A propósito do nosso património, em sentido lato, não poderá o governo do MPLA candidatar os nossos 20 milhões de pobres, bem como a estratégia de ensinar os angolanos a viver sem… comer e, ainda, num reino em que a fome é “relativa”, a património imaterial da humanidade?
Numa nota de imprensa, por ocasião do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, que hoje se assinala, o ministro da Cultura, Turismo e Ambiente, Filipe Zau, refere que a “UNESCO, é a principal organização responsável pela salvaguarda da herança cultural e natural do mundo, preocupada com os factores de riscos à preservação do património”.
Este ano, a UNESCO entendeu proclamar o tema “Património e Clima, através de diálogos abertos, construtivos e inter-geracionais”, no âmbito das comemorações anuais do Dia 18 de Abril, consagrado aos Monumentos e Sítios.
Segundo o ministro, abordar as implicações das mudanças globais que incidem sobre o Património Cultural e Natural Mundial é um assunto relevante e urgente: “No caso concreto do país, aparentemente, julgamos que o património cultural ou sítios situados na orla costeira correm riscos directos ou mais impactantes. Mas não! As mudanças climáticas incidem sobre o património cultural e natural deixando-os vulneráveis, independentemente da localização geográfica. Os impactos resultantes das mudanças climáticas podem afectar, igualmente, as comunidades e suas tradições (o património cultural imaterial) que são significativos para a nossa Memória Colectiva.”
Na sua visão, “será prudente reflectirmos sobre estas questões para evitarmos que os impactos das mudanças climáticas registadas na história e na cultura de outros povos, nos afectem de forma drástica. No país, são vários os riscos que afectam os milhares de sítios com valor cultural, histórico e arqueológico, uns já classificados e outros por se classificar, tais como, a perda das evidências arqueológicas, devido a mudanças nas condições do solo e do subsolo, danos a edifícios históricos por intrusão de águas subterrâneas e salgadas, danos a materiais orgânicos de construção por migração de pragas e danos estruturais por salitre ou até mesmo de inundações, além de outros danos físicos, como por exemplo os impactos sociais, em que as comunidades migram e o património fica sujeito ao abandonando.”
Felipe Zau entende, por isso, que devemos “abraçar e apoiar a iniciativa da UNESCO e do Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (ICOMOS) em analisar, abordar, reflectir e consciencializar a sociedade, sobre a preservação do nosso variadíssimo património e das nossas ricas tradições, face aos actuais desafios de combater as alterações climáticas e outros riscos modernos que se registam no nosso planeta e que sujeitam a nossa herança histórica e cultural nas suas várias dimensões e naturezas.”
O ministro referiu também que os sítios de valor patrimonial “servem de veículo de comunicação e educação patrimonial, pois propiciam a pesquisa em locais históricos e às práticas ancestrais, para entendermos as respostas passadas às alterações climáticas.”
Filipe Zau lembrou que o programa para as comemorações deste ano do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios comporta um conjunto de acções e actividades, como conferências, palestras, mesa-redonda, exposições, visitas guiadas, visando “a sensibilização da sociedade sobre o impacto ambiental na vida e na cultura dos povos e sobre a preservação do património. Inclui a classificação de 19 bens. Uns elevados pelo seu valor patrimonial à escala nacional e outros que assinalam memórias locais e cuja preservação se torna um imperativo.”
Destacou, no âmbito do programa, “o Descerramento da Placa de Identificação ao Palácio do Governo, como Património Histórico-Cultural Nacional.
O Instituto Nacional do Património Cultural, órgão do Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente, prosseguirá, com o apoio e disponibilidade dos órgãos da Administração Local do Estado, o trabalho de levantamento, identificação, inventariação e classificação de todos os bens que, reunindo condições exigidas para o efeito, devam ser classificados e por via de consequência preservados para as actuais e futuras gerações!” Contudo, disse, a preservação do património Cultural e Natural é uma responsabilidade colectiva.
A coragem de se ser verdadeiro
Numa altura em que até um relatório do Ministério da Saúde indicava que duas crianças morriam por hora devido à fome, aumentando paralelamente o número de pobres que, antes da pandemia de Covid-19, eram 20 milhões, o Governo do MPLA mantem-se firme e continua impávido perante o sério o risco de Angola se transformar num não-país.
Na mesma altura em que organizações da sociedade civil angolana consideram que o aumento de mortes de crianças por desnutrição (fome em bom português) no país deve-se à falta de políticas sociais sustentáveis e ao desprezo a que estão votadas as associações que trabalham com as comunidades mais empobrecidas, é altura de patrimonializar todas essa características.
Um relatório da Direcção Nacional de Saúde Pública (DNSP) sobre a desnutrição no país revelou que, em média, duas crianças com menos de cinco anos morrem em Angola a cada hora devido à fome. Certamente, como parece ser o desígnio nacional do MPLA (o único partido que governa o país há 46 anos), essas crianças faziam parte do colossal conjunto de angolanos que estariam a tentar aprender a viver sem… comer.
Para o líder da organização “Construindo Comunidades”, padre Jacinto Pinto Wacussanga, o quadro “pode ser muito mais grave do que se pode pensar”. E não é por falta de alertas que o Presidente da República, igualmente presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, olha para o lado e assobia. É, isso sim, pelas criminosas políticas económicas e sociais que o seu governo leva a cabo.
O conhecido padre dos Gambos, na Huíla, diz que por falta de comida, “as crianças da região são alimentadas com frutos silvestres e com raízes”. Será que João Lourenço sabe o que são crianças angolanas? Será que sabe que lidera um país rico e que nem nos piores tempos da colonização acontecia tal coisa?
O activista social Fernando Pinto, responsável de uma associação de apoio às crianças pobres do distrito urbano do Zango, em Luanda, dizia que esta realidade é “um retrato fiel do que se passa em Angola, até mesmo na sua capital”.
Além da falta de alimentos em vários lugares, ocorrem rupturas constantes de stock de produtos terapêuticos nos centros de saúde, atraso na planificação e o número insuficiente de pessoal capacitado para tratar a desnutrição aguda. É claro que os filhos dos dirigentes, e de outros ilustres acólitos do MPLA, vivem noutro mundo, eventualmente por pertencerem a uma casta superior e não terem o estatuto de escravos como acontece com estas crianças.
Em Abril de 2020, o secretário-geral das Nações Unidos, António Guterres, alertou no Relatório Global de Crises Alimentares que o mundo arriscava-se a derrapar para uma tragédia de fome “de proporções bíblicas”.
“Se nada for feito, o número de pessoas em risco de insegurança alimentar aguda no mundo pode mesmo quase duplicar este ano e chegar aos 265 milhões de vítimas, face aos 135 milhões de 2019”, lia-se no documento que, numa lista de 35 países, alertava para a situação de Angola.
“A insegurança alimentar aumentou devido à seca nas províncias do sul e o afluxo de refugiados da República Democrática do Congo”, concluiu o relatório, que indicou que essa situação estava a afectar mais de 562 mil pessoas.
A ONU concluiu que “mais de 8 por cento das crianças com menos de cinco anos sofriam de desnutrição grave e perto de 30 por cento tinham problemas de crescimento”.
Recorde-se que o Presidente João Lourenço mentiu quando, na célebre entrevista à RTP, disse que não havia fome em Angola, retratando que o que havia, apenas aqui ou ali, era uma ligeiríssima má-nutrição. E com ele mentiram também o Presidente do MPLA, João Lourenço, e o Titular do Poder Executivo, João Lourenço. Mais tarde explicou que a fome era “relativa”…
Provavelmente João Lourenço deve ter feito estas declarações à RTP depois de um frugal e singelo almoço, do tipo trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, e várias garrafas de Château-Grillet 2005.
Compreende-se (isto é como quem diz!), que tenha arrotado esta (e outras) mentira em solidariedade com os nossos 20 milhões de pobres que, por sua vez, arrotam à fome e morrem a sonhar com uma refeição.
Em 2018, os próprios dados governamentais davam conta que Angola tinha uma taxa de desnutrição crónica na ordem dos 38 por cento, com metade das províncias do país em situação de “extrema gravidade de desnutrição”, onde se destacava o Bié, com 51%.
As províncias do Bié com 51%, Cuanza Sul com 49%, Cuanza Norte com 45% e o Huambo com 44% foram apontadas, na altura, pela chefe do Programa Nacional de Nutrição, Maria Futi Tati, como as que apresentavam maiores indicadores de desnutrição.
“São cerca de nove províncias que estão em situação de extrema gravidade de desnutrição, sete províncias em situação de prevalência elevada e duas províncias em situação de prevalência média”, apontou Maria Futi Tati, em Junho de 2018.
Um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) indicava que, em Angola, 23,9% da população passa fome.
Em Angola, segundo a FAO, “23,9% da população passa fome”, o que equivale a que “6,9 milhões de angolanos não tenham acesso mínimo a alimentos”.