VENDER ARMAS E FALAR DE DIREITOS HUMANOS

O alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Turk, admitiu hoje ter ficado “verdadeiramente horrorizado” pelo massacre de civis na República Democrática do Congo (RDC), que planeava visitar no próximo ano. A sério? Estranho. Massacre de civis em África com armas fornecidas por países que integram o Conselho de Segurança da ONU? Hum!

Pelo menos 131 civis, incluindo 17 mulheres e 12 crianças, foram arbitrariamente executados a tiro ou facadas no final de Novembro em duas aldeias no leste da RDC, de acordo com uma investigação preliminar da ONU divulgada na quinta-feira.

Existe “uma necessidade real de acabar com estas lutas que estão a acontecer em diferentes partes do país, em particular no Kivu do Norte. São sempre os civis que mais sofrem com isso”, defendeu Volker Turk, em conferência de imprensa hoje realizada em Genebra.

Reconhecendo estar “profundamente preocupado com a situação, especialmente no que diz respeito ao exercício das liberdades democráticas no país”, o alto-comissário defendeu que a RDC “tem de continuar a ser seguida, especialmente do ponto de vista dos direitos humanos”.

Se a tónica é no que não existe na maioria dos países africanos, com o beneplácito dos países donos da ONU (China, EUA, Reino Unido, França e Rússia), direitos humanos, o melhor é a ONU mudar-se com armas e bicuatas para todos os países de África.

Baseada em relatos de testemunhas oculares e tornada pública na noite de quarta-feira pela missão da ONU na República Democrática do Congo (Monusco), a investigação preliminar da ONU acusa o movimento rebelde M23 das execuções e de cometer violações e pilhagens, em 29 e 30 de Novembro, nas aldeias de Kishishe e Bambo.

As autoridades de Kinshasa indicaram na segunda-feira que o número de mortos era de 300, na aldeia de Kishishe, na província de Kivu Norte.

“As vítimas foram executadas arbitrariamente por balas ou com armas brancas”, disse a Monusco, através de uma declaração, que acrescenta que “oito pessoas foram também feridas por balas e outras 60 foram raptadas. Pelo menos 22 mulheres e cinco raparigas foram violadas”.

“A violência foi cometida como parte de uma campanha de assassinato, violação, rapto e pilhagem contra estas duas aldeias em território Rutshuru, em retaliação aos confrontos entre as milícias M23 e as FDLR (Forças Democráticas de Libertação do Ruanda) e outros grupos armados”, afirma a declaração.

A investigação foi conduzida pelo Gabinete Conjunto dos Direitos Humanos da ONU (UNJHRO) e a Monusco, que “entrevistou 52 vítimas e testemunhas directas e várias outras fontes” em Rwindi (a 20 quilómetros de Kishishe), onde se encontra uma base da Monusco e onde as vítimas e testemunhas se refugiaram, afirmou.

Os investigadores não puderam ir a Kishishe e Bambo “devido a restrições de segurança, uma vez que Kishishe é actualmente controlada pelo M23 e ao elevado risco de represálias contra as vítimas e testemunhas ainda presentes na área”, disse a Monusco.

A 1 de Dezembro, o exército congolês acusou o M23 de ter massacrado pelo menos 50 civis em Kishishe, um número rapidamente revisto em alta pelo Governo.

A ONU comemora amanhã, sábado, o Dia Internacional dos Direitos Humanos, dia em que se assinala o aniversário da p da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948.

E A OUTRA FACE DA TRAGÉDIA?

Recorde-se que, em Novembro de 2016, o então ministro das Relações Exteriores de Angola reiterara o claro, inequívoco e musculado empenho do Governo angolano no apoio à República Democrática do Congo para resolver o conflito político que se prolonga há vários meses. Foi em 2016, saliente-se.

“Pensamos que tem que haver o fim da crise na RD Congo, que passa pelo respeito da Constituição tanto pelos diferentes partidos da oposição como pelo Governo”, disse Georges Chikoti à margem de um encontro que manteve com a missão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que se deslocou a Angola, proveniente de Kinshasa, onde permaneceu durante dois dias para ouvir as partes envolvidas no conflito.

Foi fácil dizer aos outros para olharem para o que diziam e não para o que faziam. Em Angola o MPLA, o Governo e o Presidente da República não cumprem a Constituição, mas exigem que o vizinho – sobretudo a oposição – a cumpra. É preciso muito descaramento.

De acordo com Georges Chikoti, os membros do Conselho de Segurança da ONU visitaram Angola como sinal de reconhecimento do papel que o país representava na região, sendo um dos vizinhos mais próximos e mais importantes da RD Congo, com uma fronteira comum de cerca de 2.000 quilómetros.

O então chefe da diplomacia angolana frisou que Angola, como membro da comunidade internacional (quem diria!), pensa que é necessário que o Conselho de Segurança da ONU assuma o papel de trabalhar em coordenação com a região, com a RD Congo, para que possa ajudar este país amigo e servil ao regime de Luanda.

“Um papel em que o Conselho de Segurança de facto jogue o seu papel, assuma as suas responsabilidades com a região, com a comunidade internacional para ajudarmos a RD Congo na base daquilo que são os entendimentos que a oposição e o Governo estão a tentar propor”, disse Georges Chikoti.

Angola, na altura no âmbito da presidência da CIRGL (Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos), dizia ter-se engajado para encontrar soluções pacíficas para resolução de conflitos políticos na RD Congo e que, é claro, mantendo na altura no poder o seu servil amigo Joseph Kabila.

O “diálogo nacional” na RD Congo, onde não participou a oposição, deu “luz verde” a 17 de Outubro de 2016 ao acordo para adiar as eleições presidenciais para 29 Abril de 2018, após várias semanas de contestação na rua.

Dir-se-ia que foi um “diálogo nacional” atípico. Melhor, foi (como outros) um monólogo feito à medida e por medida para que Joseph Kabila se mantivesse no poder e fizesse tudo o que sua majestade o rei de Angola mandasse.

Os mais optimistas e aliados de Luanda disseram na altura que o acordo pretendia manter no cargo o Presidente do país, Joseph Kabila, cujo mandato terminava a 19 de Dezembro de 2016 e que a Constituição proibia de se recandidatar. Na verdade, o acordo unilateral visava exclusivamente manter Kabila no poder.

Esse acordo atípico, ou familiar, previa a criação de um novo Governo, com o posto de primeiro-ministro a ser entregue a uma pessoa da catalogada e pré-fabricada da oposição, mas foi considerado bastante frágil porque o principal grupo da oposição boicotou as negociações.

Na guerra civil na RD Congo, entre 1998 e 2002, Angola e o Zimbabué enviaram tropas para aquele país para apoiar o regime do então Presidente, Laurent Désiré Kabila, pai de Joseph Kabila, que foi assassinado em Janeiro de 2001, contra os rebeldes, apoiados pelo Ruanda, Uganda e Burundi.

Opositores de Kabila presos em Luanda

Recorde-se igualmente, como o Folha 8 noticiou, que o regime angolano prendeu no dia 23 de Outubro de 2016 um grupo de mais de uma dezena de cidadãos da República Democrática do Congo, que se reunia no bairro Palanca, em Luanda, e que pretendia protestar contra a permanência de Joseph Kabila na presidência ou no governo de transição.

No dia 23 de Outubro de 2016, dia em que planeavam fazer acertos finais para o protesto, o grupo foi surpreendido e detido por elementos da Polícia Nacional e dos Serviços de Investigação Criminal (SIC).

Planeavam manifestar-se no dia 26, dia da 7ª reunião de Alto Nível do Mecanismo Regional de Supervisão do Acordo Quadro para a Paz, Segurança e Cooperação na República Democrática do Congo (RD Congo) e na Região dos Grandes Lagos, realizada no Centro de Convenções do Talatona, em Luanda.

O grupo dos cidadãos congoleses-democratas pretendiam demonstrar a sua insatisfação diante dos presidentes que participaram na 7ª reunião, nomeadamente: o anfitrião José Eduardo dos Santos, da RDC, Joseph Kabila, do Congo, Denis Sassou Nguesso, da Zâmbia, Edgar Lungu, do Chade, Idriss Deby, na qualidade de presidente em exercício da União África.

Marcaram também presença, a Presidente da Comissão da União Africana, Nkosazana Zuma, o enviado do secretário-geral da ONU para a região dos Grandes Lagos, Said Djinnit, e representantes de países membros do Conselho de Segurança da ONU.

A maior exigência dos partidos políticos da oposição da RD Congo era a não participação do presidente Joseph Kabila nas próximas eleições, sendo que o mesmo já cumprira com os dois mandatos presidenciais garantidos pela Constituição daquele país.

Esta crise na RD Congo começou em Janeiro de 2015, quando Joseph Kabila pretendia alterar a Constituição daquele país de forma a permiti-lo a concorrer a um terceiro mandato. Na altura, a oposição e o povo protestaram contra tal medida.

Etienne Tshisekedi, o principal opositor de Kabila, acusou-o de recorrer a esse expediente para se manter artificialmente no poder. A posição foi contestada com manifestações violentas que levaram a dezenas de mortes.

Folha 8 com Lusa

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