O secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), Teixeira Cândido, lamentou e condenou a retenção por algumas horas de um repórter que iria cobrir uma marcha, questionando a actuação da polícia, que afirma ter sido um equívoco. Jornalistas que não procuram saber o que se passa são imbecis, e os que sabem o que se passa e se calam são criminosos.
Em declarações à Lusa, Teixeira Cândido salientou que o jornalista Coque Mukuta, correspondente da Voz da América, estava devidamente identificado e nada o impedia de estar a captar imagens no cemitério de Santa Ana, onde esta manhã iria ter início uma marcha de protesto de organizações da sociedade civil contra o processo eleitoral.
“Nada justifica que tenha sido interpelado nem retido durante três horas, não há nenhum recolher obrigatório, o jornalista encontrava-se num espaço público e a cobrir um acontecimento público”, destacou o dirigente do SJA, certamente pensando que Angola é aquilo que não é, um Estado de Direito Democrático.
Teixeira Cândido adiantou que o sindicato já abordou os responsáveis da polícia, que terão justificado que se tratou de um equívoco.
“No caso do Coque Mukuta, não havia sequer uma manifestação como tal, as pessoas estavam ainda a chegar”, indiciou.
“Como é possível, se estava devidamente identificado? Como é que podem reter um cidadão, seja 10 minutos ou três horas e só depois o identificarem?”, questionou. Pois é. No reino do MPLA ou, como parece ser tendência oficial, na Re(i)pública Agostinho Neto, os equívocos sucedem-se e a regra é prender primeiro (quando não é matar) e perguntar depois. Compreende-se. A Polícia foi instruída no sentido de que, sejam ou não jornalistas, até prova em contrário todos os angolanos que não são do MPLA são… culpados.
O secretário-geral do SJA sublinhou ainda que estas situações são recorrentes e “incompreensíveis” na medida em que o sindicato já conversou com as autoridades policiais no sentido de estabelecer um princípio de respeito mútuo pelo trabalho de cada um. A Polícia entendeu. Mas se já é difícil saber respeitar, essa do mútuo só aplica aos que são do mesmo partido dos polícias, o MPLA.
A marcha convocada pela sociedade civil, que deveria sair do cemitério de Santa Ana até à Comissão Nacional Eleitoral (sucursal do MPLA) para a entrega de um manifesto, não chegou a realizar-se devido à intervenção da polícia.
Laurinda Gouveia, uma das promotoras do protesto, disse que havia pelo menos 13 activistas detidos, incluindo um dos subscritores do manifesto que as organizações da sociedade civil pretendiam entregar na Comissão Nacional Eleitoral (CNE).
O porta-voz da polícia de Luanda, Nestor Goubel, confirmou a “tentativa de manifestação” e disse que iria inteirar-se sobre as detenções, remetendo esclarecimentos para mais tarde. O Governo Provincial de Luanda tinha, como é habitual e ao abrigo da “lei” que só permite manifestações pró-MPLA, proibido a realização da marcha, segundo os promotores.
Em Março de 2021, o Conselho Directivo da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA) manifestou-se preocupado pela forma sistemática como alguns órgãos de comunicação social e jornalistas destratam os actores políticos, violando gravemente os seus direitos de personalidade, ou seja, violando o “jornalismo” patriótico que o MPLA exige.
Com as atenções viradas para o clima político actual entre as diversas forças, cada vez mais crispado por ordem do MPLA, nos limites permitidos pelo regime democrático, a ERCA recomendou que os diferentes órgãos “tenham a melhor consideração, na sua actuação diária, pelo princípio da responsabilidade editorial efectiva e as suas consequências em caso de violação das normas que estão plasmadas nos diferentes diplomas que fazem parte do pacote legislativo da comunicação social, com destaque para a Lei de Imprensa”.
“Encontrando-se esta entidade na primeira linha institucional como garante da aplicação do referido princípio, o Conselho Directivo manifestou-se preocupado com a forma ostensiva como as normas vigentes por vezes são violadas no tratamento desigual que se dispensa aos protagonistas da vida político-partidária”, afirmou a ERCA.
Sublinhando que não tem competência para interferir directamente na gestão editorial de cada órgão, “nem sendo sua intenção”, a ERCA entende que a sociedade também tem o direito legítimo de se pronunciar sobre a qualidade do jornalismo praticado no país, no quadro da própria democracia participativa, que é um direito constitucional, não devendo por isso serem ignoradas as críticas que se fazem ao seu desempenho.
Servilismo não é sinónimo de Jornalismo
Esclarecimento prévio a alguns dos membros da ERCA. Servilismo significa propensão a obedecer como escravo, falta de dignidade, baixeza, subserviência. Informar, por exemplo, significa mostrar os hotéis de luxo de Luanda. Jornalismo significa, por exemplo, mostrar os angolanos a procurar comida no lixo (que é coisa que não falta).
Não tenhamos medo das palavras e das verdades. Um jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontologia profissional, é o que a ERCA (por ordem do Governo) pretende para Angola. É uma tese adaptada do tempo de partido único.
O Governo, ou a ERCA como sua sucursal, quer formatar o que a comunicação social diz. Esse era e continua a ser o diapasão do MPLA. Mesmo maquilhado, o MPLA não consegue separar o Jornalismo do comércio jornalístico.
Quem é a ERCA (MPLA/Governo) para nos vir dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontologia profissional”?
Mas afinal, para além dos leitores, ouvintes e telespectadores, bem como dos eventuais órgãos da classe, quem é que define o que é “jornalismo sério”, quem é que avalia o “patriotismo” dos jornalistas, ou a sua ética e deontologia? Ou, com outros protagonistas e roupagens diferentes, estamos a voltar (se é que já de lá saímos) ao tempo em que patriotismo, ética e deontologia eram sinónimos exclusivos de MPLA? Só não estamos a voltar porque, de facto, nunca de lá saímos.
Esta peregrina ideia de Adelino Marques de Almeida (presidente da ERCA) e dos seus mais formatados muchachos foi categoricamente manifestada no dia 27 de Fevereiro de 2018, na cidade do Huambo, na abertura do seminário dirigido aos jornalistas das províncias do Huambo, Bié, Benguela, Cuanza Sul e Cuando Cubango.
Para alcançar tal desiderato, Celso Malavoloneke (então secretário de Estado do sector) informou que o Ministério da Comunicação Social iria prestar uma atenção especial na formação e qualificação dos jornalistas, para que estes estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo.
Como se vê o gato escondeu o rabo mas deixou o corpo todo de fora. Então vamos qualificar os jornalistas para que eles, atente-se, “estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo”? Ou seja, serão formatados para serem não jornalistas mas meros propagandistas ao serviço do Governo, não defraudando as encomendas e as “ordens superiores” que devem veicular.
Celso Malavoloneke lembrou – e muito bem (as palavras voam mas os escritos são eternos) – que o Presidente da República, João Lourenço, no seu primeiro discurso de tomada de posse, orientou para que se prestasse uma atenção especial à Comunicação Social e aos jornalistas, para que, no decurso da sua actividade, pautem a sua actividade pela ética, deontologia, verdade e patriotismo. E fez bem em lembrar. É que ministros, secretários de Estado e membros da ERCA também recebem “ordens superiores” e, por isso, não se podem esquecer das louvaminhas que o Presidente exige.
Aos servidores públicos, segundo Celso Malavoleneke, o Chefe de Estado recomendou para estarem abertos e preparados para a crítica veiculada pelos órgãos de Comunicação Social, estabelecendo, deste modo, um novo paradigma sobre a forma de fazer jornalismo em Angola.
Sejam implementadas as teses do MPLA de João Lourenço, que são um pouco piores do que as anteriores, e os servidores públicos podem estar descansados que não haverá lugar a críticas da Comunicação Social.
Dar voz a quem a não tem? Isso é que era bom! Não é para isso que temos um Departamento de Informação e Propaganda do MPLA ou, na sua versão “soft”, uma Entidade Reguladora da Comunicação Social.
Por muito que o MPLA (em sentido lato, onde se inclui a ERCA) queira que os jornalistas (e não só eles, obviamente) do Folha 8 aceitem amputar a coluna vertebral, “transferir” o cérebro da cabeça para o local mais patriótico que o MPLA conhece (os intestinos) e arquivar a memória, não vai conseguir.
Por cá, consideramos que os Jornalistas que não procuram saber o que se passa são imbecis, e que os que sabem o que se passa e se calam são criminosos. E é por isso que – com a coluna vertebral e o cérebro nos locais certos – combatemos os imbecis e criminosos, sejam jornalistas ou sipaios.