VIDA E OBRA DE HITLER NO ENSINO ALEMÃO?

«O escritor Fragata de Morais mostrou-se a favor de uma revisão curricular para se integrar conteúdos sobre a obra de Agostinho Neto no sistema geral de ensino e aprendizagem, referindo-se, como justificação, ao legado de Neto, conhecido, quer pela sua dimensão política, enquanto Fundador da Nação, quer pela sua produção literária como autor de um universo de textos de inestimado valor político-científico e, igualmente, pela veia artística como autor de “notáveis poemas”.

Fragata de Morais afirmou ser preciso avançar-se já por aí, fazendo um apelo aos Ministérios da Cultura, da Educação e do Ensino Superior para que se “debrucem sobre o assunto e definam o que deve ser feito para que, tudo isso, se materialize”. A União dos Escritores Angolanos (UEA), cujo patrono é o Fundador da Nação, também deve incluir esta preocupação na sua agenda.

O escritor, que se pronunciou sobre a “vida e obra de Agostinho Neto”, na segunda-feira, durante uma entrevista ao Jornal de Angola, pontualizou que tem este posicionamento por entender que “António Agostinho Neto deixou um grande legado que não deve ser esquecido, por um lado, e porque, em perspectiva, estamos em presença de um dado histórico, que, por outro lado, deve ser preservado para o bem da Nação e do povo angolano”.

Fragata de Morais, que desempenhou funções políticas pelo MPLA e pelo Executivo como secretário de Estado para a Cultura, referiu que é preciso fazer-se mais pela preservação dos ensinamentos de um intelectual da dimensão de Neto, um verdadeiro humanista, traço com assinalável presença na sua poesia. “Não devemos nos lembrar de Neto, apenas no dia 10 ou no dia 17 de Setembro”.

Segundo Fragata de Morais, para se perceber a dimensão de Neto, bastar votar que e máxima “o mais importante é resolver os problemas do povo”, permanece actual, e, no seu entender, sempre será assim, por implicar um dinamismo. “Isso quer dizer que, por muito bem que este povo, há sempre a possibilidade de se proceder uma melhoria”, enfatizou o escritor. “Esta máxima terá sempre um lugar na nossa sociedade. Mas não significa que terá sempre algo negativo na vida do povo e do país”, sublinhou o interlocutor. Durante a conversa telefónica, Fragata de Morais partilhou recordações pessoais vividas com Fundador da Nação angolana. “Tenho recordações pessoais, porque tive o privilégio de ter conhecido António Agostinho Neto, de me ter oferecido bons momentos, em particular um pouco antes da nossa independência, em Nampula-, Moçambique”, recordou.

Nessa altura, acompanhei Agostinho Neto à cerimónia de proclamação da Independência de Moçambique, a 26 de Julho de 1975. “Na altura, saímos de Nampula e fomos para Maputo, onde a noite de 25 para 26 de Julho, de 1975, foi declarada a Independência de Moçambique, com todo aquele formalismo, com descer da bandeira portuguesa e içar da bandeira de Moçambique, debaixo de uma chuvada terrível”, conta Fragata de Morais.

Em Moçambique, sublinhou, teve lugar o primeiro encontro com Agostinho Neto, seguindo um outro, já em território nacional, Fragata de Morais trabalhava no Ministério das Relações Exteriores. “Então, depois, veio aquele infeliz dia da sua morte prematura, que nos deixou todos órfãos como país”, lamentou, debaixo de uma comoção. “Perdemos o nosso primeiro pai Presidente, o guia e Fundador da nossa Nação. Foi um terrível choque, e tivemos que aprender a viver numa nova perspectiva e dimensão, donde Agostinho Neto já não pertencia”, aflorou.

Fragata de Morais reconhece que a poesia de Neto sempre levou em consideração a alta do ser humano e, sobretudo, a luta pela libertação da pátria e do seu povo. “É uma poesia que tem uma dimensão universal muito grande”, afirmou o escritor, para quem a Agostinho Neto colocou sempre na sua poesia traços que caracterizam vivências como alegria, amor e, porque não, tristeza. “É uma poesia profundamente humanista, que nos toca, assumo, a alma e leva em consideração não apenas a luta do povo angolano, mas dos povos negros e de todo o mundo, sempre com aquela esperança que haverá um amanhã… e se tivermos que chorar, terá que ser sempre com os olhos secos”!»

Texto publicado hoje pelo órgão oficial do MPLA, Jornal de Angola.

UM ASSASSINO QUE É HERÓI (NACIONAL E MUNDIAL) DO MPLA

Em Angola, o Dia do Herói Mundial (que substituirá o Dia do Herói Nacional, designação muito pequena para a amplitude do protagonista) é uma comemoração partidária transformada, por força da ditadura, em nacional angolana e agora em mundial, em memória do nosso maior genocida, do nosso maior assassino, António Agostinho Neto.

Estávamos a 17 de Setembro de 2016. O então ministro da Defesa de Angola e vice-presidente do MPLA, João Lourenço (alguém sabe quem é?), denunciou tentativas de “denegrir” a imagem de Agostinho Neto, primeiro Presidente angolano.

João Lourenço discursava em Mbanza Congo, província do Zaire, ao presidir ao acto solene das comemorações do dia do Herói Nacional, feriado alusivo precisamente ao nascimento de Agostinho Neto.

“A grandeza e a dimensão da figura de Agostinho Neto é de tal ordem gigante que, ao longo dos anos, todas as tentativas de denegrir a sua pessoa, a sua personalidade e obra realizada como líder político, poeta, estadista e humanista, falharam pura e simplesmente porque os factos estão aí para confirmar quão grande ele foi”, afirmou o general João Lourenço, hoje presidente do MPLA, da República (do MPLA) e Titular do Poder Executivo (do MPLA), certamente já perspectivando em guindá-lo a figura de nível mundial que pudesse ombrear (à sua escala) com Adolf Hitler, Joseph Stalin, Pol Pot, Mao Tse-Tung, Kim Jong-il (entre muitos outros).

João Lourenço nunca se referiu ao caso na sua intervenção, mas o Bureau Político do MPLA criticou em Julho de 2016, duramente, o lançamento em Portugal de um livro (mais um) sobre o MPLA e o primeiro Presidente Agostinho Neto, queixando-se então de uma nova “campanha de desinformação”.

Em causa estava (continua a estar, estará sempre) o livro “Agostinho Neto – O Perfil de um Ditador – A História do MPLA em Carne Viva”, do historiador angolano Carlos Pacheco, lançado em Lisboa a 5 de Julho de 2016, visado no comunicado daquele órgão do Comité Central do partido no poder em Angola desde 1975.

“A República de Angola está a ser vítima, mais uma vez, de uma campanha de desinformação, na qual são visadas, de forma repugnante, figuras muito importantes da Luta de Libertação Nacional, particularmente o saudoso camarada Presidente Agostinho Neto”, afirmou o Bureau Político.

Na intervenção em Mbanza Congo, João Lourenço, que falava em representação do seu então querido, carismático e divino chefe, o “escolhido de Deus” e chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, sublinhou que Agostinho Neto “será sempre recordado como lutador pela liberdade dos povos” e um “humanista profundo”.

“Como atestam as populações mais carenciadas de Cabo Verde, a quem Agostinho Neto tratou gratuitamente, mesmo estando ele nas condições de preso politico. É assim como será sempre lembrado, por muitas que sejam as tentativas de denegrir”, afirmou – sabendo que estava a mentir e a ser conivente com um dos mais hediondos crimes cometidos em África – o então ministro da Defesa e hoje Presidente da República.

“Em contrapartida”, disse ainda João Lourenço, os “seus detractores não terão nunca uma única linha escrita na História, porque mergulhados nos seus recalcamentos e frustrações, não deixarão obra feita digna de respeito e admiração”.

“Não terão por isso honras de seus povos e muito menos de outros povos e nações. A História encarregar-se-á de simplesmente ignorá-los, concentremos por isso nossas energias na edificação do nosso belo país”, disse João Lourenço.

Sabendo o que dizia mas não dizendo o que sabe, João Lourenço alinhava (e alinha), “mergulhado nos seus recalcamentos e frustrações”, na lavagem da imagem de Agostinho Neto numa altura em que, como sabe o regime, os angolanos começam cada vez mais a pensar com a cabeça e não tanto com a barriga… vazia.

Terá João Lourenço alguma coisa, séria, honesta e reconciliadora a dizer aos angolanos sobre os acontecimentos ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando milhares e milhares de angolanos foram assassinados por ordem de Agostinho Neto?

Agostinho Neto, então Presidente da República Popular de Angola, deu o tiro de partida na corrida do terror, ao dispensar o poder judicial, em claro desrespeito pela Constituição que jurara e garantia aos arguidos o direito à defesa. Fê-lo ao declarar, perante as câmaras da televisão, que não iriam perder tempo com julgamentos. Tal procedimento nem era uma novidade, pois, na história do MPLA tornara-se usual mandar matar os que se apontavam como “fraccionistas”.

O que terá a dizer sobre isto o agora Presidente da República, general João Lourenço?

Agostinho Neto deixou a Angola (mesmo que o MPLA utilize toda a lixívia do mundo) o legado da máxima centralização de um poder incapaz de dialogar e de construir consensos, assim como de uma corrupção endémica. E os portugueses que nasceram e viveram em Angola, ainda hoje recordam o papel que teve na sua expulsão do país. Antes da independência declarava que os brancos que viviam em Angola há três gerações eram os “inimigos mais perigosos”.

Em 1974, duvidava que os portugueses pudessem continuar em Angola. Em vésperas da independência convidava-os a sair do país. E já depois da independência, por altura da morte a tiro do embaixador de um país de Leste, cuja viatura não parara quando se procedia ao hastear da bandeira do MPLA, dirigiu-se, pela televisão, aos camaradas, para lhes dizer que era preciso cuidado, pois nem todos os brancos eram portugueses.

Em Maio de 1977, não houve pioneirismo, pelo contrário, não tendo Agostinho Neto conseguido massacrar a humilhação passada no Congresso de Lusaka, o primeiro democrático do MPLA, onde o eleito foi Daniel Júlio Chipenda, Agostinho Neto consumou a grande chacina, para estancar, com o temor, uma série de cisões e problemas que calcorreavam incubados, desde a sua chegada ao MPLA, convidado pela anterior direcção.

Esta demonstração de força, serviu para demonstrar, que se o poder fosse posto em causa, a direcção e Agostinho Neto, não teriam pejo de sacrificar com a própria vida todos quantos intelectualmente o afrontassem. Foi assim ontem, é assim hoje, infelizmente, como bem sabe João Lourenço.

Numa só palavra, quando este MPLA sente o poder ameaçado, não hesita: humilha, assassina, destrói, elimina, atira aos jacarés.

É a sua natureza perversa demonstrando não estar o MPLA preparado para perder o poder e, em democracia, com a força do voto se isso vier a acontecer, a opção pela guerra será o recurso mais natural deste partido, não é general João Lourenço?

Em todos os meses do ano nunca devemos esquecer, por força do sofrimento de milhares e dos assassinatos de igual número, das prisões arbitrárias, da Comissão de Lágrimas, da Comissão de Inquérito, dos fuzilamentos indiscriminados, etc..

Muitos acreditaram, em 1979, que com a ascensão de Eduardo dos Santos ao poder, num eventual reencontro com a verdade e com a reconciliação interna, sobre a alegada intentona, que ele próprio sabe nunca ter existido. Infelizmente, não se conseguiu despir da cobardia e cumplicidade, ostentada desde o tempo de Agostinho Neto e da sua clique: Lúcio Lara, Onambwé, Iko Carreira, Costa Andrade “Ndunduma”, Artur Pestana “Pepetela”, entre outros.

Dos Santos mostrou ser um homem que, pelo poder, foi capaz de tudo: violar a Constituição, as leis, humilhar, desonrar e assassinar, todos quantos não o bajulavam. Exemplos para quê, eles estão à mão de semear… nas cadeias, no exílio, nos cemitérios, no estômago dos jacarés. E João Lourenço está a mostrar-se um bom aluno desta cátedra.

“Não vamos perder tempo com julgamentos”, disse no pedestal da sua cadeira-baloiço, um dos maiores genocidas do nacionalismo angolano e da independência nacional, Agostinho Neto. João Lourenço sabe que isto é verdade, mas – apesar disso – enaltece o assassino e enxovalha a memória das vítimas.

Esta posição da lei da força, marcaria para todo o sempre o sistema judicial, judiciário e de investigação policial em Angola, onde a presunção e a defesa de uma ideologia diferente da do partido no poder, são causa bastante para acusação, julgamento, prisão e até mesmo assassinato político, ainda que a pena de morte, não esteja consagrada na Constituição.

Sempre que o regime diz o que agora repete João Lourenço, todos devemos fazer uma viagem de regresso a 1977 para ver como estão as cicatrizes daquele período de barbárie, que levou muitos de nós às fedorentas masmorras da polícia política de Agostinho Neto, ou mesmo aos assassinatos atrozes, como nunca antes o próprio colono português havia praticado contra muitos intelectuais pretos, sendo o próprio Neto disso um exemplo.

Desde 1977 que Angola, o Povo, aguarda pela justiça, mas com as mentes caducas no leme do país, essa magnanimidade de retractação mútua, para o sarar de feridas, não será possível, augurar uma Comissão da Verdade e Reconciliação, muito também por não haver um líder em Angola.

Este texto foi publicado pelo Folha 8 em 21 de Maio de 2021.

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