O Presidente angolano, João Lourenço, acompanhado pelas mais altas individualidades do país (Presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas) desloca-se amanhã a Cabinda, onde ficará três dias, numa altura em que os independentistas da FLEC-FAC anunciam um intensificar dos confrontos militares que os opõem às tropas angolanas.
Por Orlando Castro (*)
A visita do chefe de Estado ao enclave mais rico em petróleo, mas onde a população é das que mais dificuldades de subsistência tem, chegou a ser planeada para Agosto do ano passado, mas foi cancelada, sem serem divulgadas explicações.
O Presidente da República vai reunir-se na manhã de quinta-feira com os responsáveis do governo da província, para abordagem do estado geral do território, num encontro onde vão também participar vários ministros, para prestar esclarecimentos sobre o desempenho local dos respectivos sectores.
João Lourenço vai ainda inaugurar o Hospital Geral de Cabinda e, no período da tarde, recebe em audiência representantes da sociedade civil escolhidos pelo MPLA, nomeadamente figuras eclesiásticas, autoridades tradicionais, jovens e empresários.
Na sexta-feira, o chefe de Estado inaugura o Terminal Marítimo de Passageiros, uma infra-estrutura que – segundo o MPLA – vai permitir usar o transporte marítimo como alternativa aos voos para aceder ao enclave, e deve deslocar-se ao campo de Malongo (sede das operações da petrolífera norte-americana em Angola) para visitar ‘in situ’ a construção de uma plataforma petrolífera.
No sábado, João Lourenço, também presidente do MPLA preside a um comício antes de regressar a Luanda, tal como aconteceu no início de Abril na província do Cunene, marcando o lançamento da pré-campanha eleitoral para as eleições previstas para Agosto.
Desde a semana passada que a Frente para a Libertação do Estado de Cabinda – Forças Armadas de Cabinda (FLEC-FAC) tem anunciado fortes combates com as Forças Armadas Angolanas, com dezenas de mortes.
O executivo angolano (também dirigido por João Lourenço) não confirma normalmente as baixas dos militares (tal como faz Vladimir Putin em relação à guerra na Ucrânia) e recusa reconhecer uma situação de instabilidade naquela província, sublinhando sempre a unidade do território.
Na quarta-feira, cinco organizações políticas de Cabinda apelaram ao Presidente de Angola para que reconheça o direito do povo cabindense à autodeterminação, permitindo um cessar-fogo na região, onde dizem haver “um clima de repressão militar”, perseguições, tortura e assassínios.
A FLEC-FAC luta pela independência do território alegando, e bem, que o enclave era um protectorado português, tal como ficou estabelecido no Tratado de Simulambuco, assinado em 1885, e não parte integrante do território angolano.
Na carta dirigida ao Presidente angolano, João Lourenço, as “Organizações Políticas de Cabinda, no Interior” protestam contra “o conflito armado e degradação social do território de Cabinda, que perdura há mais de 46 anos”.
As organizações dizem que desde 1975 e até hoje o povo de Cabinda “vive uma discriminação exacerbada, clima de repressão militar, de degradação social, económica e política, perseguições, detenções arbitrárias, julgamentos e condenações injustas, tortura e assassinatos, sem quaisquer direitos e investimentos, características de uma autêntica colonização”.
E acusam as autoridades de Luanda de persistir na “repressão, com imposição militar e política, violando todos os princípios e métodos convencionais das Nações Unidas, União Europeia e União Africana conducentes à pacificação” do território.
Apelam por isso a João Lourenço e ao seu Governo que “empreendam a dinâmica político-internacional”, em cumprimento das “resoluções e convenções internacionais dispostas pelas Nações Unidas, União Africana e Conselho de Segurança para a resolução do problema de Cabinda”.
As organizações subscritoras são a Frente Consensual de Cabinda (FCC), Movimento de Reunificação do Povo de Cabinda para a sua Soberania (MRPCS), União dos Cabindenses pela Independência (UCI), Movimento Democrático de Cabinda (MDC) e Os Democratas Liberais de Cabinda (DLC).
Timor-Leste, Kosovo e Saara Ocidental
O Presidente da República Árabe Saarauí Democrática, Mohamed Abdelaziz, obteve do Governo de Luanda o apoio para manter a luta pela autodeterminação durante a visita oficial que em Julho de 2010 fez a Angola.
E já que Angola/MPLA fala dos outros sem se lembrar da sua colónia de Cabinda, ocupada na altura da independência, importa apontar o dedo ao principal culpado, Portugal.
No que a Cabinda respeita, Portugal não se quer lembrar dos compromissos que assinou. E, tanto quanto parece, fazendo fé nos políticos lusitanos, mesmo os assinados ontem já estarão amanhã fora de validade.
Portugal não só violou o Tratado de Simulambuco de 1 de Fevereiro 1885 como, pelo Acordo de Alvor, ultrajou o povo de Cabinda, sendo por isso responsável, pelo menos moral (se é que isso tem algum significado nos putrefactos areópagos políticos de Lisboa), por tudo quanto se passa no território, seu protectorado, ocupado por Angola.
Quando o presidente Aníbal Cavaco Silva disse que Angola vai de Cabinda ao Cunene estava, desde logo, a dar cobertura e a ser conivente, como acontece – por exemplo – com a China em relação ao Tibete ou, hoje, da Rússia em relação à Ucrânia, com as violações que o regime angolano leva a efeito contra um povo que apenas quer ter o direito de escolher o seu futuro.
Graças ao petróleo, grande parte dele produzido em Cabinda, Angola consegue que a comunidade internacional reconheça a existência de dois tipos de terrorismo. Um bom, o que Luanda exerce em Cabinda, um mau, o que Marrocos pratica contra a Frente Polisário ou, agora, a Rússia pratica na Ucrânia.
Recorde-se que o governo espanhol, então liderado por José Luis Zapatero, mostrou – ao contrário de Portugal – coragem política não só ao reconhecer o direito do povo Saarauí à autodeterminação como ao levar a questão às Nações Unidas.
Também Timor-Leste levou a efeito um referendo que permitiu que o território, embora sob suposta administração portuguesa mas de facto ocupado militarmente pela Indonésia, se tornasse independente.
Terá Cabinda similitudes com Timor-Leste? E com o Kosovo? E com o Saara Ocidental?
Embora a comunidade internacional (CPLP, União Europeia, ONU, União Africana) assobie para o lado, o problema de Cabinda existe e não é por não se falar dele que ele deixa de existir. E se, como aconteceu em Janeiro de 2010, para se falar é preciso pôr a razão da força à frente da força da razão… que outro remédio têm os cabindas?
Cabinda é um território ocupado por Angola e nem a potência ocupante como a que o administrou pensaram, ou pensam, em fazer um referendo para saber o que os cabindas querem. Seja como for, o direito de escolha do povo não prescreve, não pode prescrever, mesmo quando o importante é apenas o petróleo.
Quando o governo português reconheceu formalmente a independência do Kosovo, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, disse que “é do interesse do Estado português proceder ao reconhecimento do Kosovo”.
O ministro português apontou quatro razões que levaram à tomada de decisão sobre o Kosovo: a primeira das quais foi “a situação de facto”, uma vez que, depois da independência ter sido reconhecida por um total de 47 países, 21 deles membros da União Europeia e 21 membros da NATO, “é convicção do governo português que a independência do Kosovo se tornou um facto irreversível e não se vislumbra qualquer outro tipo de solução realista”.
Deve ter sido o mesmo princípio que, em 1975, levou o Governo de Lisboa a reconhecer o MPLA como legítimo e único governo de Angola, embora tenha assinado acordos com a FNLA e a UNITA. O resultado ficou à vista nos milhares e milhares de mortos da guerra civil.
Como segunda razão, Luís Amado referiu que “o problema é político e não jurídico”, afirmando que “o direito não pode por si só resolver uma questão com a densidade histórica e política desta”. Amado sublinhou, no entanto, que “não sendo um problema jurídico tem uma dimensão jurídica de enorme complexidade”, pelo que “o governo português sempre apoiou a intenção sérvia de apresentar a questão ao Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas”.
Ora aí está. Cabinda (se é que os governantes portugueses sabem alguma coisa sobre o assunto) também é um problema político e não jurídico, “embora tenha uma dimensão jurídica de enorme complexidade”.
“O reforço da responsabilidade da União Europeia”, foi a terceira razão apontada pelo chefe da diplomacia portuguesa. Luís Amado considerou que a situação nos Balcãs “é um problema europeu e a UE tem de assumir um papel muito destacado”, referindo igualmente que a assinatura de acordos de associação com a Bósnia, o Montenegro e a Sérvia “acentuou muito nos últimos meses a perspectiva europeia de toda a região”.
No caso de Cabinda, a União Europeia nada tem a ver. Tem, no entanto, a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) onde – desculpem a nossa ingenuidade – Portugal desempenha um papel importante.
O ministro português frisou ainda que Portugal, ao contrário dos restantes países da UE que não reconheceram o Kosovo, não tem problemas internos que justificassem as reticências. Pois. Os que tinha (Cabinda é, pelo menos de jure, um problema português) varreu-os para debaixo do tapete.
Como última razão, indicou a “mudança de contexto geopolítico que entretanto se verificou” com o conflito entre a Rússia e a Geórgia e a declaração de independência das regiões georgianas separatistas da Abkházia e da Ossétia do Sul que Moscovo reconheceu entretanto.
Isto quer dizer que, segundo Lisboa, no actual contexto geopolítico, Cabinda é Angola. Amanhã, mudando o contexto geopolítico, Portugal pensará de forma diferente. Ou seja, a coerência é feita ao sabor do acaso, dos interesses unilaterais.
(*) Com Lusa
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