SÓ SE ANGOLA FOSSE UM ESTADO DE DIREITO

A UNITA requereu ao Tribunal Constitucional (TC) que seja declarada a ineficácia da acta dos resultados eleitorais definitivos aprovada (por ordem do MPLA) no dia 28 de Agosto e que a Comissão Nacional Eleitoral (CNE, sucursal do MPLA) seja intimada a admitir as suas reclamações.

Segundo a providência cautelar, a UNITA – que segundo a CNE obteve 43,95% dos votos (90 mandatos) contra 51,17% do MPLA (124 mandatos) -, contesta os resultados e diz ter apurado um número de mandatos distinto do que foi divulgado pelo órgão do MPLA (CNE) responsável pelo simulacro eleitoral angolano.

A providência contra a CNE refere que o mandatário da UNITA, David Horácio Junjuvili, presente na reunião de 28 de Agosto onde foi aprovada a acta do apuramento nacional definitivo das eleições, realizadas a 24 de Agosto, “inconformado com os resultados”, quis que a sua reclamação constasse em acta, o que não aconteceu.

“Inesperadamente, foi-lhe coarctado o exercício do referido direito com o fundamento, alegadamente de que era intempestiva a sua pretensão”, refere o documento, que deu entrada no Tribunal Constitucional (outra sucursal do MPLA).

Na providência cautelar, a UNITA argumenta que “a CNE desatendeu” o respeito pelo exercício dos direitos e liberdades fundamentais e o cumprimento dos deveres constitucionais e legais, sendo “ilegítimos e criminalmente puníveis a tomada e o exercício de poder político, com base em meios violentos ou por outras formas não previstas nem conformes na Constituição”.

Sublinham ainda que “o exercício do poder político carece de legitimidade e que “a reclamação da UNITA sobre os resultados eleitorais, sobre os quais a CNE atribuiu incorrectamente mais mandatos à candidatura do MPLA, deve ser rigorosamente atendida”.

“A não admissão da reclamação”, salienta ainda o documento, “pode provocar lesão grave e de difícil reparação na esfera jurídica da candidatura da UNITA e também transversal ao próprio Estado, sendo que está aqui em causa o exercício do poder político”.

A providência cautelar questiona ainda o interesse da CNE em apressar a publicação dos resultados eleitorais definitivos: “Sabe Deus o porquê de tanta pressa, visto que a CNE não é parte interessada na disputa do poder político”, conclui. A CNE não é, legalmente, “parte interessada”, mas o seu patrão, o MPLA, é. Portanto…

Num outro recurso entregue ao TC, a UNITA apresentou alegações sobre o que considera serem actos eleitorais ilegais, “que devem ser nulos” e poderão levar à anulação das eleições gerais de 24 de Agosto.

“Apontamos, no requerimento, a ilegalidade de actos que devem ser considerados nulos e a nulidade leva automaticamente à anulação. Quem tem que fazer a anulação [das eleições] é o tribunal”, disse hoje à Lusa uma fonte próxima à direcção da UNITA.

O TC do MPLA anunciou na sexta-feira que a UNITA e a CASA-CE, ambos na oposição, apresentaram recursos relativos ao processo eleitoral junto daquela instância, mas nenhum deles relativo à anulação das eleições.

“O tribunal recepcionou no final da tarde de ontem [quinta-feira] duas reclamações, dois requerimentos que dão início ao contencioso eleitoral, um da UNITA e outro da coligação CASA-CE”, disse a porta-voz do TC, Aida Gonçalves.

Sobre um eventual pedido de anulação das eleições, o director do gabinete dos partidos políticos do tribunal, Mauro Alexandre, indicou que, dos processos que deram entrada, nenhum deles faz referência em termos de pedidos formulados à anulação de eleições gerais, mas não especificou o seu conteúdo.

A UNITA exige que a CNE (se para tal for autorizada pelo MPLA) compare as actas das assembleias de voto na sua posse com as atas na posse dos partidos, contestando o facto de as autoridades não indicarem sequer os dados relativos às assembleias de voto, que permitiram a contabilidade final.

Na segunda-feira, o presidente da CNE, Manuel Pereira da Silva “Manico”, balbuciou (para que a CNE perceba, balbuciar significa “dizer ou falar de forma imperfeita, hesitante ou pouco perceptível”) qualquer coisa sobre a acta de apuramento final das eleições gerais de 24 de Agosto, que proclamou o MPLA e o seu candidato, João Lourenço, como vencedores com 51,17% dos votos, seguido da UNITA com 43,95%.

Onde andava general João Lourenço?

No dia 25 de Novembro de 2016, o governador provincial de Luanda, general Higino Carneiro, alegou questões de segurança para proibir a realização de uma manifestação cívica contra a nomeação de Isabel dos Santos, para a direcção da petrolífera estatal Sonangol, marcada para o dia seguinte. Onde andava nessa altura general João Lourenço?

Embora a manifestação já estivesse tacitamente aprovada (se Angola fosse um Estado de Direito que respeitasse as suas próprias leis), o governador achou por bem mostrar, mais uma vez, que o no reino vigora a “lei” do “quero, posso e mando”.

Era, é, aliás, uma prática recorrente. O mesmo se passara um ano antes quando se preparava uma manifestação que os promotores, o Conselho Nacional de Activistas, auto-intitulados “defensores dos direitos humanos” em Angola, pretendiam realizar e que coincidia com as comemorações oficiais dos 40 anos da independência, em frente ao Palácio Real e ao Tribunal Constitucional.

Na decisão de proibir a manifestação – intenção comunicada pelos organizadores ao governo provincial -, o então governador (Graciano Domingos) invocou a lei sobre o direito de reuniões e manifestações, recordando que em termos legais, por “razões de segurança”, estas não podem ocorrer “a menos de 100 metros das sedes dos órgãos de soberania”.

“Pelo que foi aduzido, o governador provincial de Luanda decide proibir a realização da manifestação”, lia-se no documento, assinado por Graciano Domingos, com data de 14 de Outubro de 2015. Onde andava nessa altura general João Lourenço?

Por norma, este tipo de manifestações que nunca são autorizadas pelas autoridades sob o manto diáfano da segurança, termina com a intervenção policial e detenções. A única excepção respeita a manifestações organizadas pelo regime e que, por regra, coincidem sempre com qualquer iniciativa de sentido contrário.

Voltou a passar-se o mesmo em 2016. O governador da capital do reino, general Higino Carneiro, proibiu a manifestação, dando prioridade e direitos exclusivos a uma marcha de uma organização detentora de um mercado da fé e milimetricamente coincidente com a dos manifestantes contra a nomeação de Isabel dos Santos. Assim, mais importante do que querer defender a legalidade em Angola era (é) – na óptica do despótico poder instalado – abrir alas à marcha sobre “O Papel da Mulher Religiosa na Consolidação da paz em Angola”. Onde andava nessa altura general João Lourenço?

O comandante provincial de Luanda da Polícia Nacional informou que o pedido de autorização para a marcha foi feito pelo departamento da mulher do Conselho de Igrejas Cristãs em Angola (CICA) em 28 de Setembro, para o trajecto do Cemitério da Santana para a Praça 1º de Maio.

José Sita justificou que a prioridade deveria recair sobre o evento religioso, “prevendo-se a participação de um número considerável de pessoas”. E tinha razão. Segundo as contas do Folha 8, este evento deveria contar com a participação de mais de 25 milhões de angolanos…

“Com vista a evitar constrangimentos aos automobilistas, bem como às pessoas que afluirão ao local, sugerimos que o trânsito automóvel seja desviado no perímetro da Praça da Independência, contando com a colaboração das organizações juvenis apartidárias, para a organização do evento”, lê-se no documento da polícia. Onde andava nessa altura general João Lourenço?

Os promotores da manifestação contra a nomeação de Isabel dos Santos esqueceram-se, lamentavelmente, de dizer que o seu lema era “O papel dos cidadãos, religiosos ou não, na consolidação de paz em Angola”.

De nada serve hoje, como ontem, como amanhã, dizer que tanto a Polícia como o Governo Provincial praticaram com a proibição uma série de crimes. Isto, no quadro jurídico da lei e da Constituição de Angola que, contudo, sabemos ser diferente da lei e da “Constituição” do regime. Onde andava nessa altura general João Lourenço?

De acordo com a lei e a Constituição do país, a manifestação estava autorizada “de jure”, pois o Governador provincial não respondeu no prazo de 24 horas a contar da data da recepção da comunicação dos manifestantes (10 de Outubro), conforme estabelece o art.º 7.º da Lei sobre o Direito de Reunião e de Manifestação.

Não adiantará dizer que a decisão do governador provincial de Luanda, Higino Carneiro, coincidentemente, general das FAA, estava eivada de má-fé, abusos de autoridade, inconstitucionalidades, ilegalidades e desprezo pelos direitos dos demais cidadãos.

Higino Carneiro tratou, mais uma vez, os promotores e os demais cidadãos, como sendo de segunda categoria ou seres menores, sem nenhuns direitos, logo com o único dever de cumprir uma vontade, uma ordem inconstitucional e ilegal.

Quando isso acontece, estamos diante de uma ditadura que, quase sempre, nos aparece apalhaçadamente maquilhada de democracia. Onde andava nessa altura general João Lourenço?

Embora não tenhamos a certeza de que os ilustres governantes do regime compreendam o que está escrito nas leis e na Constituição, aqui deixamos o que, ipsis verbis” a Constituição diz no art.º 47.º (Liberdade de reunião e de manifestação):

“1. É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei.

2. As reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei.”

Por outro lado, o governador não respeita as leis, como é o caso da Lei n.º 16/91 de 11 de Maio, no art.º7.º (Proibição da realização de reunião ou manifestação):

1. O governador ou o Comissário que decida, nos termos do disposto nos Artigos 4.º e 5.º, n.º 2 da presente lei, proibir a realização da reunião ou manifestação deve fundamentar a sua decisão e notificá-la por escrito, no prazo de 24 horas a contar da recepção da comunicação aos promotores, no domicílio por eles indicado e às autoridades competentes.

2. A não notificação aos promotores no prazo indicado no número anterior é considerada como não objecção para a realização da reunião ou manifestação”.

O quadro fático de não resposta do governador provincial, no prazo de 24 horas, após a recepção da comunicação dos promotores da manifestação, conforme o n.º2 do art.º 7.º da Lei 16/91 de 11 de Maio, produziu o efeito jurídico de não objecção à realização da manifestação. Portanto, legalmente, a manifestação foi aceite, no dia 12 de Outubro de 2016.

Ressalve-se que este raciocínio enferma de um mal suicida. Isto é, parte do princípio de que Angola é o que não é, ou seja, um Estado de Direito Democrático. E como não é, o que conta é a lei fundamental do regime feudal e esclavagista: “Queremos, podemos e mandamos”.

Onde andava nessa altura general João Lourenço?

Folha 8 com Lusa

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