GORDA BELEZA

Toda a criatura humana é coberta de uma beleza sustentada pela própria natureza. A beleza obedece à ordem do bem. O mal coage a mulher e o homem para a renúncia da beleza. Feio é fazer o mal e evitar o bem. Cumprir a ordem de fazer o bem é belo. Fazer o bem é emanar beleza, a essencial, que cabe em todos os entes, em todas formas de ser.

Por Fernando Kawendimba
Escritor

Há poucas semanas, pouco depois de ter aceite o pedido de amizade de uma usuária da rede social Facebook, esta, sem desperdícios de oportunidades nalgumas ocasiões que me flagrava online, com frequência foi iniciando conversas sem assuntos pertinentes ou propriamente importantes, embora construídas com palavras simpáticas e não invasivas do tipo inoportunas. Por isso, isso mesmo de não fazer ao próximo o que não gostarias que fizessem a ti, uma expressão livre da máxima ética por excelência, sempre que pude, não deixava as suas saudações penduradas no meu chat, e ia respondendo com não menos educação e honestidade que tenho percebido também nas suas manifestações espontâneas e instantâneas de contacto.

Bons dias passaram e nunca mais trocamos saudações corteses, juízos reciprocamente respeitosos como foi se fazendo costume. Entretanto, não me esqueço que, da última vez que celebrámos um contrato, ou melhor, um contacto, trocando palavras positivas e despropositadas da minha parte, ela me tenha surpreendido ao não se deixar ficar por frases prefabricadas para a mera manutenção da amizade naquela rede social virtual.

Dirigindo-se a mim enquanto um profissional em psicologia – isto deduzi eu pelo teor da questão que me formulara – ou talvez me considerando um escritor, em virtude da publicidade de pré-venda do meu primeiro livro, naquela ocasião implorou-me que escrevesse sobre ser gorda. Ou ser gordo. Garanto que a ideia é que ela gostava que eu falasse das pessoas com excesso de tecido adiposo desenvolvido, isto é, os gordos. Espreitando a sua foto de perfil, percebi que era uma moça gorda. Uma moça bela e… gorda. Garanti-lhe e continuo garantindo a mim que, num futuro não muito distante, escreveria um romance ou um ensaio sobre ser gorda ou gordo, meio gorda ou meio gordo, muito gorda ou muito gordo. Porém, não deixaria de dar primazia para questões da estigmatização, do preconceito que alguns seres sociais aparentemente associais, sobre essa característica específica e acidental de alguns seres humanos diferentes e ao mesmo tempo iguais a todos por natureza.

Há gente que prefere um corpo magro e doente do que um corpo gordo e saudável. Gente suficiente para questionar um modelo de fealdade fantasiado de padrão de beleza, muitas vezes difundido pelos meios de comunicação social. Não há escolhas possíveis e acertadas se excluírem o bem-estar e a aceitação de si. O corpo gordo é recheado do belo.

– Eu não sou gorda. Sou fofa – é uma expressão que já ouvi inúmeras vezes, de pessoas que vão se defendendo de praticantes de bullying, de pessoas anti-éticas, mas também do auto-ódio por essa ser ou estar nessa condição. Muitas pessoas não estão educadas para amarem-se a si próprios. Não aprenderam a perceber em si qualidades e limitações que devem ser conhecidas, aceites e superadas, dentro dos limites do amor-próprio, que por mais que pareça contraditório, este deve ser incondicional.

Ainda não estou a escrever sobre ser gorda, atendendo àquele pedido. Não é este o ensaio. Porém, quando o fizer, isso eu garanto, procurarei apelar ao meu leitor, a começar pelo gordo que já não suporta a carga semântica pejorativa do termo, que, em primeiro lugar, deve manter uma relação positiva consigo próprio. Cada um é o seu próprio primeiro amor, como já escrevi num dos contos do livro “Mãe nossa que sois o céu”. Num concurso de beleza a sério não haveria critérios justos para classificar o corpo mais belo. Toda a beleza é tão única que não se sujeita a comparações ou classificações. Nos momentos de felicidade é mais nítida a beleza que se manifesta em todas as horas nos corpos, humanos ou não, apesar dos tamanhos. Acusar-se de fealdade por ser-se gorda ou recusar-se a beleza por ser-se gorda é declarar-se infeliz, infelizmente. Honestamente, não são as pessoas cegas, mas as infelizes que não vêem beleza nos corpos da natureza. A beleza está no corpo de quem ama e aceita os outros bem como a si mesmo.

Diariamente confirmamos a matrícula na escolha da vida e uma das disciplinas práticas e obrigatórias chama-se auto-conhecimento. Ninguém é somente defeitos. A auto-crítica não se esgota na negatividade. É preciso despir-se da aparência para a transparência da própria essência. Se o teu corpo é natural é verdadeiro; se é verdadeiro então é belo.

Não se sinta vítima da natureza, da hereditariedade ou dos hábitos alimentares. Nesse sentido, é importante ser responsável. Se a sua forma não for sinónimo de doença, beleza! Você é bela ou belo como todas as criaturas de Deus. O reconhecimento da beleza dos corpos é especialidade de almas boas. Na linha do tempo, lá mais além, há um ponto em que a humanidade reconhecerá que reconhecer o oposto da beleza no outro é confessar alguma desordem no próprio espírito. Talvez já estejamos alinhados a esse ponto.

Um penúltimo ponto: as opiniões são quase sempre subjectivas. A leitura de si próprio não deve ser feita em função do que os outros dizem. Nem mesmo a indústria da moda, com o seu modus operandi que muitas vezes destrói a concepção de modelos e dos que os seguem, deve determinar a sua beleza. A beleza gorda, meio-gorda, magra… a natureza é a beleza, a natureza faz a beleza, a natureza faz a beleza, na individualidade, na diversidade.

Isso meter-me-ia a um último ponto: evite comparar-se aos outros. Compare-se a si próprio. Não: livre-se disso também. Ninguém é igual a si. Cada um manifesta a sua beleza e originalidade. Ser gorda ou gordo é uma forma muito especial de participar da beleza.

Se for saudável, força! Beleza! Não acredite num padrão único, restrito, limitado e elitizado da beleza. A beleza é um princípio universal.

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