A Friends of Angola (FoA) repudia o impedimento do exercício do direito de reunião contra os “manifestantes pacíficos” no sábado passado, em Luanda, e “exige” que o Presidente angolano obrigue os agentes do Estado a respeitarem os direitos humanos. Ou seja, julga que o reino é um Estado de Direito…
A FoA, organização não-governamental, em carta enviada ao Presidente João Lourenço, lembra (como se o dono disto tudo não soubesse) que a Constituição angolana estipula que a realização de manifestações pacíficas não carece de autorização. Pena é que esta entidade não se lembre que acima das leis do país e da Constituição está, há 47 anos, a lei do MPLA.
Na carta, associação cívica manifesta “repúdio contra violações dos direitos de reunião e de manifestação” e “exige” às autoridades angolanas a abertura de uma investigação visando responsabilizar judicialmente os autores e mandantes e dos crimes de agressão cometidos contra os manifestantes pacíficos no dia 19″.
Ao ouvir falar das “exigências” da FoA, o Presidente do MPLA (em clara solidariedade com o Presidente da República, com o Titular do Poder Executivo e com o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas) mandou colocar a organização cívica no topo do anedotário nacional.
Pelo menos 22 manifestantes foram detidos no sábado passado, em Luanda, quando pretendiam participar numa marcha para exigir a libertação dos activistas Luther Campos e Tanaice Neutro, ambos considerados “presos políticos”.
“Está averbado na memória da sociedade angolana que as forças de manutenção da ordem pública – durante a governação do Presidente João Lourenço – têm sido selectivas no uso da força contra os manifestantes pacíficos”, lê-se na carta datada de 22 de Novembro de 2022.
A Constituição, refere a FoA, garante a “qualquer cidadão o direito de se manifestar, independentemente da sua orientação política, crença religiosa ou raça, mas, no entanto, a alguns é impedida e a outros é permitida a realização de manifestações”.
Segundo a associação, as manifestações de apoio ao Presidente angolano e/ou ao seu partido MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola, no poder desde 1975) “são permitidas sem que quem nelas participe seja alvo da brutalidade policial”.
Em relação aos actos de sábado passado, a FoA “exige” que o Presidente angolano obrigue os agentes do Estado ao respeito pelos direitos humanos universalmente reconhecidos, que são parte do ordenamento jurídico angolano, “mas que são sistematicamente violados pelos agentes do Estado”.
“Estes (agentes do Estado) que, por imperativo da lei, deveriam ser os primeiros a respeitar e a fazer com que fossem sempre respeitados”, observa-se na carta assinada pelo director executivo da FoA, Florindo Chivucute.
O documento foi enviado ao Presidente angolano com o conhecimento dos ministros da Justiça e dos Direitos Humanos, Marcy Lopes, e do Interior, Eugénio Laborinho, que testemunharam e entrada do devaneio dialéctico da FoA para o ranking das melhores anedotas do consulado de João Lourenço.
RETROCESSO NA (FRÁGIL) DEMOCRACIA
Fazendo apenas o que sabe, e pode fazer, a FoA vai escrevendo cartas. No dia 17 de Março, por exemplo, manifestou preocupação com o “retrocesso da frágil da democracia” angolana, “evidenciado pela redução das liberdades de imprensa, expressão e pensamento”, considerando que o novo Código Penal “está a produzir vítimas”.
Em carta (mais uma) aberta ao Presidente João Lourenço, igualmente Presidente do partido que (des)governa Angola há 47 anos (MPLA) e Titular do Poder Executivo, a FoA referia que alguns artigos do novo Código Penal angolano “estão a produzir vítimas, como o jovem activista Luther Campos, abusivamente detido em sua casa, sem mandado de detenção, em Janeiro de 2022”.
Luther Campos foi detido, em Luanda, na sequência da greve dos taxistas, a 10 de Janeiro de 2022, que resultou em vandalização de um autocarro público e de um comité distrital do MPLA. Para a FoA, a detenção do jovem activista configurava um retrocesso da democracia do país, assim como o impedimento de três jovens que tencionavam viajar para Cabo Verde em Novembro de 2021.
“Viajariam a convite da Friends of Angola no âmbito do programa de troca de experiências sobre o funcionamento do processo democrático, com o foco especial particularmente centrado nas autarquias cabo-verdianas”, lê-se na carta, assinada pelo director executivo da organização, Florindo Chicuvete.
“Nessa data, no Aeroporto de Luanda, agentes dos serviços de emigração confiscaram os passaportes dos três jovens e propositadamente, sem qualquer respaldo na lei, só os devolveram depois de ter terminado o ‘check-in’ para o voo em que deveriam embarcar”, recorda a ONG.
A FoA referia que vem assistindo à “regularização da criminalização política principal e especialmente de jovens activistas cívico políticos. Jovens cidadãs e cidadãos que – livre e desinteressadamente – cada vez mais se entregam à causa do desenvolvimento democrático da sociedade angolana”.
Segundo a organização, jovens activistas em Angola “têm sido sistematicamente intimidados por agentes dos serviços secretos ligados supostamente ao Presidente angolano”, e refere que no país “campeia cada vez mais a brutalidade escorada na falta de cultura democrática e de respeito pelos direitos constitucionais”.
“Senhor Presidente João Lourenço, tenha em consideração que as violações [grosseiras e sistematicamente impunes] dos Direitos Humanos que vêm sendo cometidas em Angola por agentes do Estado que dirige, constituem atentados contra a sociedade angolana”, assinalava.
Estas acções, realçou, “consubstanciam gravíssimas ameaças crescentes à Paz e uma obstrução intencional à mais plena realização da democracia e consequentemente ao desenvolvimento harmonioso do país”.
De acordo com a FoA, Angola “tem um histórico de turbulência, marcado por gravíssimos crimes hediondos cometidos contra o povo”, pelo que, alertam (como se ele se preocupasse com isso) o Presidente angolano que o povo não pode voltar “a ser vítima de crimes contra a humanidade”.
“Daí que, Sr. Presidente João Lourenço, quem chefia o Estado e governa o país deve ter sempre em consideração que, como a história registou em vários países do mundo, as violações sistemáticas da liberdade e de direitos antecedem quase sempre o cometimento de crimes hediondos”, observou.
Para que em Angola “se garanta a paz e o bem-estar a todas e todos”, a FoA pede ao Presidente que promova a “revogação de leis que reduzem liberdades e também que, efectivamente, se oponha aos comportamentos desumanos e antidemocráticos dos agentes do Estado”.
A ONG pedia ontem, como pede hoje e pedirá amanhã, que estes “sejam punidos sempre que violem direitos humanos ou se dediquem à intimidação e à repressão criminosa das cidadãs e dos cidadãos”, lê-se na carta.
Quando a FoA, organização dos direitos humanos criada por angolanos e sediada nos Estados Unidos da América, organizou no dia 26 de Junho de 2018 a segunda “Avaliação do desempenho do Chefe de Estado angolano João Lourenço à luz do seu discurso e prática”, o director do Folha 8, William Tonet, foi o orador convidado.
Para William Tonet, na altura como hoje, a questão fulcral que os angolanos devem questionar e procurar saber nos dias de hoje é “se estamos na presença de facto de uma mudança ou se estamos na presença de uma transição ou se ainda estamos simplesmente na presença de uma rotação”.
Para William Tonet, desde 2017 até à data actual Angola ainda não assistiu uma mudança, mas houve, sim, “apenas uma rotação” no país, e tal rotação verificou-se justamente no MPLA. Tonet disse ainda que se os angolanos questionarem ao próprio MPLA sobre a “rotação” de José Eduardo dos Santos para João Manuel Gonçalves Lourenço poderá não saber responder ou explicar, porque eles apenas sabem que João Lourenço foi indicado pelo ex-presidente, sem direito a justificação.
William Tonet disse, na altura, que “se os angolanos estivessem em democracia e não em demo-ditadura o presidente da República justificaria aos eleitores porquê fez aquelas exonerações ou que continua fazendo, que infelizmente nada aconteceu ou acontece”. Ainda na sua explanação, o também jurista disse que o presidente da República perde muito tempo estando focado no MPLA. Tonet não acredita que o próprio MPLA e os angolanos saiam a ganhar com uma “acumulação de poder” (presidente do MPLA e presidente da República).
“O poder corrompe, muito poder corrompe ainda mais”, realçou William Tonet.
Para William Tonet, o presidente João Lourenço procurava apenas ser fiel à primeira constituição do MPLA, uma constituição imposta ao povo porque foi exclusivamente aprovada a 10 de Novembro de 1975 pelo Comité Central do MPLA.
“Num dos epígrafes dessa constituição diz: ser o presidente da República e ser também o presidente do MPLA. Porque a presidência do MPLA está acima de todos os outros poderes que existem em Angola”, avançou William Tonet.
Olhando para o sector da justiça, William Tonet não tem dúvidas de que “a justiça angolana ainda age com algumas anomalias, e quando o sistema de justiça age à margem da lei é porque o referido sistema apoia a ditadura, a desigualdade, e mais uma vez mostra claramente que esse princípio atenta a liberdade”.
A opção por militares para procurador-geral da República feita tanto pelo anterior como pelo actual presidente não é, para William Tonet, mera coincidência, visto que em política não existem coincidências.
“Tal prática tem acontecido porque é mais fácil nomear um procurador militar do que civil, isto porque o militar torna o presidente mais cómodo”, disse.