria da população do campo, danosa, dolosa e institucionalmente empobrecida.

O pobre, quando se esperava o inverso, foi desde 1975 severamente discriminado e excluído do centro do orçamento, face à maternidade partidocracia da Lei Constitucional do MPLA, imposta ao país, vide art.º 60.º: “O presente diploma entra em vigor às zero horas do dia 11 de Novembro de 1975. Aprovada por aclamação pelo Comité Central do Movimento Popular de Libertação de Angola, aos 10 de Novembro de 1975”.

Foi a prova de proclamação de uma partidocracia, por exclusão do nascimento de uma República, que subverteu o alcance da própria soberania, no art.º 2.º da Lei Constitucional do MPLA: “Toda a soberania reside no Povo Angolano. Ao MPLA, seu legítimo representante (…) cabe a direcção política, económica e social da Nação” e, na cavalgada de falta de higiene intelectual, a promulgação e publicação foram feitas por António Agostinho Neto, Presidente do MPLA.

Eis a partidocracia, que atentou contra a multirracialidade dos pobres vindos do colonialismo, que, vergonhosamente, se multiplicaram, logo após a proclamação, por Agostinho Neto, incluindo os ditos revolucionários, libertadores, como classe superior de novos capitalistas, das Lojas dos Dirigentes e Lojas do Povo. A falta de noção de Estado levou-os a blindar todas arbitrariedades, criando, “sui generis”, quatro órgãos de soberania (contrariando a lógica de Charles-Louis de Secondat, vulgo barão de Montesquieu) de três: Legislativo; Executivo; Judicial.

O art.º 38.º: “O Conselho da Revolução exerce função legislativa, que poderá delegar no governo (…) define e orienta a política interna e externa do país; aprova o Orçamento Geral do Estado e o Plano Económico elaborado pelo Governo; nomeia e exonera o primeiro-ministro e os restantes membros do Governo sob a indicação do MPLA; autoriza o Presidente da República a declarar a guerra e a fazer a paz; Decretar o estado de sítio ou o estado de emergência e decretar amnistias”.

Esta foi a forma como a Partidocracia Popular de Angola iniciou a cavalgada de exclusão da plena cidadania e fomento de pobres, ao invés de lançar sementes para um verdadeiro combate à pobreza, com a requalificação e ou eliminação dos musseques, dos guetos, cuja condição se degradou, em 48 anos, com ausência de saneamento básico, energia e água.

A não construção, manutenção e ampliação de escolas, promovem o analfabetismo e a de postos médicos e hospitais públicos de excelência, contribuem para a propagação do paludismo, malária e outras epidemias e pandemias, verdadeiras e eficazes políticas contra os pobres.

Em 48 anos tem de se fazer o balanço das razões que levaram os ditos revolucionários, transformados em capitalistas vorazes, no poder, a destruir, conscientemente e com dolo, os grandes parques industriais do Huambo, Benguela, Huíla, Luanda, Uíge, as grandes zonas agro-pecuárias da Cela (Waku Kungu) da Gabela, do Kunene, do Bié, da Lunda, Benguela e “vender” os nossos mares à União Europeia, organização de viés colonial, cujo objecto, em países subdesenvolvidos, é afundar a vida dos pescadores autóctones. Empobreceram o litoral, “assassinando” as grandes salgas de peixe, salinas, autênticas reservas, localizadas em Porto Alexandre (Tombwa); Baía Farta e Lobito Benguela e Cacuaco, Luanda, etc.. Foram ainda, dolosamente, lançados para o desemprego milhões de angolanos, afectos às plantações de café, no Uíge, Kwanza Norte, Kwanza Sul, inutilizando a linha férrea do Amboim ao Porto do mesmo nome. As fábricas agro-industriais de açúcar, na Catumbela, Dombe Grande, Caxito, para o importar de Cuba.

O regime apostou na eliminação da agricultura familiar, proibindo a produção em larga escala do milho, base da alimentação de milhões, a destruição dos campos de batata rena, em Ekunha, a proibição dos povos Lundas continuarem com a agricultura (proibição de Neto) e encerramento de todas fábricas de óleo vegetal e de palma.

Neste cenário é difícil falar a diversificação da economia e do emponderamento de quem está no andar de baixo, desde 1975, engrossando a estatística dos 20 milhões de pobres, excluídos das leis e da justiça, que protege ricos e especuladores estrangeiros, a imagem inequívoca de uma nova colonização.

Em 48 anos o Executivo demitiu-se do seu real papel, enquanto órgão impulsionador do desenvolvimento, ao adoptar regras de órgãos ocidentais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, não concebidos para o desenvolvimento de África, nem da melhoria da vida dos seus cidadãos, hipotecou o país, tornando-o eterno fornecedor de matérias-primas ou de fábricas de estrangeiros em solo angolano, inviabilizando ou dificultando a existência de uma classe empresarial e empresas angolanas fortes e com domínio em todas as áreas.

Em 48 anos, o MPLA, em 11 de Novembro de 2023, oferece, aos angolanos um bolo envenenado com três ingredientes:
a) vulnerabilidade económica, produção agro-pecuária instável e agricultores pobres;
b) fragilidade social: educação, saúde e condição social fracas;
c) baixa renda: Produto Interno Bruto (PIB) abaixo dos USD 350,00 (trezentos e cinquenta dólares), quando o recomendável é estar acima dos USD 900,00 (novecentos dólares).

SEM USUCAPIÃO O CAMPONÊS SERÁ SEMPRE POBRE

A política mais abjecta é aquela que, tal como no tempo colonial, limita ao indígena ao recurso do instituto do usucapião como um direito fundamental, aos autóctones, que veriam reconhecido à luz do direito positivo, a propriedade das suas terras, em decorrência do uso e posse continuada por várias gerações.

No tempo colonial não podiam recorrer a este preceito, no tempo de governação exclusivista do MPLA, igualmente, por este considerar, “a terra é propriedade originária do Estado e integra o seu domínio privado, com vista à concessão e protecção de direitos fundiários”, art.º 98.º CRA (Constituição de Angola), logo promove a pobreza, impedindo que os homens do campo, tenham capacidade de obter titulação das terras ancestrais, obtendo capacidade de contrair empréstimos bancários e financiamentos externos, com o título material de propriedade.

48 anos depois, nem a lei de terras, nem o usucapião, beneficiam os autóctones, todos os ajustes são para beneficiar, por determinação do FMI o capital estrangeiro. No Código Civil português, adoptado pelo regime, a ossatura é de viés colonial, do art.º 1287.º: “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião”. O art.º 1290.º (Usucapião em caso de detenção) diz: “Os detentores ou possuidores precários podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, excepto achando-se invertido o título da posse; mas, neste caso, o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título”.

Como se vê, as elucubrações jurídicas aqui conceituadas nestes artigos eram e são elementos limitativos para que os autóctones angolanos pudessem e possam usufruir do direito de propriedade.

Por esta razão o agricultor angolano é pobre e as sanzalas o são igualmente, e isso inviabiliza a diversificação da economia porque ela não pode ser feita com milhões de pobres, estando a terra, minas, fábricas, economia nas mãos do capital estrangeiro, que tem uma lei que lhe permite criar empresas sozinho, quando sendo um país subdesenvolvido os investidores estrangeiros deveriam sempre ter na lei a obrigatoriedade de empresas mistas, para emponderar os angolanos. O contrário é o suicídio.

É importante revogar a Constituição, para inverter não só a propriedade da terra (passando a ser originária dos povos), como dar consagração à reforma agrária e ao instituto do usucapião, molas para o emponderamento do homem do campo e verdadeiras sementes da diversificação da economia, que não se efectiva com um alto segmento da sociedade agro-pecuária rural, incapaz de fixar o preço da produção, pela vulnerabilidade da condição sócio-económica.

Angola é um país rico, no subsolo, com dirigentes, mentalmente mirins, que destruíram o parque agro-industrial transformador, herdado da colonização portuguesa, em muitas esferas na liderança mundial como produtor e exportador, para, agora vender a terra e património público, maioritariamente, aos novos colonialistas e especuladores.

O domínio dos fundamentalistas islâmicos e da China, sobre as minas, terras aráveis, florestas, imóveis e shoppings, uns tirados a alegados corruptos angolanos, para os entregar a iguais corruptos eritreus, arrepia, quando temos 5.850.000,00 crianças fora do sistema de ensino e 50% que nunca receberam uma vacina, uma taxa de mortalidade em 2021 de 8 por 1000 Habitantes (Hab); taxa de natalidade em 2021 de 38.8 por 1000 Hab, em média morrem 255 mil pessoa por ano, nos últimos 10 anos. O número de nascimento foi de 1.222.400 Hab; a idade média diminuiu em 0,28 anos de 2012 a 2021; 68 % dos habitantes vivem afunilados nas grandes cidades, num aumento de 4% ao ano, levando muitos ao desemprego a comer em contentores e monturos de lixo!

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