RECOLHA DE INFORMAÇÕES GENÉTICAS EM PORTUGAL

A comissão criada em memória das vítimas dos conflitos políticos em Angola vai recolher informações genéticas de familiares em Portugal para compará-las com as amostras de ADN existentes.

A decisão foi tomada após uma reunião da Coordenação da Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memórias das Vítimas dos Conflitos Políticos (Civicop) que vai integrar o contacto directo com as famílias e a recolha de informações genéticas a partir de uma base de dados de parentes sobrevivos em Angola e no exterior no seu plano de actuação em 2022.

Até agora, a Civicop tem comunicado informações sobre o processo da identificação de ossadas humanas de vítimas de conflitos e a sua análise forense com amostras recolhidas de familiares sobrevivos, através da imprensa.

“A complexidade dos trabalhos requer que se proceda a um acto de esclarecimento mais privado, com as famílias, sobre os processos de triagem de informação de exames de ADN, processo que requer mais tempo até à obtenção de perfis completos e não parciais”, concluíram os membros da comissão, citados num comunicado da Civicop.

Em Novembro último, foram entregues às famílias as ossadas dos antigos dirigentes da UNITA, Salupeto Pena e Alicerces Mango, tendo sido encontradas outras 10 ossadas que estão a ser alvo de um estudo genético para compará-las com as informações das amostras de ADN de potenciais familiares sobrevivos às vítimas de conflito.

Entretanto, a Civicop deverá deslocar alguns serviços para dar seguimento ao pedido de angolanos que vivem em Portugal, cujos familiares foram vítimas de conflito, e que estão disponíveis para a recolha dos seus dados genéticos para os relacionar com potenciais parentes mortos em conflitos no país.

“Concluímos que, cooperando com autoridades portuguesas e associações de angolanos no exterior que mobilizem famílias, a tarefa é possível de ser realizada. Vamos trabalhar neste sentido”, consideraram os membros da Civicop.

O encontro reuniu os ministros da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz, da Saúde, Sílvia Lutucuta, do Interior, Eugénio Laborinho, e das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, Manuel Homem, bem como técnicos sectoriais.

Entre os pontos abordados incluíram-se a evolução dos exames de ADN das ossadas dos dirigentes da UNITA que pereceram em 1992 (pelo grupo médico-forense), evolução da recolha de ossadas de outras vítimas de conflitos políticos e sua entrega às famílias (pelo grupo de localização e exumação), avaliação da possibilidade de recolha de material genético fora do país a familiares residentes no exterior, a avaliação da execução do programa de comunicação institucional e aprovação do orçamento da segunda fase

Durante a primeira fase, a Civicop registou mais de 2.000 pedidos de certidões de óbito, após terem sido entregues as primeiras certidões relativas aos massacres de milhares e milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977, genocídio ordenado pelo único herói nacional do MPLA, Agostinho Neto, durante a cerimónia em que, supostamente, foram homenageadas as vítimas desses massacres.

O Governo angolano realizou em 2021, pela primeira vez, em 44 anos, uma cerimónia para assinalar o 27 de Maio, o maior massacre da história de Angola, sem condenar o genocida responsável por tal barbaridade.

Em Abril de 2019, o Presidente angolano, João Lourenço, ordenou a criação de uma comissão (Civicop) para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos que ocorreram em Angola entre 11 de Novembro de 1975 (dia da independência) e 4 de Abril de 2002 (fim da guerra civil).

O Plano de Reconciliação em Memória às Vítima de Conflitos Políticos prevê, entre outras questões, a emissão de certidão de óbito e a construção de um memorial único para todas as vítimas dos conflitos políticos registados no país.

Mais um massacre, desta vez à verdade e à nossa memória

Do alto da sua torre de divina sabedoria, o Presidente João Lourenço ordenou a criação de uma comissão para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos que ocorreram em Angola entre 11 de Novembro de 1975 a 4 de Abril de 2002. Para mostrar a equidade, a equidistância e a imparcialidade da iniciativa, integraram a comissão elementos da sua confiança, todos do MPLA. Aplaudamos, irmãos!

Segundo uma nota da Casa Civil do Presidente da República de Angola, João Lourenço inclui entre os conflitos a “intentona golpista do ’27 de Maio’ [de 1977] ou eventuais crimes cometidos por movimentos ou partidos políticos no quadro do conflito armado”.

Para quem não sabe, como parece ser o casso dos escribas que redigiram a nota, ou até mesmo do próprio Presidente do MPLA, intentona significa: “Intento ou empresa insensata, conluio de motim ou revolta”.

João Lourenço justifica a decisão como um “imperativo político e cívico do Estado” para “prestar condigna homenagem à memória de todos os cidadãos que tenham sido vítimas de actos de violência, resultantes dos conflitos políticos”. Um “imperativo político e cívico do Estado” que o MPLA/Estado leva a efeito sem ouvir, muito menos integrar, representantes de outros partidos ou da própria sociedade. Tudo normal, portanto.

“Convém instituir um mecanismo para a promoção da auscultação e de um diálogo convergente, no sentido de se assegurar a paz espiritual da sociedade, face a episódios do passado na convivência nacional que possam perturbar a unidade e o sentimento de fraternidade entre os angolanos”, salienta o chefe de Estado (não nominalmente eleito), Presidente do MPLA (o único partido que governou Angola desde a independência) e Titular do Poder Executivo.

A Comissão para a Elaboração de um Plano de Acção para Homenagear as Vítimas dos Conflitos Políticos, segundo João Lourenço, seria (é) coordenada pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos e ex-ministro da Geologia e Minas, cargo para o qual foi nomeado aos 28 de Outubro de 2012 por José Eduardo dos Santos, Francisco Queiroz, e integra vários outros departamentos ministeriais e – porque não se brinca em serviço – o Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE).

A comissão, prossegue-se o decreto de João Lourenço, deve preparar e submeter à aprovação do Presidente da República um programa que contenha um conjunto de acções para que se preste “homenagem condigna à memória dos cidadãos que faleceram como resultado dos conflitos que ocorreram no país no período referenciado”.

“Tal tem a finalidade de se curar as feridas psicológicas das famílias e de regenerar o espírito de fraternidade entre os angolanos através do perdão e da reconciliação nacional”, argumentava o chefe de Estado de Angola.

Como símbolo paradigmático da benemerência de João Lourenço pode apontar-se o que se passou Cuíto Cuanavale. No dia 23 de Março de 2019, de uma forma que não gera dúvidas, João Lourenço assumiu que só é Presidente dos angolanos do MPLA. Na cerimónia de branqueamento da batalha do Cuíto Cuanavale, condecorou meia centena de antigos combatentes, nenhum deles esteve ligado às Forças Armadas da Libertação de Angola (FALA) – exército da UNITA, mas apenas às Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), do MPLA, do seu MPLA.

Nesse sentido, a comissão terá de propor “mecanismos apropriados” para identificar e comunicar-se com as famílias e as entidades colectivas ou singulares com interesse no assunto “e obter a cooperação que delas se espera”.

“Deve também apresentar sugestões sobre o modo como o Estado angolano deve prestar uma homenagem condigna aos cidadãos vítimas dos conflitos políticos e trabalhar com as instituições apropriadas para elaborar os projectos e orçamentos da construção do monumento e os actos de homenagem”, lê-se no decreto.

Além do ministro da Justiça e Direitos Humanos, a comissão, apoiada por um grupo técnico, integra também representantes da Casa Civil e da Casa de Segurança do Presidente da República, e dos ministérios da Defesa Nacional, dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria e da Comunicação Social e do SISE.

No decreto, João Lourenço frisa que, para o “cabal desenvolvimento das suas atribuições”, a comissão deve consultar, dentre outras, instituições como os ministérios das Relações Exteriores, da Família, Acção Social e Promoção da Mulher, da Saúde e da Cultura, bem como os partidos políticos com assento parlamentar, organizações religiosas reconhecidas como tal, organizações “idóneas” da sociedade civil e outras “cujo objecto social facilite o alcance dos seus fins”, refere-se no decreto.

O decreto surgiu um dia depois de o Bureau Político do MPLA, partido no poder desde a independência, em 1975, e também liderado por João Lourenço, ter aprovado a medida, com o intuito de estabelecer – segundo disse – um diálogo nacional e fortalecer as bases de consolidação da paz e da reconciliação nacionais.

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