Angola assumiu no dia 1 de Março de 2016 a Presidência rotativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Deveria ser a 1 de Março de 2022. Seria uma boa forma de não ter medo de mostrar solidariedade total com o patrão do MPLA, Vladimir Putin, e criticar os bandidos dos ucranianos…
Façamos uma reflexão. Viver em paz é algo que não agrada ao MPLA. Com o fim da guerra, em 2002, acabou o sagrado bode expiatório que o regime tinha para fazer o que quisesse sem dar explicações e, também, sem estar sujeito ao escrutínio dos angolanos. E isso foi um enorme, enormíssimo, transtorno para as negociatas dos homens e mulheres do Presidente. E também para o próprio Presidente.
Por alguma razão, 20 anos depois da paz, Angola gasta mais na defesa do que a África do Sul e Nigéria em conjunto. Ou será por isso que o país tece assento no Conselho de Segurança da ONU?
Entalada na garganta funda do regime está o facto de o seu adversário militar de décadas, a UNITA, não querer voltar aos tiros, mesmo quando o MPLA, este MPLA, inventa situações de guerra. Dava muito jeito que os homens do Galo Negro se fartassem da vilanagem e resolvessem dizer, como defendia Jonas Savimbi, que mais vale morrer do que ser escravo.
“Para a UNITA, a guerra nunca mais. É isso que nós queremos garantir aos angolanos, porquanto devem sentir-se à vontade, fazendo os seus planos de vida”, sustenta o Galo Negro, destacando os ganhos da paz em todo o país.
Ou seja, a UNITA faz politicamente o jogo do regime de modo a que a este faltem argumentos para, 20 anos depois do calar das armas, ressuscitar o fantasma da guerra. A estratégia está, contudo, a irritar o MPLA que quer escapar da teia de corrupção e má governação e, para isso, só conhece uma estratégia: culpar a Oposição e acenar ao mundo com o terrorismo e o contíguo regresso à guerra.
Ciente da cilada que todos os dias lhe é montada, a Oposição política defende, serena e quase servilmente, a tese de que é necessário implementar mais acções tendentes a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, rumo ao desenvolvimento integral do país.
“Apesar de se ter feito muito, nos últimos 20 anos, pensamos que o Executivo deve fazer um bocadinho mais, para dar a estabilidade e segurança às populações, mormente no que toca ao emprego, alimentação e habitação”, diz a UNITA num elogio sarcástico que irrita solenemente o regime.
De uma forma geral, a Oposição sabe que o regime não pode ser derrotado pela crítica. Vai daí, tenta assassiná-lo pelo elogio.
Bem vistas as coisas, o MPLA, ou seja, o regime, continua a provocar deliberada e conscientemente a UNITA, o único partido que conseguiu responder à razão da força do regime com a mesma moeda. Para o MPLA vale tudo. Até mesmo dizer que no país existem apenas angolanos de primeira, os do MPLA, e os outros, uma subespécie que teima em resistir.
Agressões, prisões, violações e assassinatos fazem parte de uma estratégia que visa dar ao governo razões para calar e amedrontar toda a sociedade angolana.
O regime aproveitou o facto de ser membro do Conselho de Segurança da ONU para, de forma impune e não sujeita a escrutínio, aniquilar todos os que possam pôr em causa a efectiva política de partido único, de ditadura, que está no seu ADN.
Como é que se altera este estado de coisas? Excluindo a remota e ténue possibilidade de o regime ser alterado por dentro, como à boca-pequena advogam alguns prestigiados militantes do MPLA, só mesmo um levantamento popular, necessariamente violento no seu enquadramento político, pode levar à alteração do regime, se bem que a conjuntura internacional não seja favorável a essa reacção.
E não é favorável porque, assim se diz nos bastidores dos principais areópagos políticos internacionais, José Eduardo dos Santos ante e hoje João Lourenço têm o estatuto de ditadores bons. E enquanto assim for…
De facto, nada melhor do que o fantasma da guerra interna e do terrorismo regional para o MPLA fazer, com a cobertura implícita da comunidade internacional, todas as purgas que ache convenientes e cortar pela raiz todas as veleidades dos que que querem que Angola seja um verdadeiro Estado de Direito Democrático.
A oposição, seja ela política ou social, está no meio de um complicado fogo cruzado. Mesmo nada fazendo é sempre culpada de tudo fazer.
Os angolanos estão assim, como era esperado, entre a espada e a… espada. Se nada fizerem continuarão a ser enxovalhados, se reagirem vão ser acusada de estar a fomentar a rebelião, de acções terroristas, ou até mesmo de estarem a preparar uma nova guerra. Se calhar até serão chamados de ucranianos…
Quando o então ministro Georges Chikoti afirmou nos areópagos internacionais que, em África, por exemplo, nos últimos anos está-se a viver situações de conflito em certas regiões que começaram a pôr em causa a própria noção clássica do Estado, quando se olha aos casos da Líbia, do Egipto, Mali, Nigéria e Somália, está a defender a necessidade de a comunidade internacional olhar para Angola como um porto seguro, um paradigma de estabilidade.
Georges Chikoti afirmava que Angola considera a paz e a segurança premissas fundamentais para que qualquer nação possa realizar plenamente o seu potencial, em termos de desenvolvimento, democracia e promoção dos direitos humanos, acrescentando que a política externa angolana defende relações de boa vizinhança, baseadas em princípios de respeito da soberania, da igualdade, da integridade territorial dos Estados dentro de uma cooperação reciprocamente vantajosos. Fosse hoje e certamente citaria o exemplo da Rússia/Putin na “pacificação” da Ucrânia.
Se pelo voto (quando o há) tudo continua na mesma porque a máquina do poder tritura a oposição e adultera as votações a seu belo prazer, se o povo angolano continua sem comida, casa, saúde, escola, liberdade etc. que forma terá para mudar as coisas?
Nenhuma. Desde logo porque – de acordos com as teses do MPLA – nesta altura existem ditadores bons (tipo Rússia/URSS) e maus (Ucrânia)-, sendo que só os maus devem ser derrubados.
Foi caricato ver Eduardo dos Santos criticar os governos autoritários ou autocráticos, dizendo defender sociedades e instituições democráticas, ao mesmo tempo que gasta milhões na lavagem da sua imagem e no propalado combate à corrupção e ao tráfico de influências, na suposta defesa da liberdade de Imprensa e de expressão e do bom funcionamento do sistema de justiça, como condição essencial para o aprofundamento da democracia. É caricato ver, hoje, João Lourenço dizer o mesmo.
O Presidente (não nominalmente eleito) João Lourenço defendeu no dia 24 de Setembro de 2019, uma reformulação da composição do Conselho de Segurança das Nações Unidas, propondo a entrada de representantes africanos e sul-americanos para “reflectir o justo equilíbrio geoestratégico mundial”.
Falando na Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, João Lourenço defendeu uma “reforma profunda da ONU para melhor competir com as grandes responsabilidades que tem na gestão e resolução de conflitos e prevenção das guerras” e vincou a necessidade de reformular o Conselho de Segurança.
“Reiteramos a necessidade de alargar os membros permanentes do Conselho de Segurança para contemplar África e a América do Sul, pelo facto de a actual composição que colocou as potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial já não reflectir a necessidade de um mais justo equilíbrio geoestratégico mundial”, vincou o chefe de Estado angolano.
Numa intervenção onde chamou a atenção para a necessidade de optar pelo multilateralismo, “porque só ele contribui efectivamente para a paz e segurança mundiais”, João Lourenço elencou a península coreana, o Médio Oriente e o Golfo Pérsico como regiões problemáticas, exortando a ONU e a União Africana a dedicarem-se mais à Líbia.
“A ONU e a União Africana devem emprestar mais atenção à necessidade de normalizar a situação política na Líbia, pelo facto de os grupos terroristas controlados pelas diferentes milícias serem a fonte de abastecimento logístico dos grupos fundamentalistas que actuam no continente”, disse João Lourenço.
“África vem sendo assolada pelo terrorismo, sobretudo de cariz fundamentalista religioso, em países como o Mali, Níger, Nigéria, Camarões, Burkina Faso, Chade, República Centro-Africana e Somália, para citar apenas alguns”, apontou.
Apelando ao fim do embargo a Cuba e ao fim da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China “pelas consequências nefastas que já se fazem sentir na economia mundial”, João Lourenço deixou ainda uma palavra sobre o meio ambiente, antes de defender o investimento estrangeiro em Angola.
“Os exemplos concretos do fenómeno das alterações climáticas e do aquecimento global multiplicam-se pelo mundo fora, o que nos leva a associar-nos aos que denunciam a irresponsabilidade dos que persistem em ignorar esses sinais e se acham no direito de financiar as indústrias poluentes”, disse o Presidente de Angola.
Sobre o país, Lourenço destacou, no final da intervenção, que “Angola está aberta ao mundo, ao investimento estrangeiro em todos os domínios da economia”, e exemplificou com as cerca de 150 privatizações que vão ser lançadas para sustentar que o Governo “encara os desafios de forma bastante séria e transparente”.