POVO CALADO, POVO ESCRAVIZADO

Um Povo calado é um Povo escravizado. Apesar de usar a razão da força contra a força da razão, o regime verifica que o Povo começa a ter voz. Está em pânico. Ao contrário do que o MPLA pensa, há sempre quem resista.

Por Orlando Castro

Viver em paz é algo que não agrada ao MPLA. Com o fim da guerra, em 2002, acabou o sagrado bode expiatório que o regime tinha para fazer o que quisesse sem dar explicações e, também, sem estar sujeito ao escrutínio dos angolanos. E isso foi um enorme, enormíssimo, transtorno para as negociatas dos homens do Presidente. E também para o próprio Presidente.

Entalada na garganta funda e putrefacta do regime está o facto de o seu adversário militar de décadas, a UNITA, não querer voltar aos tiros, mesmo quando o MPLA, este MPLA, inventa situações de guerra. Dava muito jeito que os homens do Galo Negro se fartassem da vilanagem e resolvessem dizer, como defendia Jonas Savimbi, que mais vale morrer do que ser escravo.

“Para a UNITA, a guerra nunca mais. É isso que nós queremos garantir aos angolanos, porquanto devem sentir-se à vontade, fazendo os seus planos de vida”, sustenta desde então o partido de Adalberto da Costa Júnior.

Ou seja, a UNITA faz com que ao regime faltem argumentos para ressuscitar o fantasma da guerra. A estratégia está, contudo, a irritar o MPLA que não quer sair da corrupção e da má governação e, para isso, só conhece uma estratégia: culpar a Oposição e acenar ao mundo com o terrorismo e o contíguo regresso à guerra.

Ciente da cilada que todos os dias lhe é montada, a Oposição política defende, serena, a tese de que é necessário implementar mais acções tendentes a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, rumo ao desenvolvimento integral do país.

“Apesar de se ter feito muito, nos últimos anos, pensamos que o Executivo deve fazer um bocadinho mais, para dar a estabilidade e segurança às populações, mormente no que toca ao emprego, alimentação e habitação”, diz a UNITA num elogio sarcástico que irrita solenemente o regime.

De uma forma geral, a Oposição sabe que o regime não pode ser derrotado pela crítica. Vai daí, tenta assassina-lo pelo elogio.

Bem vistas as coisas, este MPLA, ou seja, o regime, continua a provocar deliberada e conscientemente a UNITA, o único partido que conseguiu responder à razão da força do regime com a mesma moeda. Para o MPLA vale tudo. Até mesmo dizer que no país existem apenas angolanos de primeira, os do MPLA, e os outros, uma subespécie que teima em resistir.

Agressões, prisões, violações e assassinatos fazem parte de uma estratégia que visa dar ao governo razões para calar e amedrontar toda a sociedade angolana.

Levantamento popular

“O regime aproveita para, de forma impune e não sujeita a escrutínio, aniquilar todos os que possam pôr em causa a efectiva política de partido único, de ditadura”, explicou em tempos ao Folha 8, Robert J. McNamara, investigador norte-americano de assuntos africanos.

McNamara acredita que “só um levantamento popular, necessariamente violento no seu enquadramento político, pode levar à alteração do regime”, embora realce que “a conjuntura internacional não é favorável a essa reacção”.

“Os diferentes conflitos mundiais, nomeadamente com o advento o Estado Islâmico e as suas ramificações a muitos países africanos, fazem com que a comunidade internacional considere Angola um oásis”, diz Robert J. McNamara, acrescentando que “também o poderio económico de Angola é decisivo para a passividade dos países desenvolvidos que, mais do que os direitos humanos, estão é preocupados com a economia”.

De facto, nada melhor do que o fantasma da guerra e do terrorismo para este MPLA fazer, com a cobertura implícita da comunidade internacional, todas as purgas que ache convenientes e cortar pela raiz todas as veleidades similares às da Primavera Árabe. Isto porque os angolanos só são livres para dizer o que o regime quer. Fora disso, cuidado. Mesmo no seio do MPLA o cuidado impera. É que todos os anos existe o mês de Maio e o dia 27.

Ao atacar o seu principal adversário mas que entende continuar a ser inimigo, o MPLA justifica perante o mundo que há razões internas para pôr na ordem todos os contestatários e manter todo o poder como está.

A Oposição em geral e a UNITA em particular está no meio de um complicado fogo cruzado. Mesmo nada fazendo é sempre culpada de tudo fazer. Um dia destes ainda vamos ver o regime reeditar a velha história de que o Galo Negro tem armas escondidas em paióis dispersos pelo país, ou até mesmo à divulgação da prisão de militantes com armas na mão. O caso da Kalupeteka e da tentativa oficial de a ligar à UNITA foi, só por si, prova de que o regime não olha a meios para atingir os seus fins.

Os angolanos estão assim, como era esperado, entre a espada e a parede. Se nada fizerem continuarão a ser enxovalhados, se reagirem vão ser acusados de estar a fomentar a rebelião, de acções terroristas, ou até mesmo de estarem a preparar uma nova guerra.

Um actor à medida – a UNITA

Almeida da Silva Pinheiro, politólogo brasileiro, diz que “salvo muito raras excepções, a UNITA está desde 2002 a interpretar na perfeição o papel teatral que lhe foi destinado pelo MPLA, ou seja o de fingir que actua mas estando, de facto, acomodada no seu luxuoso canto”.

“Ao contrário de Jonas Savimbi, Isaías Samakuva não fez questão em dizer e mostrar com o seu exemplo que é preferível ser livre de barriga vazia do que escravo com ela mais ou menos cheia”, considera Almeida da Silva Pinheiro.

O politólogo reconhece que, contudo, “a missão dos partidos da Oposição em Angola é muito complicada porque, por experiência própria, em alguns casos dramática, sabem que a luta é desiguale que o regime tem um poderia bélico capaz de em pouco tempo transformar em pó todos os que se lhe opõem”.

Almeida da Silva Pinheiro também é da opinião que a solução está nas mãos do Povo: “Só uma sublevação popular conseguirá alterar o curso da situação, não que seja condição sine qua non para o regime cair, mas porque poderá levar as Forças Armadas a reagir contra as injustiças que, acredito, também preocupam os militares”.

“A nossa luta não foi para isto”

Carlos Lacerda Chitombi, um ex-oficial da UNITA a residir em Portugal, continua amargurado e diz: “Não foi para isto que Jonas Savimbi lutou e morreu. Afinal, os seus bons e maus exemplos de nada serviram. O MPLA sabe que é fácil passar da mandioca para a lagosta, mas impossível fazer o inverso. Vai daí pôs os generais da UNITA a comer lagosta e, com isso, ganhou a guerra”.

Convenhamos que a sistémica recorrência ao uso de golpes de estado para impor agendas políticas, bem como e as dificuldades provocadas no processo da resolução das crises criadas, constituem motivos de preocupação, uma vez que estão a desafiar princípios fundamentais de paz e segurança, defendidos pela União Africana e pela Organização das Nações Unidas.

McNamara corrobora que a vertente externa é a que melhor resultados trouxe ao regime para, dessa forma, ocultar os problemas internos.

Se pelo voto (quando o há) tudo continua na mesma porque a máquina do poder tritura a oposição e adultera as votações a seu belo prazer, se o povo continua sem comida, casa, saúde, escola, liberdade etc. que forma terá para mudar as coisas?

Almeida da Silva Pinheiro recorda que, “do ponto de vista internacional, o regime tem total cobertura enquanto estiver no poder”, concordando que “existem actualmente ditadores bons e maus e que só os maus devam ser derrubados”.

“É caricato ver o MPLA criticar os governos autoritários ou autocráticos, dizendo defender sociedades e instituições democráticas”, diz Almeida da Silva Pinheiro, referindo que o regime faz um enorme investimento na “lavagem da sua imagem, de que são também exemplos o propalado combate à corrupção e ao tráfico de influências, a defesa da liberdade de Imprensa e de expressão e um bom funcionamento do sistema de justiça, como condição essencial para o aprofundamento da democracia”.

Quanto à liberdade, seja ela qual for, estamos falados mas continuaremos a falar enquanto não nos mandarem para a cadeia alimentar dos jacarés. Hilbert Ganga, Ricardo de Mello, Mfulupinga, João Ngalangombe, Kamulinde e Cassule são alguns dos exemplos de que, afinal, a tese do regime continua a ser a mesma. Para o exterior tentam dar-lhe uma oura nuance: olhai para o que dizemos e não para o que fazemos. E, com a ajuda do petróleo, o mundo continua apenas a olhar para o que dizem.

Pensar com a barriga

Como se não bastasse obrigar o Povo a pensar com a barriga… vazia, João Lourenço teima em demonstrar que os angolanos são matumbos e que, a troco de um saco de fuba ou do fantasma da guerra, irá mantê-los amordaçados e escravizados para sempre. Está enganado. Está enganado, senhor Presidente.

“Está mesmo enganado. Um dia destes o Povo vai sair às ruas, em todo o país, e mostrar que o regime de escravatura tem os dias contados”, diz Carlos Lacerda Chitombi, chamando à colação as promessas do regime sobre, por exemplo, a criação de 500 mil empregos.

Outras das prioridades estabelecidas pelo MPLA foi a Saúde, estando este sector certamente à espera que alguém se lembre da pedir aos pobres dos países ricos para dar aos ricos dos países (supostamente) pobres.

Há quem diga, certamente por deficiência de informação, que no país de João Lourenço (que não é exactamente o dos angolanos) há 70% de pobres. Mas ninguém acredita nisso…

Vejamos. Segundo o próprio João Lourenço, quando ele nasceu já havia muita pobreza na periferia das cidades, nos musseques, e no campo, nas áreas rurais. Antes, José Eduardo dos Santos citava, e muito bem, os poetas Agostinho Neto e António Jacinto que, nos seus versos, denunciavam a miséria extrema, e a exploração do contratado, cujo pagamento era fuba e peixe seco e porrada quando se refilava, uma realidade imortalizada na canção “Monagambé” de Rui Mingas.

É certo que, segundo o MPLA (e por alguma razão – obviamente democrática – ele está no poder desde 1975), há muitos oportunistas que pretendem promover a confusão no país para provocar a subversão (atentem no pormenor) “da ordem democrática estabelecida na Constituição da República, e derrubar governos eleitos, a favor de interesses estrangeiros”.

“Hoje há uma certa confusão em África e alguns querem trazer essa confusão para Angola”, declarou o MPLA, adiantando que “devemos estar atentos e desmascarar os oportunistas, os intriguistas e os demagogos que querem enganar aqueles que não têm o conhecimento da verdade”.

Contra as redes sociais marchar, marchar

Uma coisa que irrita solenemente o Presidente é a perda de controlo sobre o que, num mundo de informação global, se escreve sobre o nosso país e que, assim, desmascara a propaganda dos órgãos oficiais do regime. É por isso que João Lourenço apregoa que nas chamadas redes sociais, que são organizadas via Internet e nalguns outros meios de comunicação social, fala-se de revolução, mas não se fala de alternância democrática.

João Lourenço esquece-se, mas é um pormenor de somenos importância, que para haver alternância democrática é preciso que antes exista democracia. Não se pode querer tudo, dirá certamente e com razão o Presidente.

“Para essa gente, revolução quer dizer juntar pessoas e fazer manifestações, mesmo as não autorizadas, para insultar, denegrir, provocar distúrbios e confusão, com o propósito de obrigar a polícia a agir e poderem dizer que não há liberdade de expressão e não há respeito pelos direitos”, referiu José Eduardo dos Santos naquela que foi uma, apenas mais uma, das suas citações que passaram a integrar as enciclopédia sobre democracia que figuram, em lugar de destaque, nas estantes dos principais areópagos da política internacional.

João Lourenço também diz que os opositores querem apenas colocar fantoches no poder, que obedeçam à vontade de potências estrangeiras que querem voltar a pilhar as riquezas e fazer o povo voltar à miséria de que se está a libertar com sacrifício.

Tem razão. Embora o MPLA pilhe as riquezas e o povo desde 1975, sempre tem a seu favor o facto de impor que os estrangeiros só pilhem se for em parceria com os dirigentes do MPLA.

O Presidente lamenta também o facto de ninguém se lembrar, o que é grave, de dizer que a pobreza não é recente e que é uma pesada herança do colonialismo, para além de ser uma das causas que levou o MPLA a conduzir a luta pela liberdade, para criar o ambiente político necessário para resolver esse grave problema.

Eduardo dos Santos dizia que os índices de pobreza, que estavam em cerca de 70 por cento, baixaram para cerca de 30 por cento. Modéstia, é claro. São muito mais baixos. Tudo depende da metodologia analítica utilizada. Se for feito um, e nem precisa de ser exaustivo, levantamento junto dos angolanos que gravitam no clã presidencial, certamente se chegará à conclusão de que o índice de pobreza é zero.

Ainda segundo o MPLA, no quadro do Programa de Luta contra a Pobreza, se continuar com esse ritmo de redução, a pobreza no país real deixará de existir dentro de alguns anos. Tem, mais uma vez, razão. Sem qualquer custo para o MPLA, sugerimos que o regime exclua dos cálculos da pobreza todos os que são… pobres. Se o fizer pode já anunciar o fim da pobreza.

João Lourenço afirmou também que apesar de não existir país nenhum no mundo sem corrupção, o Governo está a fazer esforços para combater este mal. Mais uma vez, sem custos adicionais, propomos uma medida radical para acabar com essa enfermidade. O MPLA deve mudar o regime legal. É que se a lei não considerar a corrupção como um crime, o país deixa de ser o local do mundo com mais corruptos por metro quadrado.

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