Há mais de dez anos, Fernando Lima, então consultor político do Presidente da República de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, e seu ex-assessor de imprensa, considerou que “uma informação não domesticada constitui uma ameaça com a qual nem sempre se sabe lidar”.
Por Orlando Castro
N um artigo de opinião publicado no primeiro número da versão brasileira da revista Campaigns & Elections sobre “a importância da agenda”, Fernando Lima assumiu o que todos já sabiam que era há muito tempo, um criado de luxo do poder.
O jornalismo em Portugal (que já não sei bem o que é) continua a sua corrida no sentido da perda total de credibilidade. A coisa parece, de vez em quando, estar brava. Mas só parece.
Como sempre, é mais a parra do que a uva. Desde logo porque, ao contrário do que seria de esperar, os “macacos” (que são cada vez mais) não estão nos galhos certos (que são cada vez menos). E quando assim acontece (e acontece muitas vezes), tanto jornalistas como produtores de conteúdos tendem a sobrevalorizar as ideias de poder em detrimento do poder das ideias.
O Estado de Direito… democrático ainda é, é cada vez mais, uma criança e, como tal, ainda há muitos vícios, deformações e preconceitos herdados que a muitos dá jeito conservar e até incentivar. É claro que o “quero, posso e mando” não serve nenhuma das partes, mas continua a fazer escola, sobretudo tendo como mestres os donos dos jornalistas e os donos dos donos.
Não serve mas é praticado, não serve mas é estimulado. Não serve mas vai servindo.
A promiscuidade (neste caso específico significa mesmo relacionamento com vários parceiros sexuais) na sociedade portuguesa está de pedra e cal. Na Comunicação Social todos a querem independente mas, como é hábito, controlam essa independência pelos mais diferentes meios, sejam económicos, partidários ou outros.
O jornalismo que vamos tendo, qual reles bordel, aceita tudo e todos. No entanto, reconheça-se, os jornalistas sempre podem ser deputados. Vá lá! Maria Elisa Domingues, Vicente Jorge Silva, Ribeiro Cristóvão foram exemplos de como, em Portugal, se confunde a obra-prima do Mestre com a prima do mestre de obras.
Se todos podem ser jornalistas, porque carga de água não podem os jornalistas ser deputados… da Nação ou assessores de políticos, ou conselheiros do presidente, ou prostitutos da alma, ou camaleões com lugar cativo na Assembleia da República? Nem mais. É uma pequena vingança, mas mais vale pequena do que nenhuma. Não?
Aliás, a própria Comissão da Carteira Profissional de Jornalista entende que não é incompatível ser jornalista e deputado. O mesmo se passa com o Sindicato dos Jornalistas que viu um seu presidente ser candidato a deputado.
Nada importa. Os Jornalistas (até) não têm razão de queixa…
São uma classe prestigiada, nobre e cada vez mais dignificada? Não. É claro que não. Qualquer um pode ser jornalista. Utilizando as palavras de um amigo que, de quando em vez, me dá a honra de comentar o que aqui vou escrevendo, “para ter a carteira profissional de Jornalista basta o estágio que varia consoante as habilitações, ser maior de 18 e fazer do jornalismo o seu ganha-pão”.
Mais. Diz ele que “uma empregada de limpeza que seja amiga do chefe de redacção e de mais dois jornalistas que por sua honra confirmem que é colega de trabalho, passa logo a Jornalista”.
Embora o exemplo seja extremo, o pressuposto é verdadeiro. Aliás não faltam casos que, perante a apatia dos (verdadeiros) profissionais, confirmam a tese deste meu amigo.
É claro que o Jornalismo não é isso. Mas também é claro que o “nosso” jornalismo é também isso. É e será enquanto os Jornalistas não colocarem a casa em ordem… Mas isso dá muito trabalho e rende pouco.
É muito mais vantajoso e lucrativo ser criado de luxo do poder, como é bem exemplificado por Fernando Lima. E depois das diferentes comissões de serviço qualquer um poderá ser administrador de uma qualquer empresa, pública ou privada.
Cada bicada, cada minhoca…
Para quem não sabe, não quer saber ou é do Partido Socialista, recorde-se tantas vezes quantas for preciso, o que se passou a 30 de Abril de 2010.
O vice-presidente da bancada parlamentar do PS, Ricardo Rodrigues, ficou (meteu ao bolso, furtou, roubou) com dois gravadores dos jornalistas da revista Sábado durante uma entrevista.
Questionado sobre as suas ligações a um antigo processo de burla nos Açores e a casos de pedofilia, o deputado terminou bruscamente a entrevista e levou os dois gravadores consigo.
Foi, mais uma vez, o Portugal socialista no seu melhor! Ou, citando o então primeiro-ministro do reino, José Sócrates, mais uma demonstração inequívoca de que em Portugal não há falta de liberdade… para afanar os gravadores dos jornalistas.
Ricardo Rodrigues, vice-presidente da bancada do PS (de que outro partido poderia ser?), explicou na altura que “tomou posse”, de forma “irreflectida”, de dois gravadores da revista Sábado, durante uma entrevista, porque foi exercida sobre ele uma “violência psicológica insuportável”.
Ora aí está. A partir de então a criminalidade em Portugal nunca mais foi a mesma. Os carteirista, por exemplo, quando são apanhados defendem-se dizendo que apenas “tomaram posse”, de forma “irreflectida”, da carteira da vítima.
Numa declaração sem direito a perguntas dos jornalistas (que pelo sim e pelo não mantiveram os gravadores a uma distância segura, não fosse haver mais alguma “irreflectida tomada de posse”), o deputado Ricardo Rodrigues anunciou, quando o caso se tornou público, que apresentou no Tribunal Cível de Lisboa uma providência cautelar contra a revista Sábado e dois jornalistas da mesma publicação.
A entrevista acabou por ser interrompida por Ricardo Rodrigues, que, antes de abandonar a sala, furtou (ou, segundo a terminologia socialista, “tomou posse”) os dois gravadores digitais dos jornalistas.
Na Assembleia da República, o deputado socialista, acompanhado pelo então líder parlamentar e candidato à liderança do partido, Francisco Assis, e por um outro membro da direcção do grupo, Sérgio Sousa Pinto, justificou a sua “tomada de posse” (não como deputado mas como tomador de posse de gravadores alheios) pelo “tom inaceitavelmente persecutório” das perguntas e pelos “temas e factos suscitados, falsos e mesmo injuriosos”.
Em causa, apontou, estavam perguntas relacionadas com a sua “alegada cumplicidade” com clientes que “patrocinou” enquanto advogado e que “foram condenados relativamente a factos de 1997”.
E ainda “injúrias e difamações que estão a ser julgadas no Tribunal de Oeiras”, em que são réus a SIC, a SIC/Notícias e o jornalista Estevão Gago da Câmara.
“Porque a pressão exercida sobre mim constituiu uma violência psicológica insuportável, porque não vislumbrei outra alternativa para preservar o meu bom nome, exerci acção directa e, irreflectidamente, tomei posse de dois equipamentos de gravação digital, os quais hoje são documentos apensos à providência cautelar”, justificou Ricardo Rodrigues.
E é graças também a esta original forma de “tomar posse” do que é dos outros, que Portugal, desceu um monte de lugares no “rating” da liberdade de Imprensa.