O Presidente da Frelimo e chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, partido no poder (tal com o MPLA) desde a independência, apelou hoje no discurso de abertura do 12.º Congresso para que os debates se afastem de uma “agenda” de divisão e se foquem em resolver os problemas do país. Filipe Nyusi teme que o efeito UNITA, em Angola, contamine a sua hegemonia.
“A nossa meta última é garantir as vitórias” no próximo ciclo eleitoral, “condição fundamental para continuarmos a melhor servir os moçambicanos. Essa é a nossa razão de ser como Frelimo”, referiu.
“Por isso, apelamos a todos para conduzirmos os debates dentro da nossa agenda, agenda que nos une e não na agenda que nos pode dividir”, detalhou Nyusi no seu discurso.
A Frelimo, tal como noutros congressos e à beira de um novo ciclo eleitoral, teme que diferentes alas procurem chegar a lugares nos órgãos que vão escolher o candidato presidencial de 2024.
Na quarta-feira, a Comissão Política da Frelimo repreendeu em comunicado um militante que levantou um ponto fora da agenda aprovada na última reunião do comité central – Castigo Langa pediu a Nyusi para não tentar um terceiro mandato à frente do país.
Hoje, logo a abrir os trabalhos, o Presidente do partido disse esperar que os cerca de 1.500 delegados se centrem nos problemas do quotidiano dos moçambicanos.
O custo de vida, o combate ao terrorismo e o impacto das mudanças climáticas são alguns desses temas, arrolados numa lista destacada pelo líder do partido, que pediu “respostas à sociedade que hoje parou para nos ouvir”, numa alusão à transmissão em directo por várias televisões e à representação de todas as províncias entre os delegados.
Do lado do Governo, referiu, a nova Tabela Salarial Única da função pública, que eleva o salário mínimo, está pronta para avançar, mal seja aprovada pelo parlamento.
A “sustentabilidade do partido” e a “necessidade de rejuvenescimento” daquela força política constam também da mesma lista de temas que para Nyusi são de especial relevo.
Filipe Nyusi voltou ainda a apelar à reflexão sobre a viabilidade de começar a fazer eleições distritais em 2024, tal como definido no âmbito dos entendimentos com a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo, oposição) que levaram ao acordo de paz de 2019.
Não se trata de receio da Frelimo em ir a votos, sublinhou, mas de uma constatação de quem tem experiência no terreno, de que o processo de descentralização merece mais aprofundamento, reiterou, em linha com o que vem defendendo nos últimos meses.
Parte do discurso foi dedicado às relações especiais com a vizinha Tanzânia e aos laços forjados na luta moçambicana pela independência, face ao colonialismo português, numa sessão que contou com a presença da Presidente tanzaniana, Samia Suluhu, como convidada de honra.
Filipe Nyusi felicitou ainda João Lourenço e o MPLA pela (suposta) vitória eleitoral de Agosto, imposta na secretaria pelas sucursais do MPLA (CNE e Tribunal Constitucional) e à revelia da real votação dos angolanos.
FRELIMO & MPLA, IGUAIS DESDE A NASCENÇA
Em Abril deste ano, a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), principal partido da oposição, apelou à polícia para não criar “um ambiente de terror” nas eleições autárquicas de 11 de Outubro de 2023, acusando a corporação de impedir “eleições livres, justas e transparentes”. Onde será que, fora de Moçambique, já ouvimos falar disto?
“Não queremos um ambiente de terror criado pela polícia nas próximas eleições”, afirmou José Manteigas, porta-voz e deputado da Renamo na Assembleia da República, que falava durante a sessão de perguntas das bancadas parlamentares ao Governo.
“A paz que estamos a criar não deve ser posta em causa por apetites, para, a todo o custo, [a Frelimo] se perpetuar no poder”, acrescentou.
O porta-voz do principal partido da oposição acusou as forças policiais de terem uma postura “sanguinária” e demonstrarem “musculatura” contra membros dos partidos da oposição, visando gerar um clima propício à fraude eleitoral a favor da Frelimo, partido no poder desde a independência.
A actuação ilegal dos agentes de autoridade, prosseguiu, não se limita aos períodos eleitorais, porque é parte do padrão de conduta dos agentes.
“Um dos pressupostos do Estado de Direito é a liberdade de expressão e manifestação, que de forma clara e inquestionável foi retirada aos moçambicanos, sobretudo, desde 2015, o que representa a ditadura implantada pelo regime [da Frelimo] desde 1975”, afirmou José Manteigas.
O porta-voz acusou ainda a polícia de matar civis no exercício dos seus direitos, apontando como exemplo a morte em Março de dois manifestantes no distrito de Molumbo, na província da Zambézia, centro do país.
As vítimas perderam a vida durante confrontos entre a polícia e populares motivados pela decisão das autoridades do distrito de impedir a utilização da moeda malauiana (kwacha) naquela zona que faz fronteira com o Maláui.
Na altura, a ministra do Interior de Moçambique, Arsénia Massingue, disse no parlamento que as autoridades iriam responsabilizar os polícias que impedem ilegalmente o direito à manifestação, assinalando que o Governo não tolera a violação de direitos fundamentais.
“O Governo de Moçambique, em particular o Ministério do Interior, não pactua com actos dos seus agentes que violam a Constituição da República e colocam em causa os direitos e liberdades dos cidadãos”, afirmou Massingue.
Frelimo e MPLA, Renamo e UNITA
O ex-chefe dos negociadores da Renamo no Acordo Geral de Paz de 1992, Raul Domingos, disse no dia 8 de Agosto de 2017 que Moçambique continuará a passar por ciclos de violência militar, caso persista a manipulação dos resultados eleitorais. Em Angola é diferente. Ao contrário da Renamo, que na altura tinha alguma força militar, a UNITA limita-se a comer o que o MPLA lhe dá.
“Não tenho dúvidas de que a falta de transparência dos processos eleitorais, a manipulação dos resultados, é a principal causa da instabilidade política e militar”, afirmou Raul Domingos. Em Angola, a manipulação eleitoral continua a ser uma instituição nacional por força do MPLA, e ninguém fala da instabilidade militar. E não fala porque as Forças Armadas não são de Angola mas, apenas e só, do governo… do MPLA.
Raul Domingos, expulso da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) em 2000 após divergências com o líder do partido, Afonso Dhlakama, comentava o encontro entre o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, e o presidente do principal partido da oposição.
Descrevendo a reunião entre os dois líderes como “surpresa agradável” no caminho para uma paz duradoura em Moçambique, Raul Domingos considerou, contudo, que seria necessário remover a raiz da instabilidade em Moçambique.
“As eleições em Moçambique foram sempre manipuladas pela Frelimo que nunca ganhou os escrutínios, apesar de o contrário nunca ter sido provado”, defendeu Raul Domingos.
A partidarização do Estado pela Frelimo (tal como o MPLA faz em Angola), prosseguiu, e o recurso às Forças de Defesa e Segurança (FDS) para a promoção da intolerância política são também as principais causas da violência politica e militar no país.
Apesar do Acordo Geral de Paz de 1992, Moçambique tem conhecido surtos de violência politica e militar espoletados pela recusa da Renamo em reconhecer a vitória da Frelimo nas eleições.
A Renamo, principal partido de oposição de Moçambique, acusou no dia 25 de Novembro de 2015 o Governo da Frelimo de pretender “imitar a solução angolana”, por tencionar eliminar o líder do movimento, Afonso Dhlakama, tal como aconteceu com Jonas Savimbi, presidente da UNITA.
“Manter a paz será através da imitação do modelo angolano, como o [Presidente moçambicano] Filipe Nyusi fez saber, quando manifestou a sua admiração pela solução angolana?”, questionou José Cruz, deputado e relator da bancada da Renamo, numa pergunta do seu grupo parlamentar ao Governo.
Quando visitou Luanda, Filipe Nyusi apontou Angola como exemplo pelo facto de o principal partido da oposição não estar armado, uma situação que não se verificava em Moçambique, dado que a Renamo mantinha m contingente armado desde a assinatura do Acordo Geral de Paz em 1992.
O relator da bancada da Renamo repetiu as acusações anteriormente feitas pelo principal partido de oposição moçambicana de que o Governo pretendia eliminar o líder do movimento, tal como aconteceu com Jonas Savimbi, líder da UNITA, que morreu em combate em Fevereiro de 2002, num cerco montado por alguns dos seus antigos generais comprados pelo MPLA.
Folha 8 com Lusa