Angola vai escolher os seus representantes na Assembleia Nacional a 24 de Agosto e, dessa forma, fazer com que o cabeça-de-lista do partido mais votado seja designado como Presidente da República.
O anúncio foi feito depois de o Presidente angolano, João Lourenço, igualmente Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, ter reunido com o Conselho da República, a quem propôs convocar as eleições gerais para 24 de Agosto.
“Nos termos da Constituição da República de Angola e da Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, após parecer favorável da Comissão Nacional Eleitoral relativa à existência de condições para que as eleições gerais de 2022 se realizem no período constitucionalmente definido, e ouvido o Conselho da República, em obediência ao procedimento legalmente definido, o Presidente da República convoca as eleições gerais para a eleição do Presidente da República e dos Deputados à Assembleia Nacional e fixa a data de 24 de Agosto de 2022 para a sua realização”, lê-se na nota de imprensa divulgada pela Casa Civil do Presidente da Republica.
Será a quinta vez em 46 anos que Angola realiza o que mais se aproxima de eleições desde 1992 e João Lourenço, eleito a 23 de Agosto de 2017, é o cabeça-de-lista do MPLA que se “candidata” a um segundo mandato.
Luísa Damião, a vice-presidente do MPLA, partido no poder há 46 anos, afirma que continuam a sensibilizar (sinónimo da coagir pela barriga) os seus potenciais eleitores para que as eleições de Agosto sejam realizadas “de forma ordeira e tranquila”.
“A democracia faz-se com todos, mas precisamos de respeitar as leis e nós somos partidos com assento parlamentar, somos nós que aprovamos as leis então devemos levar ao conhecimento dos potenciais eleitores para que eles possam estar dentro do assunto e não tenham dúvidas”, salientou Luísa Damião, dando a entender que os potenciais eleitores são matumbos e, por isso, precisam que o “guia do povo” os eduque. Tem razão. Se não fosse isso o MPLA estaria, há muito, a fazer a travessia do deserto na oposição.
Segundo Luísa Damião, o MPLA tem estado a apelar “para que se evite a violência, para que se evite a intolerância política”.
“Para que todos nós possamos colocar as nossas impressões digitais, para que este processo seja de facto uma verdadeira festa da democracia”, referiu. Mais uma vez tem razão. Como em 46 anos o MPLA só estupidificou os angolanos, são milhões que têm de “colocar as impressões digitais” no boletim de voto (Impressão Digital: Reprodução, sobre papel, das cristas papilares para identificação pessoal).
“Estamos a educar os nossos eleitores neste sentido e penso que todos nós que estamos neste processo da construção do fortalecimento da nossa democracia, devemos trabalhar na sensibilização dos nossos potenciais eleitores para não aderirem à violência e à intolerância política”, acrescentou a senhora.
A vice-presidente do MPLA disse que o partido tem realizado trabalhos no âmbito da educação cívica, para a “elevação cívica e eleitoral” dos cidadãos, bem como “fazê-los compreender que as eleições devem ser um processo onde cada um participe de forma livre, mas para isso têm que estar habilitados para tal”.
Partido Estado, Estado partido
A nossa (salvo seja!) querida Luísa Damião é mesmo uma prestidigitadora sublime, até mesmo quando refuta que haja partidarização em Angola, na escolha dos quadros que dirigem o país há 46 anos. Tem toda a razão. Como é que alguém pode falar de partidarização se, desde 1975, todos sabem que o MPLA é Angola e que Angola é do MPLA?
“Não acho que haja, assim, tanta partidarização, porque o partido que vence as eleições está no direito de escolher quadros da sua confiança. E em qualquer país do Mundo é assim que acontece. Não é que haja partidarização. Não”, sustentou Luísa Damião com o brilhantismo intelectual que se lhe reconhece e que, regra geral, anda em constante transumância entre o intestino fino e o intestino grosso. E como para além dos que trabalham nos partidos não há quadros independentes…
Aliás, como nos ensinaram os grandes líderes da nossa classe operária, Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos e João Lourenço, em Angola a regra revolucionária era, é e será sempre a mesma: Entre um génio sem partido e um néscio com cartão do MPLA, o patriotismo exige que se contrate o néscio.
“Revisionismo histórico: promotor da Unidade Nacional, ou instrumento de manipulação e opressão política?” “Dos fracos e vencidos não reza a História”, são as traves-mestras das políticas do MPLA, pouco importando que por circunstancialismo estratégicos de manutenção de poder seja necessário, de quando em vez, dizer o contrário e até sacrificar algum dirigente.
Que o MPLA nunca foi um partido preocupado com a inclusão “dos outros”, tão angolanos quanto os seus próprios militantes (alguns se calhar até mais), trazendo-os para o palco do debate político consequente, disso ninguém pode ter dúvidas. Entre “integrar” e “submeter”, a escolha tem sempre recaído na segunda alternativa. Sem surpresa! Está no seu ADN.
O MPLA sempre cultivou a ideia de que, fora do Partido, “nem inteligência e nem sapiência!”. Dito de outra forma, o partido hegemónico em Angola, atento ao seu autoproclamado papel messiânico, desde cedo incutiu nos seus militantes a crença de que entregar os comandos do País à Oposição, qualquer que ela fosse, seria o mesmo que “abrir as portas do inferno”. Sem o MPLA para nos valer, profetizam os seus dirigentes, restaria apenas um deserto estéril e amorfo, e os angolanos perderiam a sua identidade, tornando-se um povo à deriva, sem futuro e sem esperança.
Nada mais falso. Mas é preciso estar sempre atento. A máquina da propaganda, que entre cargos para uns e fuba (mesmo que podre) para quase todos, nos abalroa todos os dias e não tem descanso. Trabalha sem parar.
A hegemonia opressora do MPLA (partido que criou e desenvolveu à sua volta, uma aura santificada de infalibilidade) tem condicionado, fortemente, o surgimento e consolidação de uma alternativa sólida de governo, minando a autoconfiança dos agentes políticos da Oposição, “domesticando-os” em certa medida, e adormecendo-os “num sono de benesses e falsas honrarias”. E o medo do desafio de governar a enorme crise angolana, cheia de buracos escuros e de alçapões, adensa-se e toma conta dos líderes da Oposição, que receiam atirar-se à “fogueira”. Por isso reagiam timidamente e nunca agiam. Agora prometem o oposto. Veremos.
O despudor inerente ao revisionismo histórico em Angola não incomoda… nunca incomodou a “cadeira do Poder”. Antes pelo contrário. A acção deliberada de falsear a História visa reforçar o “castelo” onde se refugia e prospera a chamada “elite dirigente”. Extirpar do seu sentido maior, por exemplo, o esforço patriótico empreendido pelos demais partidos históricos, que também tiveram o seu quinhão na luta anticolonialista, significa retirar importância à própria luta armada, e ao sacrifício representado pela morte de milhares de angolanos. Mas também aqui, a necessidade permanente de reafirmação política da “elite dirigente” sobrepõe-se a qualquer outro ditame, não admitindo, à “concorrência”, a veleidade de grandes voos… nem mesmo que só históricos.
Por preguiça mental, alguns intelectuais e historiadores angolanos (acríticos, ou mais ou menos a soldo do regime) não se dão, sequer, ao trabalho de consultar, seriamente, as numerosas fontes históricas que retratam um MPLA-guerrilheiro, conduzido com uma visão profundamente autocrática e violenta, e que, uma vez proclamada a Dipanda, logrou trazer para o Estado embrionário que criou e ainda tutela, todos os vícios totalitários dos regimes políticos que o influenciaram.
O Povo angolano sabe quem são os seus verdadeiros heróis, e não os mistura com os “heróis de plástico” apresentados pela propaganda oficial. “Verdadeiros heróis” porque também os há fabricados, alindados no seu carácter, despidos das suas contradições e excessos, alguns deles alçados mesmo à condição de semideuses… os “eternos libertadores do Povo”, a quem tudo é permitido. E é aqui que reside o problema.
Angola tem sido mergulhada, ao longo das últimas décadas, numa intencional lavagem cerebral, de consequências imprevisíveis para o resgate da Verdade histórica, que se desejaria inclusiva e plural.
Já no tempo da luta armada, cedo o MPLA revelou o que lhe ia na alma: o seu carácter exclusivista, sectário, defensor da exclusão do “outro”. Por isso, também, ainda que se arvorasse a pertença a um extracto superior de revolucionários, nunca o MPLA se inclinou a construir pontes com outros movimentos nacionalistas, condenando nestes a ousadia de lhe disputarem o título de libertadores e o exclusivismo revolucionário. E a situação mantém-se, sem evidência de qualquer vontade de mudança.
Para apagar o contributo dos principais partidos da Oposição da memória das gerações pós-Independência, não é preciso que se fale mal desses patriotas. Basta que, nos livros oficiais adoptados pelas escolas do País, não se fale da sua acção em prol da autonomia da Nação. É, pois, o “apagamento propositado do outro” que nos conduz à situação presente de hegemonia do MPLA na sociedade angolana. O grande culpado da falta de preparação da Oposição para o exercício do Poder é o próprio partido que dela tem beneficiado. Daí a mesquinhez “adivinhada” no slogan do Partido divino: “Ou nós, ou o caos!”
Se hoje “só o MPLA tem obra para mostrar ao Povo”, como disse João Lourenço num comício no Huambo, tal situação é fruto da sistemática desvalorização do papel dos partidos da Oposição ao regime, distorcendo e menorizando a sua representatividade, falseando a Verdade histórica e condicionando as escolhas populares, por forma a eternizar-se no Poder.
A acção propagandística do MPLA, incidente nas populações menos intelectualizadas, nas aldeias, nas pequenas cidades da Angola profunda, nos musseques e junto de algumas faixas do desmesurado funcionalismo público angolano, têm sido sempre no sentido de condicionar o voto popular na sua pluralidade, quer pela criação de um clima psicológico de medo da mudança, quer pelo incentivar de um fenómeno de dependência patológica (muito parecido, nos seus efeitos, à toxicodependência).
No mais íntimo do seu ser, o dirigente do MPLA sente, realmente, que faz parte de uma “casta superior”, a quem foi divinamente atribuída a “missão evangélica” de tomar conta de Angola e dos seus Povos, dos negócios do Estado e da Arca do Tesouro nacional.
A queda (que será inevitável) do regime vigente, mesmo que suportado por dezenas de anos de poder (ou até talvez por isso mesmo), arrastará, inevitavelmente, o reescrever da História de Angola, libertando-a das carregadas cores dogmáticas e ideológicas impostas pelo MPLA, dessa forma permitindo que as novas gerações tenham acesso, finalmente, à Verdade histórica.
[…] Source: Folha 8 […]