A UNITA acusou hoje o Presidente angolano de usar as suas deslocações às províncias, onde tem inaugurado diversas infra-estruturas, como actos de campanha eleitoral, criticando o financiamento público “encapotado” aos actos político-partidários. Por alguma coisa João Lourenço é, para além de Presidente do reino, Presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas.
As críticas surgiram hoje durante o debate sobre transparência eleitoral que teve lugar na Assembleia Nacional, iniciativa do grupo parlamentar do MPLA (no poder há 46 anos) que não poupou também farpas aos seus principais opositores, a quem recomendou que preparem as suas máquinas partidárias e evitem o “discurso da desconfiança”.
Franco Marcolino Nhani, deputado da UNITA, salientou que a transparência eleitoral é requerida não apenas no período eleitoral, mas também no que o antecede “quando se definem as regras do jogo”, criticando o que apelidou de “financiamento público encapotado” do partido do poder, nomeadamente o uso de automóveis, aviões e outros recursos públicos que são usados por titulares de cargos públicos para fins partidários durante o período pré e eleitoral, em violação da lei.
Esquece-se a UNITA, lamentavelmente, que o MPLA é Angola e que Angola é do MPLA. E isso é acto arruaceiro que atenta contra a segurança do reino.
“Esta discussão só será útil se todos os envolvidos assumirem o compromisso de corrigir o que está mal em matéria de transparência eleitoral e passarem das palavras aos actos”, salientou.
Deu como exemplo as visitas recentes do Presidente João Lourenço, também presidente do MPLA, também Titular do Poder Executivo, também Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, também cabeça-de-lista do partido às eleições gerais prevista para Agosto de 2022, ao Cuando Cubango e ao Cunene, onde “mandaram fechar escolas públicas, usando exercícios fraudulentos ou coacção”.
“Utilizaram o exercício da função pública do Presidente da República para obrigar alunos e professores a participar em actividades político partidárias”, denunciou o parlamentar da UNITA, acrescentando que as desigualdades e vantagens ilícitas do candidato natural a Presidente estão a aumentar na medida em que aumentou “arbitrariamente” o seu período de campanha eleitoral efectiva de 30 para mais de 120 dias.
“O presidente em funções faz todas as inaugurações antes da campanha eleitoral transformando-as em acto políticos e partidários de campanha, usando recursos e funcionários públicos e paralisando a actividade produtiva do Estado”, criticou, dizendo que as actividades de campanha eleitoral “mascaradas de inauguração de obras públicas” são actos que constituem “violação grosseira” dos princípios constitucionais da transparência eleitoral.
O Presidente da República, que foi no início do mês ao Cunene, iniciou hoje uma visita a Cabinda, onde vai inaugurar um hospital e um terminal marítimo de passageiros. No sábado, depois demudar de roupa e já nas vestes de líder do MPLA, João Lourenço preside a um comício naquela que é região mais a norte do país, onde vários movimentos independentistas reclamam os seus direitos, muitas das vezes usando – como aprenderam com o MPLA – a razão da força.
Virgílio Tyova, do MPLA, por seu lado, não poupou críticas aos rivais aos adversários, afirmando que um dirigente sério “não contesta e condena” a actuação dos órgãos do Estado e “não solicita” a constituição de comissões para acompanhar os actos da Comissão Nacional Eleitoral (sucursal do MPLA) já que o funcionamento desse órgão está regulado pela lei, sendo esta pretensão “incoerente e surreal”.
O mesmo deputado realçou ainda que a transparência eleitoral não decorre necessariamente da presença de observadores, argumentando que em muitos países com processos eleitorais consolidados, sobretudo nos países ocidentais, estes não existem, não sendo postas em causa as eleições. É ocaso, por exemplo, da Coreia da Norte, não é Virgílio Tyova?
“É preciso que dirigentes políticos preparem as suas máquinas e evitem discurso da desconfiança e falta de imparcialidade”, sugeriu, numa alusão à UNITA.
João Azevedo Martins, do mesmo partido, afirmou, por seu turno, que o sistema eleitoral angolano é “dos mais transparentes” em África. Nós vamos mais longe. É dos mais transparentes e democráticos do mundo, a ponto de até os mortos serem chamados a votar.
Leonel Gomes, deputado não integrado em nenhum grupo parlamentar, saudou a iniciativa dos proponentes, mas considerou que não basta parecer sério, tem de se ser sério, apontando de seguida várias críticas ao partido do poder, em particular à Comissão Nacional de Eleições, cujo presidente disse ter sido imposto de forma forçada. E foi imposto por quem? Por quem? Não. Não foi imposto pelo “arruaceiro” Volodymyr Zelensky mas apenas e só por João Manuel Gonçalves Lourenço.
Lindo Bernardo Tito, também não integrado, lembrou que sempre que há eleições se suscita o debate sobre a transparência e deve ser reconhecido que os problemas existem para que possa haver soluções.
NÃO BASTA VOTAR…
A Associação Omunga, organização da sociedade civil angolana, lançou a campanha de educação cívica “2022 — O Meu Voto é Sério”, para exigir “maior transparência e lisura” no processo das eleições gerais que Angola realiza em Agosto deste ano. Já não era preciso “maior transparência e lisura”. Basta só “transparência e lisura”.
De acordo com uma nota da Omunga, esta campanha vai permitir que os cidadãos manifestem a sua opinião sobre o sentimento e a importância do processo.
Em declarações à agência Lusa, no dia 8 de Fevereiro, o director-executivo da Omunga, João Malavindele Manuel, disse que a campanha vai desenvolver-se na prática ouvindo os cidadãos, através de palestras e indo ao encontro das pessoas nas comunidades, realizar vídeos e colocar a circular nas redes sociais sobretudo.
É uma boa e louvável tentativa. Só falta saber o que pensa a sociedade comercial e política que comanda as eleições, ou seja, o MPLA, INDRA e CNE. E é aí que o rabo torce a porca. Desde logo porque “transparência e lisura” são conceitos só válidos em Democracias e em Estados de Direito o que, convenhamos, não é o caso da re(i)pública do MPLA.
“Estamos a falar de um projecto que não tem financiamentos, estamos a fazer com os nossos meios próprios e dentro daquilo que são as nossas capacidades financeiras e humanas”, disse João Malavindele Manuel, salientando que a campanha vai decorrer até 30 dias antes das eleições.
O objectivo é “apelar a todas instituições sociais, particularmente os partidos políticos, a promoverem a cultura de paz e tolerância no seio dos seus militantes, adoptando a comunicação não violenta”, refere ainda a associação Omunga na sua nota.
Segundo o activista cívico, tem havido da parte dos políticos algum excesso nas declarações, dando o exemplo dos incidentes do dia 10 de Janeiro deste ano, na sequência de uma greve de taxistas, em Luanda, que acabou em actos de violência.
“Os políticos fizeram acusações mútuas, acho que esse tipo de discurso neste momento, neste contexto, em que estamos a enfrentar coisas como a pandemia, já não ajuda. Sobretudo no processo de reconciliação nacional que há muito se fala e cada vez mais sentimos que estamos distantes”, referiu.
João Malavindele Manuel frisou que com esta campanha pretendem mostrar aos cidadãos que é importante participar no processo eleitoral, “porque é a partir daí que podem demonstrar que só através da participação podem também ajudar na mudança que se pretende para o país”.
O busílis não está, contudo, na participação. Aliás, em simulacros eleitores anteriores, até apareceram em algumas secções de voto mais votos do que eleitores inscritos. A questão está nas fases seguintes, nomeadamente na contagem e verificação dos votos.
“Fazer com que os próprios cidadãos também se apropriem do processo, que eu também sou importante nesse processo, para que amanhã tenhamos deputados, Presidente e vice-presidente é porque eu, como cidadão, participei”, sublinhou.
Na nota, a associação apela ao Estado angolano (o MPLA) para que melhore as condições para que os cidadãos possam aderir à actualização do registo eleitoral sem sobressaltos e a garantia da transparência no processo.
Aos cidadãos, a organização apela para que adiram ao processo de actualização do registo eleitoral, para que possam exercer o seu direito de voto e a sua consciencialização sobre a importância do voto na consolidação da democracia e melhoria das condições de vida.
No documento, é feito igualmente um apelo para a imparcialidade dos órgãos de comunicação públicos, para a desburocratização do credenciamento dos observadores eleitorais nacionais e para que o Tribunal Constitucional “seja apenas um mero espectador”.
Em Angola só há eleições quando o MPLA quer, mesmo que o país pense de outra forma. A cada dia que passa, João Lourenço e a sua máquina de guerra (o MPLA) mostram que, tal como no tempo de José Eduardo dos Santos, filho de jacaré é jacaré. Ao contrário do que afirmou, o Presidente mostrou que não há jacarés vegetarianos.
Os angolanos começam a ver que o MPLA não é (nunca foi) uma solução para o problema. É, isso sim, um problema para a solução. Não admira, por isso, que João Lourenço tenha dado sobejos sinais de que não iria perder tempo com julgamentos nem com eleições cujos resultados não controlasse. Agostinho Neto já o fizera com total sucesso. O MPLA já admite em público que a vitória será sempre certa.
A maioria da oposição parlamentar, com a qual o MPLA está a ficar farto porque ela vai mostrando que o partido de João Lourenço só consegue viver em guerra ou num sistema de único partido, considera que o MPLA usa todos os subterfúgios possíveis para esconder a falta de vontade política do partido no poder para dar a palavra (e o direito de escolha) ao Povo.
Folha 8 com Lusa
[…] Source: Folha 8 […]