O julgamento do líder do Movimento do Protectorado Português Lunda Tchokwe (MPPLT), José Mateus Zeca Mutchima, detido após os incidentes de Cafunfo, começa no dia 28 deste mês, na província da Lunda Norte, anunciou hoje o advogado.
“Tem início (o julgamento) no dia 28 na cidade do Dundo, província da Lunda Norte, mas Zeca Mutchima continua detido aqui em Lunda e não temos informações quando é que ele será transferido, estamos à espera que o Estado angolano crie condições para o efeito”, afirmou o seu advogado, Salvador Freire.
Zeca Mutchima está detido pelo Serviço de Investigação Criminal, em Luanda, desde 8 de Fevereiro de 2021, indiciado pelos crimes de “associação de malfeitores e rebelião armada”, na sequência os incidentes de 30 de janeiro de 2021, em Cafunfo, província da Lunda Norte, que resultaram em mais de 100 mortos e feridos.
O advogado manifestou-se igualmente preocupado com a condição de saúde do líder do MPPLT, afirmando que os seus actuais níveis de hipertensão continuam a “inspirar cuidados”.
“A sua condição de saúde continua preocupante, nesta altura o seu nível de hipertensão continua a subir e não é só, ele como os outros colegas na Lunda Norte, porque tem lá três, detidos no âmbito deste processo, que também estão em condições deploráveis”, lamentou Salvador Freire.
Segundo a Polícia Nacional (do MPLA), cerca de 300 pessoas ligadas ao MPPLT, que há anos defende autonomia daquela região rica em recursos minerais e em que o Povo vive abaixo da miséria, tentaram invadir, na madrugada de 30 de Janeiro de 2021, uma esquadra policial de Cafunfo, e em defesa as forças de ordem e segurança atingiram mortalmente dezenas de pessoas.
A versão policial é contrariada pelos dirigentes do MPPLT, partidos políticos na oposição e sociedade civil local que falam em mais de uma dezena de mortos.
Zeca Mutchima é apontado pelas autoridades como cabecilha deste alegado “acto de rebelião”, que para os cidadãos locais era uma “manifestação pacífica”.
O Ministério Público (MP) angolano acusou Zeca Mutchima e 25 manifestantes envolvidos nos protestos em Cafunfo, em despacho, pela prática dos crimes de ultraje ao Estado e seus símbolos e associação de malfeitores.
De acordo com o despacho, Zeca Mutchima está a ser acusado num processo único com outros 25 co-arguidos, tendo em comum os crimes de ultraje ao Estado e seus símbolos e associação de malfeitores, enquanto os manifestantes vão responder também pelos crimes de rebelião.
O despacho refere que os 25 co-arguidos e outros, numa composição de 400 pessoas, pertencentes ao denominado MPPLT, munidos de armas de fogo, do tipo AKM, caçadeiras, flechas, ferros, paus, instrumentos cortantes, engenhos explosivos de fabrico artesanal, forquilhas, fisgas, pequenos machados, catanas e estátuas de superstição se deslocaram às instalações onde funciona a esquadra policial de Cafunfo, com o objectivo de a ocupar.
Recorde-se, para bem do anedotário nacional e internacional (na vertente dos criminosos), que o agora ex-Comandante-Geral da Polícia (do MPLA), Paulo de Almeida, defendeu o uso de “meios desproporcionais” para responder efectivamente contra ameaças ao Estado. E assim sendo, disse Paulo de Almeida, a resposta da polícia no caso de Cafunfo, bem como nos massacres de 27 de Maio de 1977, foi em legítima defesa.
O Comandante-Geral da Polícia Nacional afirma (como aliás fez o seu primeiro presidente, Agostinho Neto, ao mandar massacrar milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977), que na defesa da soberania de um Estado não pode haver proporcionalidade, como defendem as… pessoas.
“Isso é muito bom na teoria jurídica, nós aprendemos isso no Direito. O Estado não tem proporcionalidade, você quando está a atacar a unidade, o Estado, o símbolo, está a atacar o povo“, disse Paulo de Almeida, numa conferência de imprensa destinada a supostamente esclarecer os incidentes na região do Cafunfo, onde o MPLA mostrou mais uma vez – como já fizera Agostinho Neto em 1977 – que não está para perder tempo com julgamentos, razão pela qual mata primeiro e interroga depois.
Paulo de Almeida avisou que “aqueles que tentarem invadir as esquadras ou qualquer outra instituição para tomada de poder, vão ter resposta pronta, eficiente e desproporcional da Polícia Nacional” do MPLA. Por alguma razão a Polícia é tão forte com os fracos mas bate com as patas no mataco a fugir velozmente quando o adversário é forte.
“Você está a atacar o Estado angolano (leia-se MPLA) com faca, ele responde-te com pistola, se você estiver a atacar com pistola ele responde com AKM, se você estiver a atacar com AKM, ele responde com bazuca, se você estiver a atacar com bazuca, ele responde com míssil, seja terra-terra, terra-mar ou ainda que for um intercontinental, vai dar a volta depois vai atacar”, referiu com o brilhantismo de um gorila anão (sem ofensa para este primata) o na altura Comandante Paulo de Almeida.
O então Comandante-Geral da Polícia Nacional rejeitou que haja conflito com o Movimento do Protectorado Português Lunda Tchokwe, que luta pela autonomia da região, afirmando que conflito só existe “com alguma coisa que legalmente existente”.
“O que aconteceu foram elementos que foram atacar a nossa unidade, às quatro horas da manhã. Não foram fazer uma participação de uma ocorrência, não foram a um banco de urgência, que são as unidades que têm piquete para atendimento ao público. Foram com catanas, armas, meios contundentes, feiticeiros, para atacar a unidade“, disse Paulo de Almeida. Isto, é claro, sem referir os ataques dos catuituís que estavam nas mangueiras próximas e que foram avisados que Paulo de Almeida iria disparar mísseis intercontinentais, os tais que dão a volta (ao bilhar grande) e depois voltam a atacar…
“Eles não foram lá com lenços brancos, ninguém aqui perguntou como é que estão os nossos feridos, o oficial da polícia que apanhou machadada e catanada (…) o oficial das FAA que lhe deram catanadas, queimaram-lhe, ninguém pergunta, não são pessoas”?, questionou.
Por isso, se justificou o fuzilamento já que, segundo Paulo de Almeida, a acção da polícia foi de legítima defesa e “foi assim que houve essas mortes”. Registe-se que, apesar do seu brilhantismo oratório (tipo míssil intercontinental), o Comandante não esclareceu que antes de serem assassinados os angolanos estavam… vivos.
Paulo de Almeida disse que pelo lado das autoridades não estava a decorrer nenhum inquérito, apenas o processo-crime que foi aberto. Bem visto. Se, até prova em contrário (que só o MPLA pode determinar) todos somos culpados, não há necessidade de inquéritos. Isso só acontece em estados ditatoriais. Nas democracias e estados de Direito que são referência para o MPLA, os inquéritos não existem. Vejam-se os casos da Coreia do Norte e da Guiné Equatorial.
“Vou inquirir o quê? Eu não fui lá [Cafunfo] para fazer inquérito, fui lá para constatar a situação que ocorreu. Há um processo-crime que está a correr os seus trâmites legais, é aí e ponto final, não há inquérito. Se algumas organizações querem fazer isso já é um outro assunto, connosco não há inquérito, fique bem claro”, afirmou Paulo de Almeida. Eventualmente melhor do que Paulo de Almeida para chefiar a Polícia só mesmo uma reencarnação de Idi Amin Dada.
Refira-se que, em princípio e até prova em contrário, Arnaldo Manuel Carlos, o novo Comandante Geral da Polícia Nacional goza do benefício da dúvida.
Folha 8 com Lusa