DA ERC À ERCA, DA JIBÓIA À MINHOCA

O jornalista e conselheiro da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA), Reginaldo Silva, lamentou no passado dia 1 de Outubro a limitada intervenção deste órgão, sendo a regulação dominada pelo Governo (MPLA), que tem tido, no último ano, “uma política de terra queimada”.

Reginaldo Silva abordou nesse dia, em Luanda, a evolução da regulação da comunicação social numa conferência organizada pela Associação de Comunicólogos Angolanos, e criticou a falta de utilidade da ERCA neste campo, já que o poder regulatório continua a pertencer ao Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social.

O jornalista afirmou que o partido do poder há 46 anos, o MPLA, nunca permitiu que a legislação relativa à regulação evoluísse para uma perspectiva mais participada, pelo que a ERCA, criada em 2017, nasceu com o mesmo “defeito de fabrico” de entidades anteriores, assemelhando-se a um “vaso de flores” (onde a maior parte são de plástico, dizemos nós) sem grande utilidade além de “engalanar o ambiente”.

Reginaldo Silva salientou que a ERCA não dá autorizações, nem participa nos licenciamentos, que continuam nas mãos do Governo, limitando-se a poder dirimir alguns conflitos a nível do direito de resposta.

“Avançámos muito pouco na partilha da regulação”, lamentou, defendendo que o modelo a seguir seria o da regulação partilhada, funcionando a ERCA como um equilíbrio do poder do Estado, sendo chamada, por exemplo, a dar pareceres sobre o licenciamento de órgãos de comunicação social, nomeadamente canais de televisão e rádios.

Neste âmbito, apontou o caso da suspensão de três canais de televisão pelo ministério (ZAP Viva, Vida TV e Record TV Africa, alegando desconformidades legais), defendendo que o controlo do direito de licenciamento “não deve estar só nas mãos de uma entidade político-partidária, que é o ministério”.

Os canais foram suspensos em Abril (2021) e continuam sem poder emitir, não havendo mais esclarecimentos do Governo sobre esta matéria ou prazo para a retoma da actividade.

“Se houvesse uma gestão equilibrada deste direito, a ERCA devia ser chamada a pronunciar-se e devíamos dar prazos”, realçou o membro da ERCA, afirmando que “foi uma notícia triste” o anúncio de despedimentos na ZAP.

Para Reginaldo Silva, é importante que a liberdade de imprensa seja assegurada pela pluralidade e, consequentemente, por um maior número de canais, o que não tem acontecido: “O último ano de gestão deste Governo em matéria de comunicação social tem sido política de terra queimada, de arrasar, tudo o que não é nosso, fecha. E ninguém pode dizer nada por que a lei não dá poder. A regulação continua a ser controlada quase a 100% pelo Governo”.

O jornalista lembrou que Angola está em período eleitoral, sem a regulação que seria desejável com a ERCA, que deveria participar mais deste poder.

“Não há esta partilha e isso torna a nossa regulação pouco democrática e pouco abrangente. A regulação está entregue a uma entidade política e isso não dá garantia suficiente da liberdade de imprensa”, reforçou.

A ERC E A LIBERDADE… NA EUROPA

De acordo com um texto publicado no seu site e em resposta à consulta pública aberta pela Comissão Europeia sobre o futuro Regulamento Europeu sobre Liberdade dos Meios de Comunicação Social (RELMCS), a ERC (regulador português) valorizou «o núcleo dos princípios partilhados […:] a salvaguarda da liberdade dos media e do pluralismo, a protecção dos jornalistas, a independência do ERGA e dos reguladores nacionais de media».

No actual contexto, a ERC acredita que o que está a ser preparado na área legislativa da União Europeia sobre a Liberdade dos Meios de Comunicação Social é uma oportunidade estratégica para fortalecer o papel e a estrutura do Grupo dos Reguladores Europeus do Audiovisual (ERGA). Por outro lado, defende que «é crucial acompanhar estas negociações de forma equilibrada e cautelosa, com os olhos postos no futuro, para que os cidadãos e o sector da comunicação social continuem a ver o ERGA e os reguladores nacionais como entidades independentes e razoáveis.»

No comentário à “Introdução”, o regulador dos media português propõe a valorização da «independência dos jornalistas como valor central a perseguir em todos os tempos e casos». E propõe acrescentar que «as acções de literacia mediática e para a informação para todos os cidadãos (crianças e adultos) devem ser reforçadas em toda a UE e previstas no RELMCS como uma estratégia indispensável e, alinhadas com valores europeus partilhados, para combate à desinformação» e «para responder a […] preocupações» associadas às práticas de «canais/media não europeus».

Acerca das “Observações preliminares”, a ERC congratula-se com a referência ao princípio da subsidiariedade e à salvaguarda dos regimes nacionais com bom desempenho e propõe acrescentar a referência ao princípio da proporcionalidade. Para os casos em que a União Europeia possa intervir para assegurar o princípio da liberdade dos media em risco num Estado-Membro.

Adiante, a referência à falta de responsabilidade editorial das plataformas de conteúdo online é tida como desnecessária.

Em resposta ao ponto acerca da “Defesa de um Mercado Interno de Media na União Europeia, Independência dos Media e Pluralismo”, a ERC considera prematuro prever a emissão de pareceres sobre casos específicos, dada a actual falta de substância do Regulamento e a nova configuração institucional do ERGA ainda em aberto. «A previsão de tal competência poderia colidir com [as] dos reguladores nacionais», pelo que o regulador português a admite apenas se fosse um «parecer não vinculativo».

A mesma recusa, pelas mesmas razões, merece essa figura na área da “Transparência e Independência dos Mercados de Media”, em particular a sua propriedade. A ERC sugere eliminar a referência a «regras estruturais» no parágrafo sobre “Procedimentos de escrutínio do mercado dos media e restrições à entrada e actividade” e substituir a referência ao «direito da UE» por «Regulamento da UE».

Na dimensão das “condições para mercados de media saudáveis, para uma cobertura equilibrada e imparcial e convergência e cooperação regulatória”, a ERC sublinha como o enquadramento europeu; «a nossa independência e o nosso olhar diferenciado para os meios de comunicação social […] devem permitir-nos manter o foco na salvaguarda da liberdade […], conforme prescrito nas nossas constituições nacionais e estabelecido no artigo 11.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia». Neste sentido, a ERC propõe alterar o parágrafo acerca das actuações sobre «canais/media não europeus», em que o ERGA defendeu que o RELMCS «preveja um intercâmbio de informação mais sistemático e explore a possibilidade de introduzir um mecanismo de reconhecimento mútuo das decisões, […e] de ajuda mútua para o acompanhamento», e introduzir a frase já citada sobre literacia mediática e informacional «para resolver estas preocupações».

Na “Conclusão”, a ERC discorda da referência a um instrumento legislativo nesta fase e sugere a substituição da palavra “deveria” por «poderia» [propor um instrumento legislativo], pois tal decisão «depende da avaliação de impacto ainda incerta e, por outro lado, tal redacção pode ser vista como institucionalmente inadequada, uma vez que essa decisão cabe à Comissão.»

Sobre o próprio ERGA, a ERC assume que a sua «estrutura institucional […] já não é a mais adequada para garantir a independência», e que, como ela, os reguladores nacionais assumirão em breve «um novo e significativo conjunto de competências que requerem mais meios para serem realizadas adequadamente».

Depois de fechada a consulta pública, a Comissão Europeia prevê a adopção do Regulamento no terceiro trimestre de 2022 (Setembro).

Recorde-se que A PER (Plataforma das Entidades Reguladoras da Comunicação Social dos Países e Territórios de Língua Portuguesa) foi constituída, em 22 de Outubro de 2009, na cidade de Lisboa, tendo como propósito ser um fórum de discussão e cooperação, de intercâmbio de informações regulares e de investigação em matérias relativas à regulação da comunicação social.

A Plataforma encontra-se aberta a todas as entidades reguladoras dos média de países e territórios de língua portuguesa.

Os membros da Plataforma reúnem-se, em regra, uma vez por ano, sendo a Presidência rotativa assumida pelo país organizador da reunião anual. A ERC assegura o secretariado permanente da Plataforma e garante a distribuição dos documentos necessários à preparação das reuniões, assim como a construção e alojamento do sítio electrónico.

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