O Governo angolano considerou hoje que “acabou a sensação de impunidade” no país e reafirmou que a luta contra a corrupção “continua no topo da governação”, sublinhando que os resultados do processo, que se iniciou em 2017, “estão visíveis”. Sim, é verdade. “Acabou ou sensação”, mas a impunidade continua pujante, quiçá ainda com mais virilidade do que no tempo do anterior patrono de João Lourenço.
Segundo o ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República de Angola, Adão de Almeida, o “combate cerrado contra a corrupção”, iniciado no mandato de João Lourenço, em 2017, “tem sido feito, não com palavras, mas com acção concreta”. Quem diria que Adão de Almeida também assume a sua candidatura aos primeiros lugares do anedotário nacional?
Os resultados “estão visíveis aos olhos de todos, acabou a sensação de impunidade, melhorou substancialmente a qualidade da despesa pública e aumentou consideravelmente o rigor na gestão da coisa pública”, disse o ministro depois de ter decorado (e isso é coisa que ele faz exemplarmente) as ordens superiores do seu querido líder partidário, João Lourenço.
Para Adão de Almeida, os angolanos “conhecem bem” a dimensão do mal causado pela corrupção e percebem a importância do trabalho para a erradicação deste fenómeno “de modo estruturado, consistente e permanente”.
“Cada etapa da nossa história é singular, cada época tem as suas particularidades e desafios, o combate à corrupção é um dos principais desafios do nosso tempo”, afirmou o governante no seu discurso de abertura da conferência internacional sobre “Recuperação de Activos”.
Recorde-se, para melhor se entender a honorabilidade de Adão de Almeida, bem cimentada muito antes da chegada de João Lourenço a presidente, que 2012 a 2017 foi Secretário de Estado da Administração do Território para os Assuntos Institucionais; de 2010 a 2012 foi Vice-ministro da Administração do Território para os Assuntos Institucionais e Eleitorais; que de 2005 a 2009 foi Membro da Comissão Nacional Eleitoral; que em 2009 foi Membro da Comissão Técnica da Comissão Constitucional da Assembleia Nacional e Formador do Instituto Nacional de Estudos Judiciários; que em 2008 e 2009 foi Membro da Comissão de Reforma da Justiça e do Direito em Angola; que de 2005 a 2008 Docente de Direito Constitucional na Universidade Lusíada de Angola nos cursos de Direito e Relações Internacionais; que em 2005 foi Consultor do Ministro da Administração do Território; que em 2004 e 2005 foi Membro da Comissão Técnica que elaborou o pacote legislativo eleitoral; que de 2003 a 2010 foi Assessor Jurídico do Grupo Parlamentar do MPLA e que em 2003 e 2004 foi Secretário-Geral da Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto.
“Apoiar o combate à corrupção e apoiar para o seu êxito, não é uma opção, é uma obrigação patriótica de cada um de nós, a luta contra a corrupção deve ser de todos”, defendeu Adão de Almeida. Deve ser de todos, mas não é. Por alguma razão o seu actual patrono, ex-ministro da “seita” anterior, diz que viu roubar, participou nos roubos, beneficiou dos roubos mas – acrescenta – não é ladrão.
O ministro observou também que a criminalidade económico-financeira “pode comprometer os objectivos enquanto Estado, além dos danos directos que causa, potencializa uma série de outros actos, não menos nocivos”. Faltou dizer que, por estar há pouco tempo no Poder, só 46 anos, o MPLA ainda não conseguiu fazer de Angola aquilo que ela não é – um Estado de Direito Democrático.
“Entre nós, o crime de peculato assume particular relevância, mas não esgota o vasto leque de condutas que lesam o erário, corroem os pilares da sociedade e comprometem o normal funcionamento da actividade económica”, frisou o ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República.
A conferência foi promovida hoje, em Luanda, no âmbito das celebrações dos 43 anos da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola, tendo como pano de fundo a abordagem sobre a recuperação de activos.
O combate à corrupção, nepotismo e impunidade constituem, de acordo com a propaganda do MPLA, os supostos principais eixos da governação de João Lourenço, no poder há quase cinco anos, depois de ter sido auxiliar dilecto do anterior Presidente, José Eduardo dos Santos, que aliás o impôs como seu sucessor.
Adão de Almeida, que falava em representação do Presidente João Lourenço (não nominalmente eleito), igualmente Presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Amadas, realçou que “apesar da experiência angolana no domínio da recuperação de activos não ser longa, o seu percurso é já assinalável e bastante encorajador”.
“Os ingredientes de base são a coragem da liderança, a determinação dos vários intervenientes e a mobilização da sociedade”, apontou.
Enalteceu a quantidade de activos recuperados, quer em recursos financeiros e não financeiros, tendo garantindo que a Lei da Apropriação Pública, aprovada recentemente pelo parlamento, “vai, entre outros, reforçar os mecanismos de recuperação de activos”.
O referido diploma legal deve reforçar também a posição jurídica do Estado e “agilizar os processos de reintegração para a esfera patrimonial do Estado dos activos recuperados”.
Salvaguardando sempre o direito de propriedade privada de cada cidadão, notou o ministro, “é necessário assegurar que os activos recuperados não percam o seu valor hibernados num local qualquer”.
“É necessário decidir rápido para evitar que a recuperação de activos seja prejudicial para o país”, defendeu o ministro, rematando que “a realização da justiça, que se quer plena e efectiva, só o será de facto se formos capazes de fazer regressar ao domínio público os bens que dele foram ilicitamente subtraídos”.
O procurador-geral da República, general Hélder Pitta Grós, disse, na sua intervenção, que os sectores da economia do país mais lesados pela corrupção foram os da construção civil, obras públicas, petróleo e diamantes.
Pitta Grós recordou que nos últimos três anos foram recuperados activos financeiros e não financeiros avaliados em mais de 5 mil milhões de dólares (4,7 mil milhões de euros).
“Ainda nesse período, foram apreendidos em alguns processos e noutros arrestados bens móveis, constituídos com fundos públicos no valor de cerca de 12 mil milhões de dólares [11,3 mil milhões de euros], cerca de 6,7 mil milhões [6,35 mil milhões de euros] em Angola e o restante no exterior”, referiu.
Folha 8 com Lusa
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