BURRO, BANDIDO E LÚMPENE

João Lourenço, Presidente da Re(i)pública de Angola, Presidente do MPLA e candidato à reeleição, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, disse que todos os que não pensam como ele são “burros”, “bandidos” e “lúmpenes”. Ninguém avisou o presidente que não deve chamar aos outros o que sabe que o Povo lhe chama a ele?

Por Orlando Castro

(Des)governados há 47 anos pelo mesmo partido, o MPLA, quererão os angolanos mais do mesmo? Angola é um dos países mais corruptos do mundo? É. É um dos países com piores práticas “democráticas”? É. É um país com enormes assimetrias sociais? É. É um país com um dos maiores índices de mortalidade infantil do mundo? É. É um país eternamente condenado a tudo isto? Pelos vistos É. Ou talvez não, se os angolanos em vez de escolherem um general formado e formatado na escola soviética optarem por um político que, embora formado na escola europeia, nunca deixou de ser (pelo contrário) angolano, africano.

Como aconteceu nos últimos 47 anos, os ortodoxos do regime angolano, agora capitaneados por João Lourenço, não conseguem deixar às gerações vindouras algo mais do que a pura expressão da sua cobardia e inferioridade, entre outras coisas, faz com que milhões de angolanos tenham pouco ou nada, e poucos tenham muitos milhões.

É típico do MPLA. Quando não tem argumentos parte para a ofensa, a ponto de – por exemplo – o ministro de Estado e Chefe da Casa Militar do Presidente, general Francisco Furtado, avisar que quem disser mal do MPLA “vai levar no focinho”. Enquanto Adalberto da Costa Júnior defende o poder das ideias, João Lourenço aposta tudo nas ideias de poder. Enquanto Adalberto da Costa Júnior defende a força da razão, João Lourenço só conhece a razão da força.

João Lourenço acusou durante a campanha eleitoral de 2017, no Bié, a UNITA, e as suas forças militares cuja existência terminou há 20 anos, de ter sido responsável pela destruição da capacidade industrial do país durante a guerra, o que – disse o presidente – cria dificuldades adicionais na criação de emprego para os jovens. Tratou-se de um paradigmático acto de cobardia. Mas resultou. E dessa forma assassinou a promessa de criação de 500 mil empregos.

Talvez os génios do MPLA, quase todos paridos nas latrinas da cobardia intelectual e da generalíssima formação castrense “made in” URSS, pensem que não é necessário dar corpo e alma à angolanidade. É por isso que alimentam o ódio e a discórdia, o racismo, não reconhecendo que a liberdade deles termina onde começa a dos outros. Não aceitando que a reconciliação passa pela inclusão e não pela exclusão, não reconhecendo que numa guerra, como foi a nossa, ninguém teve razão.

Porque não há comparação entre o que se perde por fracassar e o que se perde por não tentar, permitimo-nos aqui no Folha 8 a ousadia (que esperamos – com alguma ingenuidade, é certo – compartilhada por todos os que responderam a esta chamada) de tentar o impossível já que – reconheçamos – o possível fazemos nós todos os dias, mesmo tendo a cabeça na mira das forças do MPLA.

Como jornalistas, como angolanos, entendemos que a situação angolana ultrapassou nos últimos cinco anos (tal como nos anteriores 38) os limites, mau grado a indiferença criminosa de quem, em Angola ou no Mundo, nada faz para salvar um povo que morre mesmo antes de nascer.

Ao reacender o seu complexo de inferioridade, João Lourenço mostrou que – afinal – pertence ao grupo que advoga a tese de que em Angola existem dois tipos de pessoas: os angolanos (os que são do MPLA) e os outros (os que não são do MPLA).

João Lourenço está-se nas tintas para os tais “outros” que morrem todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos. E morrem enquanto o MPLA (este MPLA) canta e ri. E morrem enquanto ele, em Luanda, come lagosta e trata os adversários políticos como inimigos, chamando-lhes “burros”, “bandidos” e “lúmpenes”.

É que, quer o MPLA queira ou não, como na guerra, a vitória é uma ilusão quando o povo morre à fome. E nós temos 20 milhões de pobres que o MPLA criou. Tal como está a Angola profunda, a Angola real, a Angola construída à imagem e semelhança do MPLA e dos seus dirigentes, se João Lourenço e o seu MPLA ganharem as eleições, os angolanos – até mesmo os do MPLA – ficam a perder.

Admitimos que o próprio José Eduardo dos Santos terá tido, de vez em quando, consciência de que a sua ditadura não era uma solução para o problema angolano, sendo antes um problema para a solução. No entanto, João Lourenço não pode ter esse benefício da dúvida. O seu comportamento mostra um índice de menoridade civilizacional e um nanismo intelectual que só tem um objectivo: instaurar ainda mais a lei de partido único (embora sob a máscara da democracia), blindar a ditadura e negar qualquer direito aos escravos do reino.

Estamos agora muito perto de dar um pequeno mas decisivo passo para que os angolanos, irmãos de sangue, se entendam para ajudar Angola a ser um país onde os angolanos sejam todos iguais e não, como agora acontece, uns mais iguais do que outros. Mas, é claro, João Lourenço volta a estragar tudo, volta a apelar à guerra, a ameaçar com a guerra e a mostrar que – para ele – perder eleições não significa perder o Poder.

Ao não se inibir de ganhar graças à batota, à fraude, João Lourenço e este MPLA estão a dizer-nos que única alternativa é mesmo aquilo que os angolanos não querem, a guerra. Ganhar eleições à custa da fraude é, de facto, um convite para que alguém puxe o gatilho.

Se há 20 anos todos nos entendemos para que Angola deixasse de ser uma gigantesca vala comum, não seria difícil que hoje nos entendêssemos no sentido de que a força da razão substitua a razão da força. Eis então que aparece João Lourenço a defender o contrário, desenterrando muitos fantasmas e mostrando que para ele a guerra só acabará quando deixarem se existir pessoas que pensem de maneira diferente.

Durante demasiados anos de guerra, os angolanos mataram-se uns aos outros. Acabada essa fase, os angolanos continuam a matar-se uns aos outros. Não directamente pela força das armas, mas pelo poder que as armas dão aos que querem – o MPLA – subjugar os seus irmãos que consideram de espécie inferior.

Mais do que julgar e incriminar, importava parar com as acusações. Parar definitivamente. João Lourenço e o (seu) MPLA assim não entendem. Aproveitaram o intervalo na guerra que acham que ainda não acabou para, no meio de palavras às vezes simpáticas e conciliadoras, ganhar tempo e continuar o processo de esclavagismo, ganhar tempo para formar novos milionários, ganhar tempo para sabotar eleições, ganhar tempo para enganar, voltar a enganar, o Povo.

Angola tem generais assassinos a mais e angolanos livres a menos. Angola tem feridas suficientes para ocupar os médicos (que não tem) durante décadas. Mesmo assim, João Lourenço não está satisfeito.

Convém, por isso, que a democracia, a igualdade de oportunidades, a justiça, o Estado de Direito cheguem antes de morrer o último angolano. Esperamos que disso se convença João Lourenço. É que se continuar a insistir na guerra mesmo falando de paz, um dia destes alguém lhe fará a vontade. E, se calhar, até mesmo alguém do seu partido…

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