A tradição vitícola do Namibe remonta ao tempo colonial, quando foi identificada como uma região de elevado potencial. Sendo proibido a produção de vinhos, apenas a uva de mesa se podia cultivar, para não fazer concorrência aos vinhos que vinham de Portugal.
Das vinhas plantadas pela família Malheiro Múrias, nos solos franco arenosos das margens do Rio Bero, no limite do deserto do Namibe e temperadas pela brisa da corrente fria de Benguela, com o cultivo cuidadoso das castas Touriga Nacional, Touriga Franca, Aragonês e Sousão, que nasce o carácter único do Vale do Bero.
Assim, unindo a estrutura e o vigor da vindima de Verão à elegância e frescura da vindima de Inverno, nasce este vinho, que é a expressão do “terroir” da Fazenda Cruz que teve início há sensivelmente 20 anos, onde o produtor, a Família Malheiro Múrias, decidiu responder a um desafio de um amigo de longa data, adquirindo uma fazenda para o desenvolvimento de um projecto agrícola.
Em 2020 começou a ser produzido em 2020 um vinho “especial” que quer saltar as fronteiras angolanas e tentar a sua sorte “brevemente” em Portugal.
O empresário agrícola começou por uma experiência com olival — ainda sem sucesso – e virou-se para o vinho há cerca de quatro anos, apostando em castas portuguesas, “as que fazem mais sucesso no mercado angolano”, relata o jovem Filipe Madeira, sobrinho do proprietário e actual director adjunto da fazenda da família Malheiro Múrias.
“Fomos em busca de castas portuguesas porque os angolanos têm preferência por vinhos portugueses, temos Touriga Franca, Touriga Nacional, Sousão e Aragonez”, detalha, acrescentando que cultivam também variedades de uva de mesa.
A fazenda tem 24 hectares – juntar-se-ão em breve mais quatro – e é atravessada pelo rio Bero, o maior desta província angolana do sul.
O leito do rio, seco por esta altura, só volta a encher quando vierem as chuvas a sério, inundando as magras plantações de alguns camponeses que ali instalam as suas lavras.
O calor do deserto, os solos arenosos e as correntes frias de Benguela conferem um ‘terroir’ característico às vinhas do Vale do Berro, cujas qualidades foram trabalhadas pelo enólogo Mário Andrade para a produção do vinho, aponta Filipe Madeira.
“É uma referência no sector e que está aqui por amor”, porque, sublinha o responsável, “para produzir vinho tem de ser por amor”.
Graças às características climáticas e à luz, as uvas são vindimadas duas vezes por ano – em Fevereiro e em Julho/Agosto – e o vinho estagia depois entre oito a nove meses antes de ser engarrafado.
Actualmente, são produzidas cerca de 100 mil garrafas de vinho por ano, que começaram a sair para o mercado em 2020. Por enquanto, são totalmente absorvidas pelo mercado angolano, mas a exportação está nos planos do produtor.
Filipe Madeira destacou que o vinho tem tido bom acolhimento em Portugal e acredita que, apesar da forte concorrência dos vinhos portugueses, também haveria mercado para o vinho angolano, que considerou que vai despertar curiosidade nos consumidores.
“Portugal está certamente nos nossos planos. Foi lá que nasceu a ideia e é de lá que vêm as castas”, adiantou, acrescentando que o projecto foi desenvolvido por especialistas sul-africanos “com muita experiência no sector” que têm transmitido o seu ‘know how’ aos trabalhadores angolanos.
Sem adiantar datas para a chegada do Vale do Bero ao mercado português, admitiu que “será em breve”, até porque o produto tem encontrado receptividade.
“As pessoas viajam e querem levar uma caixa, duas caixas, e cada vez que levam para provar o ‘feedback’ é positivo. Quando sabem que é um vinho produzido em Angola, no deserto, ficam com curiosidade”, salientou o empresário.
Para poderem aumentar a produção, querem aliciar outros fazendeiros para iniciarem também o plantio de vinhas. “Queremos que nos vendam a uva, para ganhar escala e volume”, realçou Filipe Madeira.
Outra das ideias que está a ser amadurecida é a promoção do enoturismo: “Queremos construir uns ‘bungalows’ e organizar umas provas para receber turistas”, disse o responsável, sublinhando o potencial da região, conhecida pelo deserto e pelas praias.
Os proprietários já investiram cerca de cinco milhões de dólares no projecto – fundos próprios, salientou Filipe Madeira – mas, por enquanto, as vendas ainda não compensam os gastos. Ainda assim, assegurou: “O negócio está a correr bem, melhor do que esperávamos”.
O director adjunto da empresa lamentou, por outro lado, as dificuldades criadas pela banca no acesso ao crédito, que entravam o desenvolvimento do Vale do Bero, que actualmente emprega cerca de 50 pessoas e que vai juntar em breve mais quatro hectares à sua área de produção.
“Só estamos à espera do material da África do Sul para aumentar a vinha, as terras já estão preparadas”, afirmou Filipe Madeira.
“O Namibe já era uma terra de vinho e de uvas e não queremos deixar isso morrer”, sublinhou o empreendedor, destacando que as garrafas são também produzidas em Angola.
E concluiu: “Queremos dar um contributo para a economia do país”.
Folha 8 com Lusa