DA EURONEWS À TVI, A LAVAGEM

Em ano de eleições, continua em vigor um alegado acordo de publicidade celebrado entre o Governo angolano (há 46 anos nas mãos do MPLA) e a Euronews, canal que assumiu divulgar notícias favoráveis ao regime. Ex-eurodeputada portuguesa, Ana Gomes, já tinha denunciado caso.

Ana Gomes é contra a propaganda paga com dinheiro público da União Europeia (UE) para promover governos cleptocratas, como era (e continua a ser) o caso de Angola. Foi a ex-eurodeputada que denunciou junto de instâncias da UE a existência de um contrato de publicidade entre a Euronews e o Governo angolano.

Quando era membro do Parlamento Europeu, a eurodeputada portuguesa escreveu à alta representante para a política externa, Federica Mogherini, e à comissária para a economia e sociedade digital, Maryia Gabriel, a manifestar o seu desagrado, depois de ter sido alertada sobre a existência de um contrato com o referido canal de televisão.

“Fui contactada pelo próprio director da Euronews, que veio ver-me a Bruxelas. Fiz uma visita à Euronews em Lyon (França) e verifiquei que, não obstante terem muito bons jornalistas, confirmava-se este tipo de entendimentos”, afirma Ana Gomes.

Uma fonte bem informada à confirmou a Ana Gomes a existência do referido acordo, estabelecido em 2017, entre o já extinto GRECIMA (Gabinete de Revitalização e Execução da Comunicação Institucional e Marketing da Administração de Angola) e a estação televisiva europeia, então detida por um milionário egípcio.

Ana Gomes diz ter sido alertada pela propaganda que via o canal de televisão a fazer ao regime de José Eduardo dos Santos. “Percebi que havia o mesmo tipo de propaganda, por exemplo, em relação ao regime do Azerbeijão, que era propaganda paga”, conta.

“A mim, incomoda-me que as autoridades europeias, em particular da Comissão, com a responsabilidade por uma informação isenta e independente, não tenham actuado de forma mais clara para mudar a situação na Euronews”, conta Ana Gomes, dizendo que não deseja o fim do canal, mas afirma não ter informações acerca da alteração desta situação.

O acordo visava divulgar notícias favoráveis ao regime do MPLA, com realce para as oportunidades de investimento.

A evidência da parcialidade da Euronews foi mais notória durante a campanha eleitoral em Angola, em 2017, quando o canal televisivo europeu deu ênfase aos discursos do então candidato João Lourenço, omitindo falar das reclamações sobre as irregularidades levantadas pela oposição angolana.

De acordo com Ana Gomes, o então director do GRECIMA foi condenado recentemente em Angola a 14 anos de prisão, por utilizar os recursos financeiros públicos do gabinete em causa.

Para Ana Gomes, isto é um sinal de que o seu alerta à Comissão Europeia era fundamentado e “exigia uma intervenção mais clara e mais determinada” para pôr fim a esta situação, que provavelmente se repete com outros países.

A ex-candidata às presidenciais em Portugal considera que a Euronews tem potencial para ser “um canal sério e independente e que garanta a isenção das notícias”.

Em reacção, a Direcção da Euronews respondeu à DW, por e-mail, que “tem acordos de publicidade e patrocínio com mais de 40 governos em todo o mundo”.

A estação dá conta que “a promoção do turismo e investimento é o grande sector de publicidade em todos os canais de notícias internacionais e de negócios”. A Direcção do canal europeu assume que o acordo com o Governo de Angola “é uma parceria deste género”.

O Gabinete de Relações Públicas da estação refere ainda que “o conteúdo patrocinado, sempre claramente identificado como tal, está em conformidade com as directrizes de publicidade da lei de difusão francesa e não afecta a linha editorial da Euronews.”

Sedrick de Carvalho, um dos 17 jovens angolanos julgados e condenados em 2016 por alegados actos preparatórios de rebelião, também denunciou o acordo numa recente conferência no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), à luz dos últimos acontecimentos em Angola.

O activista, radicado na Europa, diz que “a Euronews continua a fazer uma campanha de propaganda às obras realizadas pelo Governo angolano.”

“Basta assistirmos à Euronews para ver isso. Há uma Angola que acontece na Euronews que quem está em Angola não vê”, afirma o activista.

Em declarações à DW, Sedrick de Carvalho considera preocupante um contrato desta natureza em ano de eleições em Angola.

“Dado o seu comportamento nas eleições de 2017, temos todos de questionar qual será o posicionamento da Euronews neste ano eleitoral, no que concerne à cobertura da campanha e das eleições que vão desenrolar em Angola”, afirma.

Tal como referiu na denúncia, o “contrato é opaco” e, até então, “ninguém teve acesso” ao documento. Por isso, Sedrick de Carvalho receia que “se parta para as eleições com a Euronews a fazer um trabalho de publicidade, de propaganda eleitoral, que favorece nomeadamente o MPLA, no poder desde 1975”.

Sedrick de Carvalho prevê que a estação adoptará o mesmo comportamento e que este é ” inclusive, discriminatório como foi em 2017″.

Dois anos depois do escândalo “Luanda Leaks”, Ana Gomes lembra a “total cumplicidade” que havia entre Angola e Portugal durante o regime de José Eduardo dos Santos. E, neste âmbito, aponta o facto de alguns órgãos da comunicação social portuguesa como a SIC, também vítimas de proibições, terem sido impedidos de cobrir o que se passava em Angola.

Ainda em relação à Euronews, Ana Gomes lamenta que a estação europeia tenha sido vendida a um fundo português com “gente pouco recomendável envolvida em negócios altamente questionáveis na Colômbia e na Hungria”.

Interroga, a propósito, sobre qual será o futuro da Euronews se continuar a ser manipulada, “pervertendo” os objectivos de uma informação independente e isenta de um órgão financiado pela União Europeia.

“JORNALISMO” A FAVOR DE QUEM MAIS PAGA

No dia 20 de Junho de 2020 foi difundida no Jornal das 8 da TVI (Portugal) uma notícia com o título, “PJ já confiscou mais de 300 milhões de euros a Isabel dos Santos”. A TVI é a televisão portuguesa que mais branqueia quem mais paga. Branqueou o MPLA de José Eduardo dos Santos mas, quando os cheques deixaram de chegar, passou a branquear o MPLA de João Lourenço que assumiu o custo da “avença”.

A propósito de referida notícia, Isabel dos Santos emitiu o seguinte comunicado: «(…) As afirmações proferidas na referida notícia são manifestamente atentatórias da minha honra, do meu bom-nome e da minha imagem pública e são manifestamente atentatórias da honra, do bom-nome e da imagem pública do Sr. Eng. José Eduardo dos Santos antigo Presidente da República de Angola, sendo falsas e infundadas, atingindo de forma indelével a reputação, o percurso histórico e profissional, prejudicando assim, gravemente, a imagem, a honra e a reputação das pessoas referidas.»

Em carta à TVI, Isabel dos Santos escreve: «Dada a natureza e gravidade das afirmações proferidas, venho, ao abrigo do disposto nos artigos 24º, nº 1 e 25º, nº 1 da Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro (“Lei da Imprensa”), apresentar junto de V. Exa. conteúdo do texto de resposta, que deverá ser publicado no Jornal das 8 da TVI, de acordo com o disposto no artigo 26º, nº 3 da Lei da Imprensa.

«Em resposta à notícia contendo falsas afirmações do Jornal das 8 da TVI, com o título: “PJ já confiscou mais de 300 milhões de euros a Isabel dos Santos”, referindo-se a uma matéria sobre apreensão de bens e contas bancárias supostamente da “Família Dos Santos” e publicada a 20 de Junho de 2020, informamos que:

• É falsa a afirmação da existência de contas bancárias pertencentes à “Família Dos Santos” no banco EuroBic. A “Família Dos Santos” não tem e nunca teve contas bancárias no banco Eurobic ou em lado algum.

• É completamente falsa a afirmação que existem contas bancárias no banco Eurobic pertencentes a familiares do antigo Presidente da República de Angola, Engo José Eduardo dos Santos, e que estas tenham recebido fundos ou dinheiro do Estado Angolano, para o seu uso pessoal ou qualquer outro fim.

• É falsa a afirmação que a Polícia Judiciária tenha procedido ao confisco de 300 milhões de euros a Isabel dos Santos.

• Não há e nunca houve dinheiro do Estado angolano colocado em contas tituladas por entidades controladas por familiares de José Eduardo dos Santos, nem para seu benefício pessoal, ou nem para qualquer outro propósito.

• Não há e nunca houve dinheiro do Estado Angolano colocado em contas bancárias tituladas por pela Enga Isabel dos Santos, ou suas empresas.

• Não há e nunca houve dinheiro do Estado angolano colocado em contas bancárias tituladas pelo Dr. Sindika Dokolo, ou suas empresas.

• É tendenciosa a informação dada pela TVI que Isabel dos Santos e Sindika Dokolo estariam fora do País, tentando a TVI dar a falsa aparência de fuga. No entanto, é facto que nenhum é cidadão português e ambos são investidores estrangeiros e publicamente é sabido que ambos trabalham fora de Portugal.

• É falso que o Dr. Sindika Dokolo detenha ou seja proprietário de um edifício de 11 andares em Rio de Mouro, Sintra.

• É completamente falsa a afirmação que o Dr. Sindika Dokolo tem sociedades que servem de veículos utilitários ao branqueamento de capitais.

• As sociedades Fidequity e H33 não pertencem à família Dos Santos, pelo que é falsa essa afirmação da TVI, e não existe qualquer empresa ou holding detida pela “Família dos Santos”. É tendenciosa esta afirmação da TVI e visa unicamente confundir as empresas da empresária Isabel dos Santos com um suposto “património de família”.

A empresária Isabel dos Santos é uma investidora privada e independente, que construiu as suas próprias empresas de raiz, age por sua conta e representa exclusivamente o seu próprio interesse nas sociedades que detém.

• É completamente falsa a afirmação de existência de crimes precedentes de corrupção e peculato em Angola, não há um tribunal em Angola que tenha estabelecido a existência de crime algum.

• É completamente falsa e gravemente difamatória a afirmação que a família dos Santos lava grande parte de sua fortuna em Portugal, pelo que reserva o seu direito de apresentar uma queixa crime por injúria e difamação assim como pedido de reparação cível dos graves prejuízos causados por esta notícia que visa um Ex-Chefe de Estado.»

LAVAR MAIS BRANCO COMPENSA

Recorde-se o canal generalista, criado em 2015 de raiz pela portuguesa TVI para Angola e Moçambique. O TVI África. Segundo a própria TVI, “era a primeira vez que uma televisão portuguesa constrói, de raiz, um canal generalista, feito propositadamente para um operador de um mercado que não o português”.

E acrescentava: “Na grelha da TVI África estarão conteúdos exclusivos e a melhor oferta premium da TVI. Reality shows como “A Quinta”, novelas com emissão simultânea em Portugal, como “Santa Bárbara”, grandes formatos de entretenimento e informação são apostas do novo canal”.

Em Portugal, e não é um exclusivo da TVI, tudo servia na altura para lavar a imagem do regime de José Eduardo dos Santos, um presidente que estava no poder há 36 anos sem nunca ter sido nominalmente eleito. Mas há alguns que têm lixívia perfumada, o que sempre dá um ar mais agradável à porcaria. E, claramente, a TVI era e é, só mudam os “patrocinadores”, a que mais se destaca.

E numa das fotos de promoção desta lavandaria lá estava José Alberto Carvalho. E estava bem. Continua a estar. Citemos o Jornal de Angola a propósito: “A TVI é a voz oficial de José Alberto Carvalho, que a jornalista Manuela Moura Guedes tratou por Zé Beto e apodou de burro”.

Certamente, como é seu apanágio, a TVI contava com o apoio de alguns dos então maiores especialistas angolanos, quase se diria mundiais, como José Ribeiro e Artur Queiroz. Sim, que nesta fase do campeonato os sipaios portugueses não se atreviam a cuspir no prato do chefe do posto.

Em Outubro de 2013, o Pravda de Luanda (“Jornal de Angola”, segundo o MPLA), órgão de referência para os candidatos da TVI ao Prémio Pulitzer, com Victor Bandarra à cabeça, e para os sabujos que lhe davam cobertura, atacou forte e feio a TVI, acusando os seus jornalistas de serem analfabetos, virando todas as baterias para José Alberto Carvalho (então director de informação) e Judite Sousa (na altura directora-adjunta], tratando-a como a “segunda dama de Seara”.

Foi remédio santo. Os dois ficaram domesticados. Os dois e todos os outros. Sentam, saltam e rebolam sempre que qualquer sipaio de Luanda lhes dava indicação para isso. Alguns fazem tudo isso sem sequer precisar de receber ordens. Tal é a habituação.

Nesse texto sobre a “fuga dos escriturários”, o nosso Pravda (que não se inibiu, antes pelo contrário, de contratar Victor Bandarra para palestrar em Luanda sobre – imaginem! – jornalismo) é dito que a “TVI apresentou num dos seus noticiários o Jornal de Angola como ‘a voz oficial do regime angolano’”. Mostrando ser um paradigma do que de mais nobre, puro e honorável existe no jornalismo moderno, o jornal então de José Ribeiro, Artur Queiroz e companhia, escreveu que “a TVI é a voz oficial da dona Rosita (Rosa Cullell, administradora delegada da Media Capital, dona da TVI) dos espanhóis” ou, em alternativa, “voz do conde Pais do Amaral, então presidente do Conselho de Administração da Media Capital“.

Mas há mais. “A TVI é a voz oficial de José Alberto Carvalho, que a jornalista Manuela Moura Guedes tratou por Zé Beto e apodou de burro”; “o canal de televisão é a voz oficial da segunda dama de Seara, inesperadamente apeada de primeira-dama de Sintra”.

Com este cenário, com a reacção do órgão oficial do regime, o que é o mesmo que dizer regime, sendo o nosso país um mercado apetitoso pelo dinheiro marginal que tem, pelos caixotes diplomáticos cheios de dólares que aterravam em Lisboa, pelos avultados investimentos que faz nas lavandarias portuguesas, a TVI do – citemos o Jornal de Angola – “escriturário” José Alberto Carvalho e da “ex-primeira-dama de Sintra”, tinha de fazer alguma coisa, engrossando a sabujice lusa.

E fez. Para além de avulsas “reportagens” sobre o que mais interessava ao regime vender ao exterior, avançaram para a dita TVI África. Dessa forma ficavam sanadas as divergências entre os “escriturários” de Queluz de Baixo e os donos de Angola.

No referido artigo do “Jornal de Angola” sobre a TVI e em que colocavam José Alberto Carvalho e Judite de Sousa ao nível da escumalha, diz-se que “Pedro da Paixão Franco, o príncipe dos jornalistas angolanos, dizia que era muito difícil fazer progredir o jornalismo da época, porque da “metrópole” chegavam carradas de analfabetos que mal passavam o Equador eram logo transformados em jornalistas.”

E como é que a TVI respondeu a esses insultos? À boa maneira portuguesa: pondo-se de cócoras e “dando o mataco e três tostões” aos que a achincalharam sem apelo nem agravo.

“E em Portugal surgiu um fenómeno notável e que merecia um estudo profundo. Depois do 25 de Abril de 1974 o analfabetismo foi sendo banido, de uma forma galopante. Até há pouco, ninguém conhecia o segredo de tão simpático sucesso. Só agora se compreende o que aconteceu. Os analfabetos foram todos a correr para o jornalismo. E como eles dão nas vistas!”, escrevia o “Jornal de Angola” a propósito da TVI.

“Um dia destes, a TVI apresentou num dos seus noticiários o Jornal de Angola como “a voz oficial do regime angolano”. Os analfabetos têm o seu quê de inimputáveis. Mas fica mal a profissionais do mesmo ofício entrarem por terrenos tão pantanosos. O Jornal de Angola é a voz dos seus leitores. E dos jornalistas que livremente escrevem nas suas páginas. Nada mais do que isso. Aqui não há vozes do dono nem propagandistas. Há jornalistas honrados que todos os dias tentam dar o melhor que podem e sabem para fazer chegar aos leitores os acontecimentos do dia”, dizia o articulista do Pravda numa enciclopédica e bem sucedida lição de jornalismo endereçada aos profissionais da TVI.

“O Jornal de Angola tem um estatuto editorial que é seguido com rigor e sem hesitações. Se todos fizessem o mesmo, não assistíamos aos espectáculos deploráveis que vemos na TVI e noutros órgãos de comunicação social portugueses. Se o jornalismo português não estivesse atolado em fretes, se não fosse servido por analfabetos de pai e mãe, provavelmente hoje Portugal não estava a ser destruído pela Troika. E os portugueses não viviam angustiados por desconhecerem o dia de amanhã”, lia-se no artigo que ajudou decisivamente a colocar a TVI no rumo certo, ou seja, o da subserviência perante aqueles que põe qualquer coisa na mão (ou noutro sítio qualquer) dos portugueses para os satisfazer.

Porque a teta do MPLA de então (José Eduardo dos Santos) secou, a TVI virou-se para a frutuosa teta do MPLA de agora (João Lourenço). Não admira, por isso, que Isabel dos Santos tenha passado de bestial a besta. É claro que, um dia destes, a TVI vai passar João Lourenço de bestial a besta e, talvez, volte a considerar Isabel dos Santos como… bestial.

Folha 8 com DW

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