NÃO BASTA VOTAR…

A Associação Omunga, organização da sociedade civil angolana, lançou a campanha de educação cívica “2022 — O Meu Voto é Sério”, para exigir “maior transparência e lisura” no processo das eleições gerais que Angola realiza em Agosto deste ano. Já não era preciso “maior transparência e lisura”. Basta só “transparência e lisura”.

De acordo com uma nota da Omunga, esta campanha vai permitir que os cidadãos manifestem a sua opinião sobre o sentimento e a importância do processo.

Em declarações hoje à agência Lusa, o director-executivo da Omunga, João Malavindele Manuel, disse que a campanha vai desenvolver-se na prática ouvindo os cidadãos, através de palestras e indo ao encontro das pessoas nas comunidades, realizar vídeos e colocar a circular nas redes sociais sobretudo.

É uma boa e louvável tentativa. Só falta saber o que pensa a sociedade comercial e política que comanda as eleições, ou seja, o MPLA, INDRA e CNE. E é aí que o rabo torce a porca. Desde logo porque “transparência e lisura” são conceitos só válidos em Democracias e em Estados de Direito o que, convenhamos, não é o caso da re(i)pública do MPLA.

“Estamos a falar de um projecto que não tem financiamentos, estamos a fazer com os nossos meios próprios e dentro daquilo que são as nossas capacidades financeiras e humanas”, disse João Malavindele Manuel, salientando que a campanha vai decorrer até 30 dias antes das eleições.

A realização das eleições gerais angolanas está prevista para a segunda quinzena de Agosto deste ano.

O objectivo é “apelar a todas instituições sociais, particularmente os partidos políticos, a promoverem a cultura de paz e tolerância no seio dos seus militantes, adoptando a comunicação não violenta”, refere ainda a associação Omunga na sua nota.

Segundo o activista cívico, tem havido da parte dos políticos algum excesso nas declarações, dando o exemplo dos incidentes do dia 10 de Janeiro deste ano, na sequência de uma greve de taxistas, em Luanda, que acabou em actos de violência.

“Os políticos fizeram acusações mútuas, acho que esse tipo de discurso neste momento, neste contexto, em que estamos a enfrentar coisas como a pandemia, já não ajuda. Sobretudo no processo de reconciliação nacional que há muito se fala e cada vez mais sentimos que estamos distantes”, referiu.

João Malavindele Manuel frisou que com esta campanha pretendem mostrar aos cidadãos que é importante participar no processo eleitoral, “porque é a partir daí que podem demonstrar que só através da participação podem também ajudar na mudança que se pretende para o país”.

O busílis não está, contudo, na participação. Aliás, em simulacros eleitores anteriores, até apareceram em algumas secções de voto mais votos do que eleitores inscritos. A questão nas fases seguintes, nomeadamente na contagem e verificação dos votos.

“Fazer com que os próprios cidadãos também se apropriem do processo, que eu também sou importante nesse processo, para que amanhã tenhamos deputados, Presidente e vice-presidente é porque eu, como cidadão, participei”, sublinhou.

Na nota, a associação apela ao Estado angolano (o MPLA) para que melhore as condições para que os cidadãos possam aderir à actualização do registo eleitoral sem sobressaltos e a garantia da transparência no processo.

Aos cidadãos, a organização apela para que adiram ao processo de actualização do registo eleitoral, para que possam exercer o seu direito de voto e a sua consciencialização sobre a importância do voto na consolidação da democracia e melhoria das condições de vida.

No documento, é feito igualmente um apelo para a imparcialidade dos órgãos de comunicação públicos, para a desburocratização do credenciamento dos observadores eleitorais nacionais e para que o Tribunal Constitucional “seja apenas um mero espectador”.

Recorde-se que o Governo (do MPLA há 46 anos) entregou no dia 15 de Dezembro de 2021 à CNE – Comissão Nacional Eleitoral (órgão dirigido pelo MPLA) o ficheiro informático dos cidadãos maiores, que permite o início do processo de mapeamento das assembleias e mesas de voto, para as eleições gerais deste ano.

Segundo o porta-voz da CNE, Lucas Quilundo, que falava à imprensa no final do acto de entrega, este é um imperativo legal que estabelece que o Governo anualmente, até 15 de Dezembro, deve proceder à entrega do ficheiro informático dos cidadãos maiores à CNE.

Lucas Quilundo disse que há uma colaboração permanente entre o Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado (MATRE) e o Ministério da justiça e dos Direitos Humanos para a depuração da base de dados dos cidadãos já falecidos, “evitando assim a criação de uma situação de eventual abstenção artificial”.

A fazer fé nos anteriores exemplos “eleitorais”, o problema não está, nunca esteve, a “abstenção artificial” mas sim no de os cidadãos falecidos “ressuscitarem” no dia da votação para, livremente, votarem no… MPLA. Por alguma razão, repita-se, em muitas mesas de votos apareciam mais votos do que eleitores inscritos.

“Há esse trabalho conjunto que tem estado a ser feito, foi referido que o MATRE e o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos caminham de mãos dadas, assim como também há uma caminhada de mãos dadas entre o executivo e a CNE relativamente a essa etapa do registo eleitoral oficioso”, salientou. Lucas Quilundo salientou muito bem. Aliás é raro, estranho e quase inédito ver um porta-voz da CNE reconhecer que o Governo e a CNE (patrão e assalariado) “caminham de mãos dadas”.

O responsável frisou que “é através do ficheiro informático dos cidadãos maiores que a CNE faz a produção dos cadernos eleitorais, como instrumento de trabalho das mesas de voto”. É verdade. E se o próprio Presidente da República conseguiu neste seu mandato exonerar da administração de uma empresa pública um administrador que na altura já tinha falecido, é certo que a CNE (maioritariamente formada e formatada por gente do MPLA) não terá dificuldades em manter vivos, e portanto com direito de voto, cidadãos já falecidos mas que irão, patrioticamente, ajudar o MPLA a arrasar a concorrência.

“É importante referir que esta é uma entrega que deve ser feita anualmente nos termos da lei, sem descurar que, igualmente nos termos da lei, há de se proceder a um acto semelhante até dez dias depois da convocação das eleições pelo Presidente da República”, salientou.

De forma mais explícita, Lucas Quilundo esclareceu que a lei determina que em anos de eleições há uma entrega do ficheiro informático dos cidadãos maiores até dez dias depois da convocação das eleições.

“Data a partir do qual esses dados do registo eleitoral tornam-se inalteráveis, ou seja, depois desta data já não é possível alterar os dados dos eleitores, portanto, tornam-se inalteráveis e consequentemente os cadernos eleitorais também ficam fechados”, indicou. Ainda bem que o porta-voz da CNE esclareceu que se “já não é possível alterar” os dados ficam… “inalteráveis”.

Eleições? Sim porque o MPLA sabe que já ganhou

Em Angola haverá eleições apenas quando o MPLA quiser, mesmo que o país pense de outra forma. A cada dia que passa, João Lourenço e a sua máquina de guerra (o MPLA) mostram que, tal como no tempo de José Eduardo dos Santos, filho de jacaré é jacaré. Ao contrário do que afirmou, o Presidente mostrou que não há jacarés vegetarianos.

Os angolanos começam a ver que o MPLA não é (nunca foi) uma solução para o problema. É, isso sim, um problema para a solução. Não admira, por isso, que João Lourenço tenha dado sobejos sinais de que não iria perder tempo com julgamentos nem com eleições cujos resultados não controlasse. Agostinho Neto já o fizera com total sucesso. O MPLA já admite em público que a vitória será sempre certa.

A maioria da oposição parlamentar, com a qual o MPLA está a ficar farto porque ela vai mostrando que o partido de João Lourenço só consegue viver em guerra ou num sistema de único partido, considera que o MPLA usa todos os subterfúgios possíveis para esconder a falta de vontade política do partido no poder para dar a palavra (e o direito de escolha) ao Povo.

Com efeito, o secretário para os Assuntos Eleitorais do MPLA afirmou há uns meses que não havia, de momento, “condições objectivas” para levar o escrutínio avante, no meio da pandemia de Covid-19. Referia-se às autárquicas, mas a estratégia aplica-se a tudo o que o MPLA quiser.

Em declarações à Rádio Nacional, Mário Pinto de Andrade sustentou que a experiência dos países da África Austral que realizaram eleições legislativas foi “muito má”, o que exige muita cautela. De facto, é complicado. Como é que o MPLA poderá aceitar ser derrotado por um vírus que, ainda por cima, foi gerado nos históricos amigos chineses? Melhor mesmo seria fazer umas eleições em que apenas votassem os deputados do reino.

“Aliás, nós temos estado, ao nível do MPLA e dos partidos da oposição, a participar (em encontros) online de outros países aqui da África Austral que realizaram eleições legislativas, e em que as pessoas pedem-nos para termos cautela porque a experiência deles foi, de facto, muito má”, sublinhou Pinto de Andrade.

E tem razão. Como sempre o MPLA tem razão. Porque o MPLA é Angola e Angola é do MPLA, não há razões para respeitar a democracia (que, ainda por cima, como disse Eduardo dos Santos, “nos foi imposta”). Além do mais, as eleições custam muito dinheiro que, na verdade, faz falta para ajudar os dirigentes do MPLA a comprarem mais casas, empresas etc. no estrangeiro.

Na verdade, hoje o MPLA tem medo. Mas não há razões para isso. Bem que o partido de João Lourenço poderia até divulgar agora os resultados das próximas eleições…

Folha 8 com Lusa

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