O Qatar “gastou muito dinheiro”, possivelmente com pagamentos a eurodeputados, para assegurar a “brandura” do Parlamento Europeu (PE) em relação ao país, disse à Lusa o eurodeputado italiano Dino Giarrusso, ele próprio alvo de abordagens duvidosas de funcionários diplomáticos qataris.
Pouco “depois da minha eleição em 2019, fui abordado por funcionários da embaixada do Qatar na Bélgica, que marcaram um encontro com o meu assistente parlamentar”, relatou em entrevista à Lusa o eurodeputado, que chegou a integrar a associação parlamentar “Amigos do Qatar”, mas distanciou-se mais tarde da mesma e de políticas favoráveis a este país, como as da vice-presidente do PE, Eva Kaili (foto), detida há uma semana no âmbito deste caso.
Dino Giarrusso disse que um assistente seu chegou a reunir-se com responsáveis qataris, num ambiente “estranho e nebuloso”.
“Esses funcionários não propuseram intercâmbios culturais e cooperação, mas falaram de viagens e de uma amizade geral com o Qatar sem nenhum motivo específico. O meu colaborador falou-me de uma atitude aduladora para tentar obter a acreditação junto do Parlamento Europeu”, disse o eurodeputado.
São acusados pela justiça belga de terem aceite ofertas materiais do Qatar para influenciar o PE nas questões relativas a este país, além de Eva Kaili, o companheiro desta Francesco Giorgi e o ex-eurodeputado do Partido Democrático Pier Antonio Panzeri.
Dino Giarrusso, que entretanto deixou o Movimento 5 Estrelas pelo qual foi eleito, afirma hoje com veemência que sempre fez declarações contra a atribuição dos campeonatos mundiais ao Qatar.
“Quando saíram em 2021 os relatórios elaborados por organizações internacionais como a Human Rights Watch e Amnistia Internacional, que denunciavam graves violações de direitos humanos no Qatar para a preparação do Campeonato do Mundo, cancelei a minha filiação na associação [de amizade] para marcar ainda mais a distância deste país”, assegura Dino Giarrusso.
O eurodeputado diz que também já fez parte de associações de “amizade” com outros países, mas que a atitude que os dirigentes do Qatar tiveram naquele primeiro encontro o deixou perplexo.
“Para alguém melhorar a sua reputação tem que se comportar bem, não esperar que oferecendo viagens e jantares um parlamentar passará a falar bem de si”, acrescenta Dino Giarrusso.
Dino Giarrusso explica que conhecia Eva Kaili e que nunca conversou com ela sobre o Qatar, mas rejeita categoricamente as posições da ex-vice do PE a favor do país árabe.
“São erradíssimas [as posições a favor do Qatar]. Mas, de qualquer forma, parece que ela não foi a única no Parlamento a manifestar posições de apoio a esse país árabe”, disse.
Segundo Dino Giarrusso, “o Qatar conseguiu realizar uma actividade muito articulada, gastando muito dinheiro, pagando a muitos colaboradores, organizações não governamentais e talvez até deputados, e essa actividade fez com que essas pessoas fossem brandas com aquele país”.
O eurodeputado considera que nesta história é central o papel dos colaboradores parlamentares, que muitas vezes são uma espécie de “parlamentar sombra”, no sentido de filtrarem emails, estudarem os dossiês e ajudarem o parlamentar a compreender os assuntos que estão a ser tratados no PE.
“Não me surpreenderia se, além de Giorgi, os magistrados encontrassem uma rede de colaboradores infiéis que usaram o seu papel para outros fins, para influenciar as palavras, os julgamentos, os votos, as resoluções, as intervenções dos parlamentares com os quais eles trabalharam. Isso explicaria porque há tantos gabinetes de colaboradores parlamentares alvo de apreensões”, concluiu Dino Giarrusso.
No âmbito do caso, foram até agora realizadas 20 buscas, feitas apreensões em 10 escritórios de colaboradores parlamentares e encontrados mais de um milhão e meio de euros em numerário.
Só mudou o rei, a bajulação é a mesma
O então ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal (hoje presidente da Assembleia da República), Augusto Santos Silva, afirmou no dia 30 de Setembro de 2021 que Portugal e Angola atravessam um momento “absolutamente excepcional” do seu relacionamento bilateral, destacando a cooperação na área da saúde e no combate à pandemia, em particular na vacinação.
“Portugal e Angola vivem um momento absolutamente excepcional no seu relacionamento bilateral”, disse Santos Silva, acrescentando que “entre 2018 e a actualidade são já 50 os instrumentos de cooperação que foram assinados entre os dois países”. De facto, os “instrumentos” angolanos têm grande aceitação nos areópagos políticos de Lisboa…
As declarações de Santos Silva foram feitas numa conferência de imprensa conjunta, em Lisboa, com o seu homólogo angolano, Téte António, após uma reunião da Comissão Mista Intergovernamental Portugal-Angola (CMI).
No dia 6 de Janeiro de 2020, Augusto Santos Silva assegurou que a cooperação entre Portugal e Angola “estende-se a todos os domínios” e “está a funcionar”. Os sipaios dizem sempre o que o chefe do posto (seja ele quem for) quer ouvir. Ontem era José Eduardo dos Santos, hoje é João Lourenço. Ontem era Santos Silva ministro, hoje é Santos Silva a segunda figura da hierarquia portuguesa.
Augusto Santos Silva falava à imprensa à margem do Seminário Diplomático, que então decorreu em Lisboa, e respondia a uma pergunta sobre a disposição de Portugal para colaborar com o processo de arresto de bens lançado pelo Presidente angolano (via sucursal para a justiça) à empresária Isabel dos Santos, com interesses em várias empresas portuguesas.
“Nós hoje cooperamos com Angola em todos os domínios: político, diplomático, político-militar, educativo, cultural, económico. E também há cooperação entre as duas administrações fiscais e entre as autoridades judiciárias”, disse o então ministro socialista português.
Paralelamente ao facto de, como fez a troika, a Europa ter decidido, e bem, acabar com os intermediários, o que a levou durante anos a debater com Isabel dos Santos a resolução dos problemas de Portugal, os ministros lusos vêm regularmente a despacho (“resolução de autoridade superior sobre pretensões ou negócios”) com sua majestade o rei angolano. Antes era com José de Eduardo dos Santos, agora é com João Lourenço.
Foi isso que o sipaio servil e bajulador Augusto Santos Silva fazia com Angola. E, sem meias palavras, o perito dos peritos lusos disse em Fevereiro de 2017: “O presidente José Eduardo dos Santos mandatou-nos a nós para acertarmos a data da visita do primeiro-ministro português a Luanda”.
Ora aí está. O então ministro Santos Silva foi, finalmente, mandatado por quem mandava (também) no seu país para tratar da agenda do bajulador-mor, o primeiro-ministro António Costa.
Embora estas vindas a despacho não sejam novidade, pelo contrário, foi a primeira vez que um ministro português reconheceu que foi mandatado pelo presidente de um outro país. O respeitinho (e a subserviência) é muito bonito e sua majestade o então rei José Eduardo dos Santos gostava. E, como qualquer outro rei, João Lourenço também gosta. E para Portugal o que conta é estar sempre com quem está no Poder.
No dia 3 de Fevereiro de 2017, Augusto Santos Silva considerou que a decisão do então Presidente José Eduardo dos Santos de não se recandidatar era “mais um sinal de que Angola (leia-se regime) segue os melhores padrões internacionais”.
Estar há 38 anos no poder sem nunca ter sido nominalmente eleito era também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”? Para Augusto Santos Silva era.
Dirigir um país rico que não soube gerar riquezas mas apenas ricos, estando no top dos mais corruptos do mundo é também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”? Para Augusto Santos Silva era e continua a ser.
Ser o país que, segundo a Organização Mundial de Saúde, tem uma nas maiores taxas de mortalidade infantil do mundo é também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”? Para Augusto Santos Silva era e continua a ser.
A Freedom House demonstra regular e recorrentemente preocupação pela a influência de Angola (leia-se e entenda-se influência do MPLA) nos meios de comunicação social portugueses. É também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”? Para Augusto Santos Silva era e continua a ser.
A Freedom House diz também que Angola é considerado um “país não livre”, denunciando perseguições a jornalistas, activistas políticos e líderes religiosos angolanos. É também “mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”? Para Augusto Santos Silva era e continua a ser.
Augusto Santos Silva, um dos mais emblemáticos perito dos peritos de toda a mixórdia política gerada nas mais putrefactas latinas de Portugal, afirmou também que “já era conhecida a vontade do Presidente de se afastar da vida política mais activa”, reiterando que “esse é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”.
É de crer, fazendo fé na bajulação portuguesa, que o facto de 68% da população angolana ser afectada pela pobreza, “é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”.
Também é de crer que quando apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico, isso “é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”.
Também “é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”, quando se sabe que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade.
Também “é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”, quando se constata que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.
Também “é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”, verificar-se que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.
Também “é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”, saber-se que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos.
Também “é mais um sinal de que Angola segue os melhores padrões internacionais”, saber-se que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.
Hoje como ontem, Santos Silva debita regularmente eruditas pérolas, fazendo lembrar o tempo em que tinha a pasta, entre outras, de dono da comunicação social portuguesa.
Talvez por saber disso, de vez em quando ele aparece para malhar em todos aqueles que têm a ousadia de pensar de forma diferente da dele e da dos seus amigos.
No seu período áureo, dizia Augusto Santos Silva, certamente respaldado na cartilha do até então também perito dos peritos, José Sócrates, que a oposição “sucumbia à demagogia”. Demagogia que, como todos sabem, é uma característica atávica de todos os portugueses de segunda, ou seja, de todos aqueles que não são deste PS… nem deste MPLA.
“A direita falha em critérios essenciais na resposta à actual crise, começando logo por falhar no requisito da iniciativa”, sustentava o maior perito dos peritos portugueses, considerando que a oposição não assumia uma defesa do princípio da “equidade social”.
Será com certeza por isso que, em Portugal como em Angola, os poucos que têm milhões, mais milhões continuam a ter, e que os milhões que têm pouco ou nada… ainda têm menos, se é que isso é possível.
Embora hoje oculte essa faceta, quando se virava para a esquerda, Santos Silva também batia forte e feio. Em relação ao PCP gostava de atirar a matar, tal como fazia quanto ao Bloco de Esquerda. Eram todos da “esquerda extremista” que “propõe o regresso ao paradigma colectivista”.
“Estão cegos por preconceitos ideológicos que os impediram de perceber o quanto foi essencial estabilizar o sistema financeiro para responder à crise”, disse em tempos, entre outras sábias alusões, Augusto Santos Silva.
Ora aí está. Bons só mesmo os socialistas, sejam do PS ou do MPLA. Nem todos, mas sobretudo os que, por terem coluna vertebral amovível, veneram o líder… Todos os outros são uma escumalha que não merece sequer ser considerada como portuguesa… ou angolana.
Para finalizar, recordam-se que Augusto Santos Silva disse que que havia professores em Portugal (não socialistas, obviamente) que não sabiam distinguir entre Salazar e os democratas? Também há políticos que não sabem distinguir entre ditadores e democratas.
Folha 8 com Lusa