TUDO SOBRE RODAS, A NÃO SER QUE…

Em Angola, o regulamento sobre a organização e funcionamento do centro de escrutínio nacional determina que os sistemas de comunicação e de transmissão de dados devem permitir a centralização automática dos resultados eleitorais, a “certificação da inviolabilidade” e interferência externa. A não ser que…

O instrumento jurídico, publicado em Diário da República na terça-feira, refere que os sistemas de comunicação devem também impedir acessos indevidos e garantir a segurança das aplicações, dos equipamentos às instalações e das pessoas envolvidas no apuramento dos resultados eleitorais. A não ser que…

A CNE – Comissão Nacional Eleitoral (sucursal do MPLA) é a entidade que tutela o centro de escrutínio nacional, estrutura de nível nacional para onde convergem todas as actas sínteses, demais documentos e informações para efeitos de apuramento nacional.

Para efeitos de apuramento dos resultados na assembleia de voto, refere o regulamento, “a mesa de voto é o centro de escrutínio de base”.

O presidente da CNE, Manuel Pereira da Silva “Manico”, é o coordenador geral do centro de escrutínio nacional, cuja estrutura compreende também uma coordenação técnica e um grupo técnico.

Princípios da legalidade, da segurança, da confidencialidade, do cumprimento dos prazos, da não ingerência, da proporcionalidade, da eficácia e eficiência, da celeridade, da divulgação preliminar e definitiva dos resultados norteiam o funcionamento deste órgão. A não ser…

Angola realiza as quintas eleições gerais da história política do país na próxima quarta-feira, 24 de Agosto, a que concorrem oito forças políticas e estão inscritos 14 milhões de eleitores (incluindo mais de 2 milhões de mortos), de Angola e do exterior.

Pela primeira vez o sufrágio angolano vai contar com um centro de escrutínio próprio, instalado – como não poderia deixar de ser na nova sede da sucursal do MPLA (CNE), inaugurada em 26 de Maio de 2022 pelo Presidente da República, João Lourenço, pelo Presidente do MPLA (João Lourenço), pelo Titular do Poder Executivo (João Lourenço) e – para que ninguém se esqueça – pelo Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, João Lourenço.

Segundo o estatuto, as tecnologias a utilizar nas actividades de apuramento “são confirmadas e certificadas por auditor independente”, seleccionado, escolhido e comprado pelo MPLA.

O instrumento legal estabelece igualmente requisitos de segurança para entrada, circulação e permanência de pessoas, incluindo os comissários nacionais, no centro de escrutínio, feita apenas através de passes de acesso emitidos pela CNE/MPLA.

Mandatários de partidos políticos, observadores e jornalistas, devidamente credenciados, “podem ter acesso” ao centro de escrutínio nacional. A não ser…

As actas sínteses das assembleias de voto, relatórios das comissões provinciais eleitorais sobre a reapreciação e resolução dos boletins de votos reclamados, boletins de voto reclamados que não tenham sido resolvidos nas respectivas comissões provinciais eleitorais e boletins de voto considerados nulo constituem elementos de apuramento nacional.

Juízes conselheiros do Tribunal Constitucional (mais uma das sucursais do MPLA) e membros do corpo diplomático acreditado em Angola visitaram o Centro de Escrutínio Nacional, em Luanda. O porta-voz da CNE, Lucas Quilundo, considerou que a visita “é mais uma demonstração da abertura e transparência do processo eleitoral”.

Secções de gravação, de verificação, de incidências e um “call center” fazem parte ainda da estrutura do Centro de Escrutínio Nacional.

2017. Tumultos no Centro de Escrutínio Nacional

Escrevia o Folha 8 no dia 24 de Agosto de 2017: «À Redacção do Folha 8 acabam de chegar várias denúncias provenientes do Centro de Escrutínio Nacional das eleições de Angola, localizado no Centro de Convenções de Talatona (CCT), dando conta que estão a impedir a entrada de certos Delegados de Lista dos partidos políticos da oposição, sobretudo, os presidentes de Mesas de Voto das mesmas organizações políticas.

“Estão a ser impedidos de participar directamente na sala de contagem de boletim”, denunciou um dos Delegados de Lista no local.

O Centro de Escrutínio Nacional é a estrutura da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), onde convergem as actas, votos, documentos e informações fornecidos pelas Comissões Provinciais Eleitorais.

Nas redes sociais surgem cada vez mais críticas contra a morosidade na divulgação dos primeiros resultados provisórios, por parte da CNE, tendo-se passado mais de 24 horas desde que decorreu o início da votação.

A nível nacional, a votação culminou às 18 horas de ontem, tendo a CNE, através da sua porta-voz, Júlia Ferreira, anunciado que 1.310 eleitores de 15 Assembleias de Voto das províncias do Moxico, Lunda Norte e Benguela vão votar apenas no próximo sábado, dia 26 de Agosto.

O governo aumentou a segurança Centro de Escrutínio Nacional, proibindo os agentes de usar telemóveis ou tirar fotografias, bem como não permitir que às pessoas fotografar num raio de 100 metros.

Nos dias anteriores, os agentes da Polícia Nacional que prestavam serviços ao Centro de Escrutínio Nacional estavam apenas equipados com porretes mas hoje estão munidos de armas do tipo: Uzi e mini uzi.

A instituição também foi reforçada com agentes do Serviço de Inteligência Nacional e Segurança do Estado (SINSE).»

CNE CONTRATOU MERCENÁRIOS APÁTRIDAS

Em Maio deste ano, a UNITA denunciou a existência de cerca de 15.000 “supervisores logísticos estranhos” às eleições cuja “idoneidade, nacionalidade e identidade são”, supostamente, “desconhecidas” pela CNE.

“Estas pessoas, que totalizam cerca de 15.000, são designadas no caderno de encargos por ‘supervisores logísticos’. A sua nacionalidade, identidade e idoneidade não são conhecidas. Consequentemente, não podem ser civil e criminalmente responsáveis pelos actos praticados no exercício das suas actividades”, afirmou na altura o presidente do grupo parlamentar da UNITA, Liberty Chiyaka.

Segundo o líder parlamentar da UNITA, a solução tecnológica aprovada pela CNE para a organização e gestão das eleições gerais, gerida pela empresa Indra, “está viciada”.

A solução tecnológica “inclui uma provisão que permite a execução e controlo de competências-chave e não delegáveis da CNE, por pessoas que não são comissários da CNE e não são comissários do órgão eleitoral”.

Os cerca de 15.000 “supervisores logísticos”, referiu Liberty Chiyaka, “não pertencem ao quadro de pessoal da CNE, não são membros das mesas de voto, não são agentes de educação cívica, não estão vinculados à CNE e não são pagas directamente pela CNE”.

Aludindo ao caderno de encargos da CNE, no quadro das eleições gerais, o político da UNITA disse que a participação das referidas pessoas no processo eleitoral assenta em 12 factos.

“Não são recrutados pelos serviços competentes da CNE, controlam os processos de votação, apuramento e de transmissão dos resultados, transportam das urnas, os boletins de voto e as actas já preenchidas e não estão subordinados ao presidente da CNE”, salientou.

Os referidos “supervisores logísticos” terão igualmente a missão de “controlar a custódia e a distribuição da logística eleitoral sensível, monitorar as assembleias de voto, desde o início da distribuição logística do material eleitoral até ao dia da votação”.

Estes “não pertencem ao conjunto de cerca de 3.111 comissários eleitorais designados pela Assembleia Nacional na base dos critérios de idoneidade cívica e moral, probidade e competência técnica, sob proposta dos partidos políticos e coligações com assento parlamentar”.

O “seu programa de formação é concebido pela Indra, mas também não está vinculado, reportam a sua actividade directamente a entidades indeterminadas no Centro de Escrutínio Nacional e são pagos directamente pela entidade co-contratante, que é um ente não residente cambial, que recebe em moeda estrangeira”, realçou Liberty Chiyaka.

Liberty Chiyaka frisou também que “contrariamente ao que a lei exige para os comissários eleitorais e para os trabalhadores temporários da CNE, os nomes dos supervisores logísticos não são publicados e a sua selecção não obedece aos princípios da imparcialidade, competência e idoneidade cívica”.

“Conclui-se assim, que os ‘supervisores logísticos’ são pessoas que a CNE não conhece e nem controla, não estão vinculados à CNE nem à entidade co-contratante ao abrigo do concurso público sobre a aquisição de serviços tecnológicos e logísticos”, notou.

“Ao transferir para desconhecidos, de forma velada, uma competência exclusiva que lhe foi atribuída por lei, a CNE viola ostensivamente a Constituição da República de Angola e pisoteia os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, diz Liberty Chiyaka.

Se esta situação “não for imediatamente corrigida”, observou, “quem é que estará a descredibilizar as eleições mesmo antes de elas ocorrerem”, questionou o político da UNITA.

Liberty Chiyaka apresentou na altura o que considerou de “violações da Constituição e da lei por entes públicos e atentados à transparência e a verdade eleitoral” e alertou igualmente sobre “outros perigos” que “ameaçam a lisura e a transparência do processo eleitoral, nomeadamente a corrupção eleitoral, que está em curso, doações ou ofertas susceptíveis de representar uma espécie de compra de voto”.

“Hoje, verificamos que o partido dirigido pelo senhor Presidente da República tem promovido, directa e indirectamente a corrupção eleitoral. Funcionários públicos têm sido forçados e coagidos a tomar parte de actos partidários dirigidos pelo presidente do MPLA, partido no poder”, assinalou.

Folha 8 com Lusa

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