CEGOS, SURDOS, MUDOS E… COBARDES

Os portugueses Paulo Portas, Carlos César e José Luís Arnaut foram escolhidos pelo candidato do MPLA, João Lourenço, para serem observadores nas eleições legislativas do próximo dia 24, e que – segundo confidenciou Marcelo Rebelo de Sousa ao próprio João Lourenço – o MPLA já ganhou.

Por Orlando Castro

Os ideólogos do regime que desgoverna Angola desde 1975 e os políticos portugueses entendem, em grande parte por culpa nossa, que somos todos matumbos. E se por cá se fomenta o medo, a ignorância, o pensamento único, o mesmo (ainda) não se pode dizer em relação a Portugal. Custa, por isso, a entender que os dirigentes portugueses estejam (ou digam estar) tão mal informados em relação a Angola.

Custa a crer, mas é verdade que os políticos portugueses tudo fazem para procurar legitimar o que se passa de mais errado com as nossas autoridades.

Alguém ouviu Paulo Portas, Carlos César e José Luís Arnaut dizer que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é das mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Alguém os ouviu dizer que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?

Alguém ouviu Paulo Portas, Carlos César e José Luís Arnaut dizer que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade? Alguém os ouviu dizer que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?

Alguém ouviu Paulo Portas, Carlos César e José Luís Arnaut dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos? Alguém os ouviu dizer que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?

Alguém alguma vez ouviu Paulo Portas, Carlos César e José Luís Arnaut dizer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?

Alguém ouviu Paulo Portas, Carlos César e José Luís Arnaut dizer que Angola é um dos países mais corruptos do mundo e que tem 20 milhões de pobres?

Ninguém ouviu. Dir-se-á, e até é verdade, que esse silêncio é condição “sine qua non” para cair nas graças dos donos do dono do nosso país, até porque todos sabemos que nenhum negócio se faz sem a devida autorização de João Lourenço.

Portugal consegue assim não o respeito mas a anuência do regime para as suas negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai sair caro: o regime não é eterno e os angolanos têm memória.

No início de Junho o Presidente da República de Angola, João Lourenço, enviou uma mensagem de felicitações ao seu homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa, destacando Portugal como “uma nação pujante, de grande respeito e reconhecimento ao nível europeu e mundial”.

Também o Presidente do MPLA, João Lourenço, mandou igual mensagem ao seu homólogo do PS, António Costa, a que se juntou outra do Titular do Poder Executivo, João Lourenço, ao seu homólogo do Governo português, António Costa.

“O chefe de Estado angolano destacou, com satisfação, a singular trajectória e a pluralidade étnica do povo português, que contribuíram para o seu importante enriquecimento cultural e fizeram de Portugal uma nação pujante, de grande respeito e reconhecimento ao nível europeu e mundial”, lê-se na nota divulgada pelo serviço de imprensa da Presidência angolana. Recorde-se que, até 11 de Novembro de 1975, João Lourenço foi cidadão… português.

Na mensagem, João Lourenço disse acreditar nas grandes potencialidades de cooperação entre os dois países e mostra-se convicto nas boas relações bilaterais e a nível da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

João Lourenço acredita “no enorme potencial de possibilidades de cooperação existente” entre os dois países, acrescentando que ambos deverão continuar “a trabalhar conjuntamente no sentido da intensificação de acções comuns”, com vista a atingir “benefícios mutuamente profícuos, quer do ponto de vista bilateral, como no âmbito da CPLP”.

Os angolanos da casta superior que dirige o reino há 47 anos (o MPLA) acreditam – ainda mais porque estamos em plena campanha eleitoral – que se justifica que Marcelo Rebelo de Sousa agradeça (mesmo que a despropósito) ao Presidente João Lourenço. Se o MPLA dizia que José Eduardo dos Santos era o “escolhido de Deus”, Marcelo Rebelo de Sousa deve dizer que João Lourenço é o próprio “Deus”. Portanto…

Marcelo Rebelo de Sousa, ao elogiar o “projecto de paz, de democracia, de regeneração financeira, de desenvolvimento económico, de combate à corrupção” protagonizado pelo Presidente do MPLA, João Lourenço, mostrou várias vezes que não sabe o que diz nem diz o que sabe. Mas não está só. Quando se está no Poder todos são bestiais. Quando deixam de estar são, regra geral, bestas. Foi o caso de José Eduardo dos Santos.

Todos nos recordamos de, numa intervenção durante um jantar oficial oferecido por João Lourenço, no Palácio Presidencial, em Luanda, Marcelo Rebelo de Sousa saudar como “o vulto cimeiro de um novo tempo angolano”. Não se terá lembrado de o propor para um Prémio Nobel, mas quando “descobrir” que existem 20 milhões de angolanos pobres… vai propor. Justamente, acrescente-se.

“Vossa excelência protagoniza-o com um projecto de paz, de democracia, de regeneração financeira, de desenvolvimento económico, de combate à corrupção, de afirmação regional e mundial. Nós, portugueses, seguimos com empenho essa aposta de modernização, de transparência, de abertura, de inovação, de acrescida ambição”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, bem ao estilo dos sipaios coloniais, mas com uma substancial diferença. Estes eram obrigados a bajular, o presidente português não é obrigado a isso. Ou será que é?

Segundo o Presidente português, João Lourenço protagoniza “um novo tempo angolano, na lúcida, consistente e corajosa determinação de aproveitar do passado o que se mantém vivo, mas, sobretudo, entender o que importa renovar para tornar o futuro mais possível, mais ambicioso e mais feliz para todos os angolanos”.

Continuemos, para memória futura, com o brilhantismo bacoco de Marcelo. Diz ele que, da parte de Portugal, Angola conta com “o empenho de centenas de milhares que querem contribuir para a riqueza e a justiça social” com o seu trabalho, bem como “das empresas, a começar nas mais modestas, no investimento e no reforço do tecido socioeconómico angolano” e também com “o empenho das instituições públicas portuguesas, do Estado às autarquias locais”.

“Podem contar connosco na vossa missão renovadora e recriadora. Portugal estará sempre e cada vez mais ao lado de Angola”, acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa, fazendo aqui e mais uma vez o exercício de passar aos angolanos um atestado de menoridade e matumbez.

Portugal, por sua vez, conta com a “incansável solidariedade” de Angola. “Contamos com os vossos trabalhadores, as vossas empresas, as vossas instituições públicas, a vossa convergência nos domínios bilateral e multilateral. Temos a certeza de que Angola estará sempre e cada vez mais ao lado de Portugal”, prosseguiu Marcelo no seu laudatório e hipócrita exercício de servilismo.

De acordo com o Presidente português, este “novo momento na vida de Angola” coincide com “um novo ciclo” nas relações bilaterais. “E nada nem ninguém nos separará, porque os nossos povos já estabeleceram o seu e o nosso caminho”, considerou Marcelo, sentindo o umbigo aos saltos, alimentado pela esperança de que os portugueses não acordem e os angolanos nunca lhe cobrem a cobardia.

“Porque estamos mesmo juntos, na parceria estratégica, na cooperação económica, financeira, educativa, científica, cultural, social e política. Porque no essencial vemos o mundo e a nossa pertença global e regional do mesmo modo, a pensar na paz, nos direitos humanos, na democracia, no direito internacional, no desenvolvimento sustentável, na correcção das desigualdades”, argumentou aquele que, em matéria de bajulação, bateu todos os recordes anteriores, desde Álvaro Cunhal a Rosa Coutinho, passando por Vasco Gonçalves, José Sócrates, António Costa, Cavaco Silva, Passos Coelho e tantos outros.

No final da sua intervenção, de cerca de sete minutos (que entrará para o “Guinness World Records” por ser o que mais bajulação fez em tão curto espaço de tempo), Marcelo Rebelo de Sousa disse que “a história faz-se e refaz-se todos os dias e nuns dias mais do que noutros”, acrescentando: “Estes que vivemos são desses dias”.

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