MPLA DERROTA UNITA POR 10 – 1

Na sua faceta de comediante institucional, o Tribunal Constitucional (do MPLA) decide até quinta-feira (amanhã) o que o MPLA lhe mandou decidir sobre os recursos interpostos pela UNITA e pela CASA-CE sobre os resultados eleitorais de 24 de Agosto, disse hoje fonte da instituição. Ou seja, o MPLA mandou decidir que quem ganhou foi o… MPLA. Isto porque dos 11 juízes do TC, 10 são do MPLA.

“Até amanhã, quinta-feira ficam decididos os recursos do contencioso eleitoral”, disse à Lusa fonte do TC angolano. Aquele órgão judicial está a fingir que aprecia duas queixas, interpostas pela UNITA e pela CASA-CE, que levaram à suspensão do processo eleitoral, já concluído pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE/MPLA), que deu a vitória, por maioria absoluta, ao seu patrão, o partido governamental.

“Em sede do contencioso eleitoral, o plenário do Tribunal Constitucional, analisou até ao preciso momento, o processo relativo à coligação de partidos políticos CASA-CE, sendo que, de acordo com a lei, serão agora notificados”, explicou fonte da instituição.

“No seguimento, o plenário vai agora analisar o processo relativo ao partido político UNITA” e, “para amanhã [quinta-feira], depois do final da sessão, está prevista a apresentação das conclusões”, já decididas pelo MPLA. Simples.

Na sexta-feira, a UNITA requereu ao TC que fosse declarada a ineficácia da acta dos resultados definitivos das eleições de 24 de Agosto – que deram a vitória por maioria absoluta ao MPLA – e que a Comissão Nacional Eleitoral (CNE/MPLA) fosse intimada a admitir as suas reclamações.

Na segunda-feira, o TC negou uma providência cautelar, também interposta pela UNITA, alegando que já estava a julgar a queixa principal e que o processo eleitoral, que deu a vitória ao MPLA, estava já suspenso.

Na semana passada, o presidente da CNE/MPLA, Manuel Pereira da Silva “Manico”, divulgou a acta de apuramento final das eleições gerais de 24 de Agosto, que proclamou (como esperado e determinado já antes da votação) o MPLA e o seu candidato, João Lourenço, como vencedores com 51,17% dos votos, seguido da UNITA com 43,95%.

Com estes resultados, o MPLA elegeu 124 deputados e a UNITA 90 deputados, quase o dobro das eleições de 2017.

O Partido de Renovação Social (PRS) conquistou dois assentos no parlamento ao somar 1,14% de votos dos eleitores, o mesmo número de deputados que conquistaram a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e o Partido Humanista de Angola (PHA) com 1,06% e 1,02 de votos respectivamente.

A coligação CASA-CE, a APN e o P-Njango não obtiveram assentos na Assembleia Nacional, que na legislatura 2022-2027 vai contar com 220 deputados.

MAIS DO MESMO, SEIS POR MEIA DÚZIA

Mesmo antes da votação de 31 de Agosto de 2012 já Eduardo dos Santos definira a amplitude da vitória do MPLA. O resto era só para compor o ramalhete. É sempre assim neste regime de vários partidos formais mas de um único partido de facto. O MPLA capturou o Estado.

Em Maio de 2012 o secretário do Bureau Político do MPLA para a Informação, Rui Falcão Pinto de Andrade, disse ao jornalista Peter Wonacott (“The Wall Street Journal”) que “o fantasma da fraude, ou de qualquer outra coisa, advém daqueles que sabem, antecipadamente, que não têm capacidade para ganhar as eleições”.

Foi a partir daí que todos os dicionários passaram a definir “fraude” como: “Palavra usada como desculpa para definir a estratégia de todos aqueles que, mesmo antes das votações, sabem que vão perder”.

Rui Falcão Pinto de Andrade tinha razão. Tinha e tem não porque a Oposição, nomeadamente a UNITA, não tenha capacidade para ganhar, mas porque o MPLA tem uma máquina capaz de impedir que ela ganhe. Em 2022 a UNITA ganhou mas o vencedor é o MPLA.

Falemos então das eleições em Angola. A única coisa que o MPLA aceita é ganhar com menos de 100% dos votos. Mantém-se viva a corrente interna no partido que acha que, de uma vez por todas, deveria chegar aos 110%.

110%? Sim, claro. E quando isso acontecer ninguém irá protestar. Aliás, muitos dos discursos de felicitações pela vitória do MPLA, paridos nos areópagos da política internacional, nomeadamente em Lisboa, foram escritos uma vez e graças à vernaculidade da democracia em Angola nunca mais teve necessidade se ser alterado.

Como disse então o vice-presidente da Assembleia Nacional, o nosso querido, carismático e messiânico general João Lourenço, no dia 11 de Fevereiro de 2012, a vitória eleitoral do MPLA permitiria dar continuidade à execução dos programas concebidos pelo partido, sobretudo na área social.

Como sempre, João Lourenço tinha (e sempre terá) toda a razão. Só assim será possível dar continuidade ao programa que mantém perto de 70% de angolanos a viver na miséria; em que a taxa de mortalidade infantil é das mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças; em que só 38% da população tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico; em que apenas um quarto da população tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade; em que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.

“Se os eleitores nos derem essa oportunidade, poderemos concluir com o nosso trabalho e pensamos que esta é a posição mais justa”, disse o ex-secretário-geral do MPLA, quando falava à imprensa no término da IV sessão ordinária do Comité Central do partido.

Tanta modéstia até foi comovente. João Lourenço sabia bem que, com extrema facilidade, o MPLA só não teria (ou terá) uma vitória superior a 100% se o não quiser.

Segundo João Lourenço, não havia (como não há) muitos países do mundo que depois de uma guerra destruidora de cerca de 40 anos conseguiram, em pouco tempo, realizar as acções feitas em Angola, sobretudo na área social e na reparação de infra-estruturas.

Guerra de 40 anos? Sim, claro! Provavelmente 40 anos (ou até mais) em que nada se construiu e o pouco que havia foi destruído. Todos sabem, aliás, que quando o poder foi entregue por Portugal numa bandeja de corrupção (que continua a florescer) ao MPLA, Angola era um imenso deserto ou, aqui e acolá, um amontoado de escombros.

Todos sabem que, a 11 de Novembro de 1975, Angola não tinha estradas, hospitais, aeroportos, hotéis, fábricas, prédios etc. Não tinha mesmo nada. Por isso, o que hoje existe é tudo obra do MPLA.

Na abertura dessa reunião, o presidente José Eduardo dos Santos disse que o MPLA e a sua direcção não temiam expor-se à avaliação e ao veredicto em eleições periódicas, onde o confronto de ideias se faça de maneira aberta, plural, honesta e civilizada, podendo cada um expressar livremente as suas opiniões e anunciar os seus programas e ideais.

Eduardo dos Santos retirou estas frases dos programas eleitorais de países democráticos, coisa que Angola não é. Mas isso também não é relevante. Ou por outras palavras, Angola é nesta altura um raro paradigma de democraticidade, a ponto de que até os mortos votam. E se votavam com José Eduardo dos Santos, continuam a votar com João Lourenço.

“E é por estarmos conscientes de que o programa do nosso partido exprime a vontade do povo que partimos sempre para qualquer disputa política com a certeza da vitória”, disse o então presidente e dono do país. Esta tese foi, aliás, adoptada pelo novo proprietário.

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