QUANDO O JUIZ É ALGOZ

O Tribunal Supremo negou o pedido de liberdade condicional do ex-ministro dos Transporte angolano, Augusto Tomás, por considerar que “a libertação deste tipo de criminosos a meio da pena não se mostra de todo compatível com a paz social”.

Augusto Tomás foi condenado pelo Tribunal Supremo em Agosto de 2019, a 14 anos de prisão maior, no âmbito do julgamento do conhecido “caso do Conselho Nacional de Carregadores” (CNC), pena que foi reduzida pelo plenário do Tribunal Supremo a sete anos e um mês de prisão.

A defesa de Augusto Tomás solicitou a liberdade condicional por o mesmo ter atingido metade da pena que lhe foi imposta, tendo a direcção-geral do Serviço Prisional dado parecer favorável face ao “comportamento do arguido durante o cumprimento da pena”.

O antigo ministro dos Transportes de Angola encontra-se detido desde o dia 21 de Setembro de 2018, pelo que atingiu o meio da pena no dia 2 de Abril deste ano.

Na sua sentença, o juiz conselheiro Daniel Modesto Geraldes mencionou que o Ministério Público foi de parecer desfavorável “por entender que o arguido não revelou arrependimento”, mas, como argumentou, “antes pelo contrário, recorreu da decisão para todas as instâncias de recurso, além de não ter manifestado vontade de reparar voluntariamente os danos causados ao Estado por via da indemnização a que também foi condenado”.

“Sublinhe-se antes de mais, não podermos estar de acordo com os fundamentos invocados pelo digno magistrado do M. P. ao referir que o arguido não mostrou arrependimento, tanto assim que usou todas as instâncias de recurso. Isto porque o arrependimento é uma circunstância atenuante que releva para efeitos de medida da pena e nunca como factor determinante para a concessão da liberdade condicional, por tudo o que anteriormente expusemos”, lê-se na sentença.

O juiz conselheiro sublinha não entender as razões que levaram o Ministério Público, em fase de instrução, a não requerer “o arresto de bens que permitissem vir a cobrir os prejuízos causados ao Estado, na hipótese de vir a ser condenado, como ocorreu”.

“Naturalmente que, o Tribunal não está sujeito aos pareceres do M. P. nem dos serviços prisionais, mas não podemos de manifestar o nosso espanto perante o referido parecer jurídico, que não se compreende para quem tem como função a fiscalização da legalidade”, salienta o juiz conselheiro do Tribunal Constitucional.

Para Daniel Modesto Geraldes, apesar do parecer favorável do Serviço Prisional, “o facto de se tratar de crimes muito graves, cuja natureza não se reduz ao meramente material, mas ter uma componente que belisca valores tão importantes como a vida, integridade física, saúde e educação, não nos parece que o cumprimento de metade da pena seja bastante para criar o tal juízo de prognose positivo, nem se mostra capaz de satisfazer as finalidades de prevenção geral e especial”.

A sentença considera que o cumprimento de três anos e seis meses de prisão “se mostra muito brando para condutas tão graves, que têm impossibilitado Angola e muitos outros países a nível mundial de terem um crescimento económico que viabilize os executivos de criarem melhores condições de vida aos seus povos, designadamente ao nível da saúde e educação e, quiçá, a causa da elevada taxa de mortalidade e de fome existente no nosso país”.

“Dito isto, a libertação deste tipo de criminosos a meio da pena não se mostra de todo compatível com a paz social e tranquilidade pública que se exige para a concessão da liberdade condicional”, argumenta o juiz.

“Mais diremos, que consideramos as penas demasiado brandas e será tempo de o legislador olhar para esta criminalidade de forma mais consciente, seja nas molduras penais que deveriam ser mais severas, seja nesse tipo de benefícios que se deveriam verificar cumprida que estivesse 5/6 da pena, para se evitar a sensação tão ouvida por parte do povo, em nome de quem administramos a justiça, de que “afinal o crime compensa””, destaca Daniel Modesto Geraldes.

Augusto Tomás foi ministro dos Transportes de Angola entre 2008 e 2017, e respondeu em tribunal pelos crimes de peculato, de violação das normas de execução do plano de orçamento sob forma continuada, de abuso de poder sob forma continuada e de participação económica.

O antigo ministro dos Transportes foi absolvido dos crimes de branqueamento de capitais, associação criminosa e de crime de participação em negócio, por falta de provas.

REGIME COLOCA TOMÁS NO CORREDOR DA MORTE

Quando, num país, a justiça é calcada pelas botas do autoritarismo e os juízes transformam-se em capachos do despotismo, as liberdades sucumbem. As sociedades gregárias civilizadas, criam normas jurídicas gerais e abstractas para impedir a propagação e vulgarização do livre arbítrio de quem, através da compleição física ou poder despótico, impõe aos demais as suas vontades.

Um dos processos jurídicos mais rocambolescos, que perdurará ao longo dos anos, nos corredores do Direito, como a pior mancha jurídica praticada em 15 de Agosto de 2019, pelo juiz, Joel Leonardo, do Tribunal Supremo é o de Augusto Tomás, ex-ministro dos Transportes, eleito deputado, nas suspeitas eleições de 2017, ganhas pelo MPLA.

O magistrado, falou-se, intramuros, ganhou o título de presidente do Tribunal Supremo, se, marginal às leis e através de elucubrações jurídicas condenasse o arguido a uma pesada pena, para ser eleito o símbolo de João Lourenço, Presidente da República, no combate aos crimes contra a corrupção.

O juiz de forma bizarra confundindo conceitos primários, como desvio orçamental de desvio financeiro, condenou o, até agora, único ministro, natural de Cabinda, e “em cúmulo jurídico visto o artigo 92.º do Código Penal vai o réu condenado na pena única de 14 anos de prisão maior e multa de 18 meses, à razão diária de 120 kwanzas”, sentenciou Joel Leonardo, pelos crimes de peculato, branqueamento de capital, associação criminosa e artifícios fraudulentos para desviar fundos do Estado no caso do Conselho Nacional de Carregadores (CNC)”.

O julgamento iniciado aos 31 de Maio de 2019, durou dois meses e meio e teve como escopo um prejuízo ao Estado de mais de mil milhões de kwanzas, equivalente a 13 milhões de euros, mas, no acórdão em nenhum momento existu uma prova material de desvio financeiro, por parte de Augusto Tomás justificativa de tão elevada pena, mais a mais, quando nos autos não consta a sua assinatura, para transferência de valores, para contas particulares.

Os seus actos resumiram-se a orientar, depois de autorização do Titular do Poder Executivo (José Eduardo dos Santos) a praticar desvios orçamentais, ou seja, transferir do CNC, para o Ministério da Justiça, Caminhos de Ferro de Luanda, bolseiros dos Transportes e Ministério, que não são empresas privadas, nem do réu, logo a moldura, à luz do direito, em países democráticos e de direito é, diametralmente, oposto.

O advogado Sérgio Raimundo considerou ter sido esta uma sentença encomendada. “Não há dúvidas! Em momento algum, alguém disse que Augusto Tomás se apoderou deste ou daquele valor. Augusto Tomás mandou pagar despesas do Ministério da Justiça, e o Ministério da Justiça não é uma empresa de Augusto Tomás, é um departamento do Executivo. São tantas as contradições, que dá a sensação que esta sentença veio sei lá de onde. Não há condições para o exercício de uma verdadeira administração da justiça se nós estivermos a condenar pessoas por encomenda ou para dar a entender que agora as coisas mudaram é melhor fazerem sozinhos”, asseverou.

QUEM O QUER MORTO?

No princípio de 2021, Augusto Tomás contraiu, na cadeia de São Paulo, COVID 19, com mais de 70% do pulmão afectado, tendo sido evacuado, de urgência, para a Clínica Girassol, onde permaneceu cerca de cinco meses internado. Por altura da alta, os médicos aconselharam sérios cuidados, tendo ficado, sob autorização e vigilância (agentes armados) dos Serviços Prisionais de Outubro de 2020 a Julho de 2021, sob prisão domiciliar, devido à necessidade de terapia bronco-pulmonar, três vezes por semana, arbitrariamente suspensas, sem consentimento médico, pelo juiz do Supremo, Daniel Modesto Geraldes, através de um rocambolesco mandado de captura, quando o réu estava localizado e sob guarda policial.

No dia 14 de Julho de 2021: “O doutor Daniel Modesto Geraldes, venerando juiz conselheiro presidente da Câmara Criminal do Tribunal Supremo manda: a qualquer oficial de justiça, agente da autoridade policial ou de força pública que, ao ver o presente, devidamente assinado e autenticado com o carimbo a óleo em uso na Secretaria Judicial da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, proceda à captura e conduza à cadeia o cidadão Augusto da Silva Tomás, solteiro, de 63 anos de idade”.

Lamentável!

“Esta é mais uma prova de perseguição, arbitrariedade e humilhação do cidadão, quando o Tribunal Supremo sabe que o mesmo está localizado e nunca violou, as medidas de restrição de movimento”, esclareceu o seu advogado.

Recorde-se ter o Supremo impressões digitais, consideradas por muitos fazedores de direito e familiares, “assassinas” ao negar que o réu, Manuel António Paulo, pudesse fazer uma revisão médica, para substituir a pilha, que lhe garantia a respiração e demais sinais vitais. A insensibilidade dos juízes contribuiu para o aceleramento da sua morte, no 30 de Janeiro de 2021, na Clínica Sagrada Esperança.

“Talvez seja o mesmo; a morte, que o Presidente da República de Angola esteja a reservar ao nosso conterrâneo, Augusto Tomás, com tanta injustiça e arbitrariedade”

Regressado aos calabouços, no 15.07.21, estranhamente, Tomás não foi sujeito a nenhum teste, tão pouco lhe foi ministrada qualquer vacina de COVID-19, quando já contraiu o vírus. Mas não lhe tendo sido dada nenhuma dose, viu agravadas as humilhações e restrições de direitos, como não ter banhos diários de sol, estar 24 horas com a cela fechada, como se na privada, aberta apenas, por 5 minutos, para recepção da comida da família e ter apenas um pequeno balde de água insuficiente, para a higiene de um doente com o SARS-COV. Numa só palavra, contrariando a Constituição é-lhe denegada assistência médica e medicamentosa. Um crime!

Atente-se que a 19 de Novembro de 2019, o Tribunal Pleno e de Recurso do Tribunal Supremo, em sede do processo n.º 100/019, reduziu a pena de 14 anos, do ex-ministro, convertido no maior inimigo de João Lourenço, a uma (pena) de oito anos e seis meses de prisão maior e, a 2 de Fevereiro de 2021, o plenário do Tribunal Constitucional, através do Acórdão 663/21, indeferiu um “Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade”, interposto pelos seus advogados, sob forte contestação de alguns dos 10 juízes, avessos a ditadura e higienicamente comprometidos com o direito, afastaram a unanimidade, nomeadamente, o ex-juiz presidente, Manuel Aragão, e os conselheiros Carlos Teixeira, Josefa Neto e Maria de Almeida Sango.

Na declaração de voto vencido, Manuel Aragão alegou que os princípios do direito a um julgamento justo “exigem uma máxima idoneidade de meios” e considerou que a “mitigação das formalidades” só é admissível quando necessária “a salvaguardar um outro direito processual fundamental”.

Neste caso, o juiz considerou que havia elementos que “certificam a violação do princípio do direito ao julgamento justo”, o que fundamentou o seu voto contra o acórdão.

Maria de Almeida Sango referiu ter o Tribunal Supremo violado a possibilidade dos juízes do plenário, estudarem o processo, que contém mais de 28 volumes, nas condições adequadas, devido à exiguidade do prazo determinado o que os impediu de decidir de forma conscienciosa.

“Não restam dúvidas de que o prazo dado aos conselheiros para emitir o seu visto, não lhes permitiu formar um bom juízo de valor e tomar uma decisão justa”, escreveu a juíza, acrescentando que o acórdão “proferido por esta instância [Tribunal Supremo] vai na contramão e beliscou os direitos e garantias constitucionais dos recorrentes” pelo que deveria ser declarado inconstitucional, por ter violado vários princípios da Constituição, como o da igualdade de armas, o direito à tutela jurisdicional efectiva, o princípio do contraditório e o direito ao julgamento justo e conforme.

Como se pode aferir, o problema não é o de Augusto Tomás estar preso, mas se teve direito a um justo processo legal e a condenação, está caboucada em provas materiais irrefutáveis de cometimento de ilícitos, enquanto governante. E é aqui que a porca torce o rabo, pois nada é blindado, apenas houve uma sentença adesão, sustentada, em actos indeterminados e na presunção da culpa, facilmente, carimbados no acórdão, do juiz Joel Leonardo, um verdadeiro hino ao mau direito.

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