O líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, maior partido da oposição que o MPLA ainda permite (porque lhe dá jeito para fingir que em Angola existe uma democracia), aconselhou hoje o Governo do MPLA, “que tem o modelo moçambicano como aquele que mais o inspira”, a seguir Cabo Verde para as eleições autárquicas, que devem acontecer em 2023.
O posicionamento de Adalberto da Costa Júnior foi expresso na abertura da II reunião ordinária da Comissão Política da UNITA, que decorre em Viana, província de Luanda.
“As autarquias devem ser realizadas e devem ser realizadas em 2023. Não é uma promessa minha, não! Nós fizemos essa promessa e alguém nos seguiu e nós não combinamos para que fossemos seguidos nesse tipo de promessas e temos aquelas promessas que não são só nossas, são também de quem hoje está sentado na cadeira da governação”, disse o presidente da UNITA.
O Presidente angolano, enquanto candidato do MPLA, partido no poder há 47 anos, às eleições gerais angolanas, a 24 de Agosto passado, comprometeu-se a realizar as primeiras eleições autárquicas no seu segundo mandato, depois da voluntariamente falhada a tentativa de 2020.
Segundo Adalberto da Costa Júnior, a UNITA não se vai cansar de trabalhar para a realização das autarquias, apesar de o Governo estar “a deixar uma mensagem de que não têm pressa”.
“As autarquias não são uma questão de pressa, são uma questão de necessidade, necessidade capital. Nós não temos condições de arrumarmos devidamente o país que temos, de correspondermos à esperança de empregabilidade, de desenvolvimento, de segurança, de educação, de energia, de boa estradas, se não tivermos os municípios com legitimidade do cidadão, eleitos os seus dirigentes”, frisou.
Adalberto da Costa Júnior lembrou que o poder autárquico é um governo autónomo e complementar, “que assusta os regimes ditatoriais, que não respeitam a democracia”.
O político salientou que as autarquias devem ser implementadas em simultâneo em todo o país, assunto que é fracturante (como todos os que possam retirar, ou diminuir, o poder do MPLA) na aprovação do pacote legislativo autárquico.
“Porque já estamos a perceber que o formato e o caminho que nos querem trazer em novas partilhas administrativas e outras que tais, são em parte o contorno da realização das autarquias locais em simultâneo em todos os municípios do nosso país”, observou.
“Deixemos de ter a criatividade, porque não é positivo ter criatividade para negar direitos de cidadania, ter a criatividade para fazer aquilo que fez Moçambique, que tem o poder local há quase 30 anos e não tem autarquias locais na sua funcionalidade efectiva e plena e nem em todo o país”, acrescentou.
De acordo com Adalberto da Costa Júnior, o MPLA quer seguir o modelo moçambicano, mas, aconselhou, “sigam Cabo Verde, onde o Governo tem enviado tantas delegações”.
“É o contexto africano e é um modelo de democracia que deve ser seguido, que teve a coragem em dificuldades e em pobreza de realizá-las em simultâneo em todo o país e ambiente democrático e estão lá os resultados. Os níveis de desenvolvimento adquirido, de dignidade adquirida, de escolaridade consentida e de respeito que tem hoje de todo o mundo”, frisou.
MESMO QUE CORRECTAS, AS PALAVRAS NÃO ENCHEM BARRIGA
No dia 15 de Janeiro de 2021, Adalberto da Costa Júnior disse que a corrupção em Angola “tem sede e alicerces sólidos no MPLA”, partido no poder há 47 anos. A repetição desta verdade (e nunca é demais repetir verdades) foi feita na abertura do ano político, consagrado à “mobilização dos patriotas para a alternância do poder”.
O político sublinhou que o país tem uma Lei da Alta Autoridade Contra Corrupção, aprovada em 1996, e há 24 anos que este diploma legislativo não era posto em prática. Tudo porque se fosse posto em prática o MPLA acabaria. É por isso que o partido que, desde 1975, teve três presidentes (Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos e João Lourenço) assina convenções, acordos, protocolos etc. sem qualquer contestação. Como nada é para cumprir…
Adalberto da Costa Júnior acusou os dirigentes do MPLA de impedirem “a implementação de tão importante instrumento legal de combate à corrupção” porque “atenta e ameaça os interesses de quem governa e os do seu partido, que é o promotor da corrupção” no país. Reconheça-se que não é fácil liderar o ranking dos partidos com mais corruptos por metro quadrado.
O dirigente máximo da UNITA criticou o “abuso da contratação pública por ajustes directos e simplificados” que vão ocorrendo nos últimos tempos, apelando ao Presidente da República (não nominalmente eleito) para acabar com este “vício, que tantos danos e prejuízos acarreta ao país”.
Segundo Adalberto da Costa Júnior, só em Dezembro de 2019 foram anunciados mais contratos por ajuste directo do que o valor total da assistência do Fundo Monetário Internacional (FMI) a Angola. Mas onde é que está o mal? Se, como todos sabem, o MPLA é Angola e Angola é (d)o MPLA, não há necessidade de transparência. Aliás, quanto mais opaco for o regime mais fácil é negociar com os organismos internacionais, seja o FMI ou o Banco Mundial.
“É só somar o valor atribuído à Omatapalo e à Griner para a conclusão da barragem de Caculo Cabaça, no valor de 4,5 mil milhões de dólares [3,7 mil milhões de euros], o valor do Terminal Oceânico da Barra do Dande, de 700 milhões de dólares [576 milhões de euros], entre outros”, indicou o líder da UNITA.
Embora se enalteça a coragem de Adalberto da Costa Júnior (entre outros), importa dizer que é por estas e outras verdades que um dia destes o MPLA vai fazer com que a UNITA deixe de ser o maior partido da oposição. E, na circunstância, não será preciso fazer com que os dirigentes do Galo Negro choquem com uma bala. Basta pô-los (por confisco das suas fontes de rendimento) a pão e água, a mandioca ou a farelo.
Adalberto da Costa Júnior considerou tais contratos “um enorme escândalo que a Procuradoria-Geral da República assiste e consente”. Se as ordens superiores são para assistir e consentir, se a PGR é uma sucursal do MPLA, que mais poderá fazer?
“Não é possível pretender credibilidade continuando a evitar concursos públicos transparentes e insistir nestes métodos absolutamente não transparentes”, frisou o líder da UNITA, admitindo-se que o Presidente do MPLA se farta de rir com estas investidas da UNITA.
Ainda sobre a corrupção, Adalberto da Costa Júnior disse que o projecto de lei sobre o Regime Extraordinário de Repatriamento Patrimonial que a UNITA submeteu ao Parlamento (do MPLA), e contra o qual votou a maioria parlamentar do MPLA ainda é actual e continua a ser necessário ao país, “pois o que existe hoje não está a trazer resultados concretos a Angola”. Não está a ter resultados concretos para o país, mas esse não é o objectivo. O objectivo é ter resultados concretos para o MPLA. E esses não falham.
De acordo com o líder da UNITA, todos os anúncios de recuperação feitos pelo Governo angolano até agora são “propaganda institucional”.
“A PGR que tenha coragem de publicar os valores de repatriamento em espécie, portanto, em dinheiro resultante dos seus actos à sombra da lei do Repatriamento Coercivo. E desde já chamo a atenção para não nos pretender enganar com os dinheiros do Fundo Soberano, que têm sido erradamente apresentados como recuperação de capitais e, na verdade, não o são. Também é do interesse público a avaliação real do património recuperado internamente”, disse Adalberto da Costa Júnior.
O líder da UNITA garantiu que o projecto legislativo rejeitado permitia ao Estado receber uma percentagem, enquanto o autor do desvio, ao trazer os fundos, ficaria com outra percentagem e estaria obrigado a realizar investimento interno, proporcionando emprego e potenciando a dinâmica económica.
“Com o espírito de perseguição de uns e de protecção aos amigos, Angola arrisca a perder por completo a recuperação efectiva de fundos milionários de que tanto carece e isto por responsabilidade total de quem governa”, realçou.
Sobre as eleições autárquicas, que estiveram previstas para anos diferentes, sendo o último em 2020, mas foram e são adiadas até que o MPLA tenha a certeza de que vai arrasar a oposição, Adalberto da Costa Júnior disse que a sua institucionalização constitui uma imposição constitucional e o contrário é “uma violação da Constituição por omissão”.
Adalberto da Costa Júnior frisou que, em 2002, já era prevista a realização de eleições locais, mas o MPLA “negou esse direito aos angolanos”, mesmo oito anos passados da aprovação da Constituição de 2010. Mas desde quando é que os angolanos têm direitos?
“Cada ano sem a realização das autarquias, está-se a violar a Constituição. E quem deve ser o maior guardião da Constituição? O Presidente da República. Mesmo o gradualismo que a Constituição de 2010 prevê já teve tempo de se concretizar”, comentou o líder da UNITA, realçando que a continuada violação desse direito são “os interesses do MPLA, contra os interesses de Angola e dos angolanos”. Não. Nada disso. Angola e angolanos são apenas e só o que o MPLA quiser.
No seu discurso, caracterizado por um retrato das áreas sociais e económicas do país, Adalberto da Costa Júnior falou da necessidade de reforma da administração eleitoral, apelando a uma paridade de representação dos partidos políticos na Comissão Nacional Eleitoral (CNE).
Para o líder da UNITA, cada partido deverá ter apenas um representante, trazendo assim a transparência “a um processo tão delicado”. Novamente transparência? Isse começa a ser abuso. O máximo que o MPLA aceita é trocar a sua gestão opaca por uma gestão baseada na… opacidade.
“Nós temos uma Comissão Nacional Eleitoral, um comité de especialidade do partido de regime, com uma maioria absoluta de membros a auto decidir sobre eleições e a barafustar sobre o acesso à partilha das centenas de milhões de dólares do orçamento das eleições”, referiu.
“Nunca deveria ser permitido que os membros do Governo, juízes, os membros da CNE negociassem em matéria em que têm competências para decidir. As leis angolanas não permitem, mas é isto que tem acontecido e minado a transparência dos processos eleitorais”, acrescentou Adalberto da Costa Júnior.
Na verdade, há muito que Jonas Savimbi avisava: “Vocês estão a dormir e o MPLA está a enganar-vos”. Hoje, a UNITA continua a dormir. Ao que parece, continua a estar solidária com quem come mandioca desde que isso não implique deixar de comer lagosta.
Folha 8 com Lusa