FIM DA LEI QUE PROIBIA DIFAMAR O PRESIDENTE

A Zâmbia aboliu a pena de morte e pôs fim a uma lei que proibia os cidadãos de difamar o seu chefe de Estado, duas promessas do presidente Hakainde Hichilema, eleito no ano passado após décadas na oposição. Pelos vistos, em matéria de os cidadãos terem direito à indignação, não aprenderam nada com os donos de Angola (o MPLA, obviamente).

O presidente assinou na sexta-feira à noite o decreto de abolição destas leis da era colonial, o que suscitou reacções entusiásticas por pare de organizações não-governamentais e activistas dos direitos humanos.

Hakainde Hichilema “aprovou o código penal de 2022, que aboliu a pena de morte e o delito de difamação do presidente, presentes nos livros de estatutos da Zâmbia desde a era pré-independência”, disse o porta-voz da presidência, Anthony Bwalya, em comunicado.

Para o activista de direitos humanos Brebner Changala, a decisão representa um passo importante para o estabelecimento de uma verdadeira democracia. Verdadeira democracia? Mas essa é a que se pratica no reino de João Lourenço, esclarecerá com certeza o Departamento de Informação e Propaganda do MPLA, corroborado também por essa coisa que dá pelo nome de ERCA – Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana.

“Este é um enorme marco na eliminação das leis coloniais que não se enquadram no sistema democrático do país”, afirmou hoje, em declarações à agência France Presse (AFP), apelando ao presidente para ir mais longe e rever “a Lei da Ordem Pública, a Lei de Acesso à Informação e outras leis coloniais”.

A directora do Centro para o Diálogo Político, Caroline Katotobwe, saudou o facto de o presidente ter cumprido a sua promessa eleitoral.

“Estamos encantados por esta lei repressiva ter sido finalmente abolida. Os cidadãos poderão agora expressar livremente os seus pontos de vista sem medo de serem processados como acontecia no passado”, disse, em comunicado.

A transição democrática, com a eleição de Hakainde Hichilema em Agosto de 2021, assente em promessas de erradicar a corrupção e reabilitar a economia, tinha suscitado esperanças em África.

A Rodésia do Norte foi um protectorado britânico que ganhou a independência em 1964 como Zâmbia. Hoje em dia, este país pobre e do interior tem uma população de 18 milhões de habitantes.

A Zâmbia é uma das democracias africanas mais estáveis. Nas últimas eleições, as sondagens apontavam para uma distância muito curta entre os dois principais candidatos, entre um total de 16 pretendentes a ocupar a “State House” em Lusaca, e a economia assumia-se como o principal campo de batalha, onde Edgar Lungu vinha a perder credibilidade ao longo de todo o mandato, sobretudo nos últimos quase dois anos.

Os críticos de Edgar Lungu acusavam-no de restringir sistematicamente as liberdades democráticas desde que chegou ao poder, fechando órgãos de comunicação social — um jornal independente em 2016 e uma estação de televisão em 2020 – e detendo políticos da oposição, assim como várias vozes mais incómodas ao seu governo.

O Governo de Edgar Lungu conduziu o segundo maior produtor de cobre do continente africano ao “limiar de uma crise de direitos humanos”, corroborou em Junho de 2021 a organização Human Rights Watch.

Nas últimas semanas anteriores às eleições a violência aumentou, particularmente entre apoiantes dos dois principais partidos, dando a Edgar Lungu a justificação para colocar os militares nas ruas (onde é que os angolanos viram algo parecido?) das principais cidades zambianas nos dias que antecederam o escrutínio. Lungu argumentou que as tropas foram destacadas para manter a ordem e a oposição acusou-o de pretender intimidar os eleitores.

Edgar Lungu chegou ao poder em 2015, através de uma eleição determinada pela morte do anterior Presidente, Michael Sata, e foi novamente reeleito em 2016 para uma legislatura de cinco anos, numa vitória com uma margem muito estreita (50,4%) em relação a Hichilema (47,6%).

Em cima das eleições, Edgar Lungu apostou numa estratégia de intimidação e políticas populistas como a construção de infra-estruturas rodoviárias ou subsídios a milhões de agricultores.

Um artigo publicado pela The Economist explicava como o Governo zambiano decuplicou em 2020 os subsídios a sementes e fertilizantes, sendo que não foram apenas os agricultores a classe seduzida no período que antecedeu as eleições.

Em Maio de 2021, os subsídios tiveram em atenção o sector do comércio e já em Julho o Governo disse que iria “reestruturar” as dívidas pessoais dos funcionários públicos e transferir as respectivas responsabilidades individuais para um credor estatal.

Hakainde Hichilema afirmou na altura que queria falar urgentemente com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e apresentar o seu sucesso no mundo empresarial como prova de que conseguiria atrair investidores internacionais e criar empregos.

A economia da Zâmbia, em espiral negativa, e que cresceu no últimos anos a um ritmo mais lento do que o da população, foi a “questão determinante” nas eleições, considerou Nic Cheeseman, professor de política africana na Universidade de Birmingham, em declarações à Associated Press (AP).

“Há uma janela de oportunidade para a vitória da oposição, porque a economia vai mal e as pessoas não têm confiança no Presidente Lungu para inverter essa tendência”, previu.

A economia zambiana cresceu continuamente durante mais de uma década desde o início do século e alcançou o estatuto de país de rendimento médio em 2011. Hoje, porém, é notícia por ser o primeiro Estado africano a falhar por duas vezes seguidas, no final de 2020 e início de 2021, o pagamento de juros de uma dívida pública que ascende a 118,7% do Produto Interno Bruto (PIB) e deverá alcançar os 145% do produto em 2025, segundo o FMI. Mais de metade dos 18 milhões de zambianos vive actualmente abaixo do limiar de pobreza.

Folha 8 com Lusa

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