A UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite que exista em Angola, diz constatar “com preocupação” alguma “tendência de radicalização” do discurso por parte de “altas figuras do Estado angolano e do partido governante”, com um tom “intimidatório e de arrogância” em vez de diálogo e concertação permanentes. Diálogo, para o MPLA, significa: nós mandamos e vocês obedecem.
Segundo o secretário-geral da UNITA, Álvaro Chicuamanga, os referidos discursos “escondem fraquezas das instituições públicas e de algumas individualidades na gestão e abordagem de situações complexas e clima de crispação”. Nada de novo, portanto. Quando dirigentes do MPLA como Bento Bento, João Pinto, Luísa Damião e até mesmo João Lourenço falam, é fácil perceber que para eles escravocracia é sinónimo de democracia (made in MPLA).
“É do domínio geral que as populações angolanas vivem situações económicas e sociais dramáticas e precárias. Falta de tudo um pouco aos cidadãos, sobretudo os das camadas mais pobres”, afirmou o político da UNITA, em Luanda.
Para Álvaro Chicuamanga, que falava em conferência de imprensa, os direitos económicos e sociais dos cidadãos “estão bloqueados” devido à existência da fome, falta de água potável, energia eléctrica e vias de acesso”.
O “poder de compra baixou, os medicamentos estão caríssimos, numa altura em que as doenças tropicais se multiplicam, sem controlo à vista, o emprego escasseia cada dia, porque as empresas vão falindo todos os dias”, apontou.
A tendência de “subida do discurso acusatório/inflamatório” em pleno período de pré campanha eleitoral e a forma como decorre o registo eleitoral oficioso constituíram os dois eixos da comunicação do secretário-geral da UNITA.
O político da UNITA criticou também os “sérios problemas de mobilidade” que se registam em Luanda, considerando que o Estado “não conseguiu resolver o problema dos transportes públicos”.
“Não há direito ao contraditório. A televisão pública ocupa espaços privilegiados com comentadores e analistas que só beneficiam o partido governante. Atacam e expõem os activistas, a juventude contestatária e os partidos na oposição condenam-nos publicamente (…)”, referiu, acrescentando que a comunicação social “tornou-se um instrumento de activismo político a favor exclusivo do partido governante”, no poder há 46 anos.
“São esses problemas que o Governo deve encarar com coragem e não passar de lado e optar por construir bodes expiatórios. As prisões arbitrárias dos jovens activistas não resolvem o problema, porque as causas das suas manifestações não foram devidamente abordadas”, notou.
Álvaro Chicuamanga defendeu igualmente que o executivo “não deve olhar para a preocupação dos cidadãos de ânimo leve e nem deve culpabilizar terceiros pelas falhas das suas políticas e nem optar por criar um clima de medo como forma de limitar as liberdades”.
“Isso não resolve o problema, antes pelo contrário, agrava a tensão social”, observou, defendendo “diálogo e concertação permanentes entre os cidadãos e aqueles que hoje têm a responsabilidade de nos governar”.
Em relação ao registo eleitoral oficioso, que em Angola teve início em Setembro passado e no exterior este mês de Janeiro de 2022, com vista às eleições gerais previstas para Agosto próximo, foram apontadas “várias debilidades e morosidade” no processo.
Incrementar e apoiar a campanha de sensibilização sobre o registo eleitoral oficioso, melhorar e diversificar os meios e métodos de educação cívica para o voto e melhor acompanhamento aos funcionários dos Balcões Único de Atendimento foram algumas recomendações do político da UNITA.
Presidente oficializou o cabritismo
Para melhor se entender todo este bacanal, toda esta orgia de vampiros do MPLA, nada como recordar aqui e agora o artigo de Graça Campos, publicado no dia 5 de Abril de 2021 no Correio Angolense, sob o título “PR oficializou o cabritismo”:
«Declarante no processo em que são réus Manuel Rabelais, antigo director do GRECIMA, e seu colaborador Hilário dos Santos, Walter Filipe, ex-governador do Banco Nacional de Angola, disse, no dia 11 de Fevereiro do corrente, que altos dignitários do país, entre eles generais, oficiais da Polícia e magistrados judiciais e do Ministério Público frequentavam assiduamente os corredores do banco para terem acesso a divisas.
Ele não esclareceu – e, aparentemente, ninguém se mostrou interessado em saber – se os beneficiários pagavam contravalores em kwanzas ou se as divisas eram oferecidas. As idas e vindas desses dignitários aos corredores do BNA ocorreram no tempo da outra senhora.
Foi pelo suborno e pela corrupção que José Eduardo dos Santos construiu uma vasta rede de asseclas que lhe permitiu (des)governar o país sem quaisquer ruídos. O antigo Presidente da República comprou a cumplicidade e o silêncio dos poderes judicial, castrense, executivo e da militância do MPLA. Pela via de “oferendas”, traduzidas em carros topo de gama (os juízes conselheiros do Tribunal Constitucional estrearam os Jaguares em Angola…), casas nos mais luxuosos condomínios construídos com fundos públicos, acesso ilimitado a créditos bancários sem quaisquer garantias e outras benesses, o anterior presidente “secou na fonte” todas e quaisquer veleidades.
José Eduardo dos Santos saiu de cena há quatro anos, mas o “software” com que manietou o país foi aproveitado e até melhorado pelo seu sucessor.
O Decreto Presidencial 69/21 sobre o “Regime de Comparticipação Atribuída aos Órgãos de Administração da Justiça pelos Activos Financeiros e Não Financeiros por si Recuperados” é uma significativa melhoria desse software; é um atalho que leva juízes e procuradores directamente “ao pote”.
No fundo, o Presidente João Lourenço deixou cair os disfarces e deu dignidade institucional a uma prática que no passado já se chamou auto-consumo, algo que o já desaparecido Angolense traduziu para cabritismo.
O cabritismo é inspirado numa afirmação do falecido Flávio Fernandes, que, numa reunião com sobas de Malange, que o acusavam de apropriação excessiva de bens públicos, fez recurso a esse extraordinário quanto “letal” argumento: “hombo ydila boso bua ikutila”, ou seja, a cabra come onde está amarrada.
Embora o Decreto Presidencial estabeleça que a comparticipação é partilhada pelos tribunais e pela PGR somente quando um activo for perdido a favor do Estado, “mediante decisão condenatória”, juízes, procuradores e mesmo organismos públicos já, há muito, vem transferindo para a sua esfera património apreendido, mas ainda não perdido definitivamente para o Estado.
Ao Correio Angolense chegaram informações segundo as quais a maior parte dos apartamentos residenciais das Três Torres do eixo-viário que o Serviço Nacional de Recuperação de Activos da Procuradoria Geral da República apreendeu a antigos funcionários seniores da Sonangol já estão ocupadas por operadores de Justiça.
Um Julho do ano passado, o Serviço de Recuperação de Activos da PGR anunciou a apreensão de três edifícios, sendo um de escritórios, e dois residenciais. A apreensão dos imóveis, comumente designados como as Torres A,B e C, foi feita ao abrigo da Lei sobre o Repatriamento Coercivo e Perda Alargada de bens.
No comunicado, a PGR não identificou os proprietários dos três edifícios, mas eles eram geralmente associados a antigos dirigentes da Sonangol, nomeadamente os ex-presidentes do Conselho de Administração, Manuel Vicente e Francisco de Lemos, bem como a Orlando Veloso, antigo director geral da SONIP.
“Nenhum processo envolvendo qualquer daquelas torres transitou em julgado, mas a maior parte dos apartamentos já foram distribuídos e em muitos casos já ocupados. No fundo, o Decreto Presidencial veio apenas dar cobertura legal a uma prática que já estava em curso“, disseram ao Correio Angolense fontes convergentes.
Mas não são apenas juízes e procuradores que “gingam” em torno e sobre património apreendido pelo Serviço de Recuperação de Activos da PGR. Ministério das Finanças e outros departamentos ministeriais, a quem a PGR confiou a tutela provisória desses bens, também já festejam antecipadamente.
Embora tenha ciência de que fracções da emblemática Torre Two pertencem a terceiros angolanos, a Direcção Nacional do Património do Ministério das Finanças não mostra a mínima disponibilidade de abrir mão de um milímetro que seja do referido edifício, cuja tutela provisória lhe foi atribuída.
A empresa angolana Sojoca, dona de três pisos daquele edifício, já anunciou que vai pleitear os seus direitos em tribunal.
”Ah, sim! Vamos resolver isso em tribunal. A intransigência da Direcção Nacional do Património do Ministério das Finanças não nos dá outra opção“, disse há duas semanas ao Correio Angolense o escritório de advogados Amaral Gourgel, que representa a Sojoca.
O “self service” dos operadores de justiça estendeu-se aos bancos. Há relatos de contas bancárias apreendidas pelo SNRA, no âmbito de investigações de putativos crimes de corrupção, que ficaram repentinamente “carecas”.
“Em alguns casos estamos a falar de contas bancárias que estavam muito bem nutridas, mas que de um momento para outro ficaram completamente vazias”, segundo contou ao Correio Angolense uma fonte familiarizada com o assunto.
Recentemente questionado por reputados juristas pelo seu cunho anti-ético, o cabritismo, que o Presidente da República oficializou por via do Decreto 69/21, pode ser impugnado legalmente.
Um jurista que trabalha no Ministério das Finanças disse ao Correio Angolense não encontrar na Constituição angolana qualquer disposição que dê suporte ao Decreto do Presidente.
“Entre os 7 artigos da Constituição que estabelecem as competências do Presidente da República, nos seus mais diversos papéis ou funções, não existe um único no qual João Lourenço fundamentou a sua decisão. Não há uma única alínea que o autorize a afectar os bens do Estado nestes termos. O Presidente da República praticou um acto literalmente ilegal”.
Segundo esse jurista, “o Presidente não está autorizado, de modo algum, a repartir os bens do Estado. É igual a ir ao Tesouro e retirar de lá dinheiro para oferecer à Ministra das Finanças pelo seu desempenho. Não é possível”.
Por outro lado, diz o mesmo interlocutor, “a Lei da Recuperação dos Activos não habilita o Presidente da República a regulamentar nada. E a lei não contemplou isso porque essa regulamentação não cai na alçada do Presidente da República. Essa é matéria que cai na competência absoluta da Assembleia Nacional, nos termos da alínea e), do artigo 164 da Constituição da República. Ou seja, estamos perante uma inconstitucionalidade orgânica”.»