UM LEONARDO QUE JULGA SER LEOPARDO

Honrando as ordens superiores de João Lourenço em prol da liberdade de expressão, uma coisa chamada Tribunal Supremo (TS) angolano demitiu o coordenador da comissão instaladora do sindicato dos funcionários judiciais daquele órgão, Domingos Feca, por criticar o poder jurídico angolano e considerar que o mesmo está envolvido, em sentido figurado, em “prostituição”, segundo fonte oficial.

De acordo com a certidão de despacho punitivo do TS angolano, Domingos Feca foi constituído arguido na sequência de um processo disciplinar instaurado contra si.

O TS angolano refere que o jurista, também escrivão de direito de 2.ª classe, publicou, de 26 de Agosto a 15 de Setembro de 2022, através da sua conta da rede social Facebook, “acusações infundadas e insinuações que descredibilizam” o poder judicial do país.

“Quando o poder político leva para a cama o poder judicial o resultado é este: aberração e excremento jurídico. Quando o poder político paga para se envolver com o jurídico, isto é que é mesmo… prostituição”, escreveu o líder sindical, uma publicação reproduzida pelo Supremo angolano como base da acção disciplinar.

Com isso, observa-se no documento, datado de 7 de Novembro de 2022 e com anuência do juiz presidente do TS angolano, Joel Leonardo, “infere-se que o direito à liberdade de expressão não é um direito absoluto, ele submete-se a restrições”.

De acordo com Vital Moreira e Carla de Marcelino, argumenta-se no despacho, “tais restrições visam salvaguardar a segurança nacional e a ordem pública, o que podem ser abaladas com ofensas, acusações infundadas, insinuações acabando por descredibilizar as instituições públicas visadas”.

Analisadas as propostas do instrutor do processo em relação à medida a aplicar, “face à gravidade da infracção cometida e considerando as circunstâncias agravantes, aplico-lhe a medida disciplinar de demissão, prevista na Lei de Base da Função Pública”, refere-se ainda no despacho.

Como o Tribunal Supremo não sabe o que significa “sentido figurado”, recordamos – sem que, presumimos, isso signifique um atentado à segurança nacional – que quer dizer “alegórico, metafórico; imaginado, suposto; representado”.

UM LEONARDO QUE SE JULGA LEOPARDO

Recorde-se (sem que, presumimos, isso signifique um atentado à segurança nacional) que o juiz conselheiro do Tribunal Supremo (TS) e jubilado pelo Tribunal Constitucional (TC), Agostinho Santos, tem vindo a intentar várias acções judiciais junto das autoridades (supostamente) competentes desde 2020, na sequência do concurso para a CNE e queixa-se de “denegação da justiça”.

O magistrado judicial pediu, em Maio, a restituição dos 47 pontos que lhe terão sido “ilegalmente retirados” pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) angolano, nas vestes de entidade organizadora do concurso curricular.

O candidato vencedor e escolhido Manuel Pereira da Silva “Manico” foi designado (imposto), em 2020, como vencedor deste concurso e é actualmente o presidente da CNE, um concurso que para Agostinho Santos esteve eivado de “vários vícios”.

O juiz conselheiro do TS e candidato ao concurso apelou à intervenção do Presidente João Lourenço (igualmente Presidente do MPLA, partido no Poder há 47 anos), na qualidade de mais alto magistrado da nação, “para que se faça justiça, restituindo ao recorrente os 47 pontos que lhe foram ilegalmente retirados”.

“Apelamos igualmente ao Presidente da República que faça uso da influência da sua magistratura, enquanto guardião da Constituição e da lei, para que se cumpram com os princípios, normas e valores plasmados na Constituição da nossa República”, afirmou.

“Não permitindo que um órgão tão importante como a CNE seja dirigido por alguém que não tenha vencido o referido concurso curricular, no caso em apreço, o senhor Manuel Pereira da Silva”, frisou.

Agostinho Santos disse também acreditar na justiça angolana, descartou recurso a órgãos internacionais, e aguarda por um pronunciamento do CSMJ sobre os pontos que lhe foram subtraídos no âmbito do concurso.

Para o juiz recorrente, a julgar pelo histórico das “eleições” angolanas, desde 1992 a esta parte, “seria socialmente prudente e politicamente recomendável, porque defensável, que as eleições gerais previstas para Agosto próximo, o primeiro a ser organizado na égide de João Lourenço, eleito em 2017” na sua qualidade de cabeça-de-lista do MPLA, “reúna os pressupostos de lisura, imparcialidade e transparência”.

“De modo a evitar que os seus resultados sirvam de fundamento de instabilidade social, política e, consequentemente, de isolamento internacional do Estado angolano”, salientou.

O concurso curricular para provimento do cargo de presidente da CNE, promovido pelo CSMJ, em 2019, foi homologado em 25 de Janeiro de 2020.

O juiz Manuel Pereira da Silva foi empossado, pelo Parlamento angolano, como presidente da CNE, em 19 de Fevereiro de 2020, no meio de muitos protestos da oposição e da sociedade civil (como o Folha 8 profusamente noticiou e analisou) que o acusam de “falta de idoneidade moral e legal” para o cargo.

O Venerado Juiz Agostinho Santos afirmou que foram surpreendidos com um processo disciplinar, intentado por um grupo de colegas do tribunal constitucional(já citados acima), tendo culminado com a medida disciplinar de suspensão de serviço, por um período de 180 dias, com a perda total da remuneração e antiguidade, incluindo a proibição de acesso as instalações do Tribunal Supremo e do próprio Conselho Superior da Magistratura Judicial.

No entender de Agostinho Santos, estando Angola num processo de transição política visando a construção de um Estado democrático e de direito, “cuja alma se reflecte nos processos eleitorais que devem ser realizados com transparência e verdade eleitoral”, Manuel Pereira da Silva, “presidente putativo da CNE, não deve continuar ilegítima e ilegalmente à frente dos destinos deste órgão”.

Porque, justificou, “além de não ter legalmente ganho o concurso curricular, também não preenche os critérios de probidade pública, idoneidade cívica e moral, previstos na lei competente, a julgar pela prática de actos ocorridos durante a sua passagem pela comissão provincial eleitoral de Luanda”.

Segundo Agostinho Santos, o presidente do TS e do CSMJ, nada mais nada menos do que Joel Leonardo, “mentiu” (nada mais nada menos do que isso: “MENTIU”) à Assembleia Nacional e ao Presidente angolano ao ter remetido uma carta de homologação do concurso quando este já havia recorrido dos resultados.

O juiz jubilado do TC angolano reafirmou que a CNE “é uma instituição nobre” e que a “paz, a estabilidade política, económica, social dependem substancialmente dos resultados eleitorais”, referindo que as eleições “são a alma do Estado democrático e de direito e não podem ser falseadas”.

Para não serem falseadas, argumentou, as pessoas à frente do processo “têm de ser idóneas, porque é com pessoas idóneas que os processos são credibilizados, tem de ser credível o processo eleitoral”.

“E não parece razoável que alguém pense que com o currículo do actual presidente putativo da CNE não desconfiara dos resultados, porque o ‘Manico’ é uma pessoa que nem sequer devia ser admitido no concurso”, rematou o juiz Agostinho Santos.

Na sequência das suas acções judiciais sobre o caso, Agostinho Santos esteve suspenso da sua actividade durante 180 dias, com perda total da remuneração, e “proibido” de aceder às instalações do TS e do CSMJ, em Luanda.

Folha 8 com Lusa

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