DE PAULO MORAIS A MARCELO

O Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, diz (a propósito do arranque do Mundial 2022 de futebol) que “o Qatar não respeita os direitos humanos”. Quando será que o reino do MPLA (também chamado de Angola) realiza uma prova similar para vermos o que diz o “tio Celito” sobre a mesma questão?

O “Qatar não respeita os direitos humanos. Toda a construção dos estádios e tal…, mas, enfim, esqueçamos isto. É criticável, mas concentremo-nos na equipa”, referiu Marcelo Rebelo de Sousa.

Entretanto, a Frente Cívica pediu ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e ao presidente da Assembleia da República que boicotem o Mundial 2022 de futebol, no Qatar, exactamente devido ao abuso de direitos humanos naquele país.

“Consideramos que esta iniciativa não pode ser apoiada a qualquer nível por instituições democráticas e defensoras dos direitos sociais e garantias civis”, pode ler-se numa carta assinada pelo presidente da Frente Cívica, Paulo Morais.

A carta da associação é endereçada ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ao primeiro-ministro, António Costa, e ao presidente da AR, Augusto Santos Silva.

“Infelizmente, demasiadas entidades, públicas e privadas, políticas e empresariais, a nível nacional e internacional, têm pactuado com todos estes abusos, emprestando aos organizadores deste evento um manto de legitimidade e respeitabilidade que não merecem”, adianta a missiva.

Segundo a associação, seriam “imorais e ilegítimos quaisquer gestos de legitimação, e até de celebração, desta barbárie civilizacional”, lembrando que as Câmaras de Lisboa e Porto não instalaram zonas de adeptos, como outras cidades europeias.

A Frente Cívica lembra os abusos de direitos humanos naquele país durante os preparativos e trabalhos de construção de infra-estruturas, sobretudo de trabalhadores migrantes, bem como os abusos dos direitos de mulheres, os condicionamentos à liberdade de imprensa e a corrupção em torno da atribuição, pela FIFA, do torneio àquele país.

“Apelamos às três figuras cimeiras do Estado português que recusem deslocar-se ao Qatar para assistir presencialmente a qualquer jogo do campeonato do Mundo. Portugal é mais do que uma equipa de futebol ou um evento desportivo”, pode ler-se na carta, lembrando a Constituição da República Portuguesa.

Embora as autoridades do Qatar neguem, várias organizações apontam para milhares de mortes naquele país entre 2010 e 2019 em trabalhos relacionados com o Mundial, com um relatório do jornal britânico The Guardian, de Fevereiro deste ano, a cifrar o valor em 6.500 óbitos, número que muitos consideram conservador.

Além das mortes por explicar, o sistema laboral de ‘kafala’ e os trabalhos forçados, sob calor extremo e com longas horas de trabalho, entre outras agressões, têm sido lembradas e expostas há anos por organizações não-governamentais e relatórios independentes.

Ao longo dos últimos anos, numerosas organizações e instituições têm apelado também à defesa dos direitos de adeptos, e não só, pertencentes à comunidade LGBTQIA+, tendo em conta a perseguição de que são alvo em solo qatari.

Várias selecções, como Dinamarca, Austrália ou Estados Unidos, posicionaram-se activamente contra os abusos ou a favor da inclusão e protecção quer dos migrantes quer da comunidade LGBTQIA+, tanto a viver no país como quem pretende viajar para assistir aos jogos.

DO QATAR A ANGOLA

A grande, enorme, abismal diferença entre Paulo Morais e Marcelo Rebelo de Sousa é que o primeiro não bajula quem viola os direitos humanos, sejam governantes do Qatar ou de Angola. É o oposto do que faz Marcelo Rebelo de Sousa.

Recordamos que em Dezembro de 2015, o então candidato à Presidência da República, Paulo Morais apelou, numa carta aberta ao Presidente de Angola, à “libertação imediata” dos activistas cujo julgamento decorria em Luanda, afirmando-se “sensível ao apelo de liberdade que ecoa da sociedade civil angolana”.

Na carta aberta a José Eduardo dos Santos, publicada exactamente aqui no Folha 8, Paulo Morais referiu a “preocupação” com que “o mundo tem acompanhado” o processo judicial dos 17 jovens activistas angolanos (15 dos quais presos desde Junho), que são acusados de “actos preparatórios de rebelião e golpe de Estado”, e destaca os “sinais alarmantes” de que o seu julgamento “está contaminado por uma justiça parcial e persecutória”.

Entre as “graves violações” que aponta estão a negação aos arguidos de “direitos elementares de defesa” e o impedimento de acesso por parte de observadores internacionais, comunicação social independente e dos familiares dos acusados.

Para o então candidato presidencial, ficava assim reforçada a “evidência de que na génese deste processo estão acusações políticas que têm como único fim penalizar cidadãos pacíficos por exercerem o seu direito à liberdade de expressão e constranger o povo angolano ao medo e à obediência muda perante as autoridades do Estado”.

É que, recordou, o processo movido contra estes jovens activistas “não é um caso isolado, antes faz parte de um padrão de violação das liberdades individuais em Angola, já exercida sobre cidadãos como Rafael Marques de Morais, José Marcos Mavungo e Arão Bula Tempo”, a que se juntaram em Abril de 2015 os incidentes ocorridos no Monte Sumi, envolvendo fiéis do movimento religioso A Luz do Mundo.

“No pode deixar de inquietar V. Exa. […] que a actuação das forças do Estado a que V. Exa. preside seja alvo de críticas e manifestações de alarme não só de jovens activistas, líderes civis, políticos e religiosos angolanos, mas também de organizações internacionais como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o Parlamento Europeu ou o Senado dos Estados Unidos da América”, sustentava (como continua a sustentar desde 2017, quando o país mudou de ditador) Paulo Morais.

Afirmando não poder “deixar de ser sensível ao apelo de liberdade que ecoa da sociedade civil angolana”, sustentava que “compete aos chefes de Estado, em Lisboa e em Luanda, celebrar — não constranger — a liberdade duramente conquistada”.

“Os jovens activistas que estão actualmente a ser julgados não cometeram qualquer crime. Longe de serem uma ameaça ao Estado angolano, são pelo contrário cidadãos empenhados em dar ao seu país um contributo para a paz e a liberdade plenas a que todos os angolanos aspiram”, escreveu Paulo Morais, defendendo que “o Estado deve proteger estes cidadãos e acarinhar o seu contributo”, porque “são eles quem continuará o trabalho de libertação iniciado pelas gerações anteriores”.

Apelando a José Eduardo dos Santos para que desse “o primeiro passo” usando “os seus poderes legais e constitucionais para libertar todos os activistas alvos de perseguição política e encerrar os processos que contra eles foram instruídos”, Paulo Morais considerou que, no “momento histórico” que Angola atravessa, este é “o melhor contributo” que o chefe de Estado angolano “pode dar à transição democrática que, depois de tantos sacrifícios, o povo angolano iniciou em 2002”.

Folha 8 com Lusa

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