A polícia angolana do MPLA impediu hoje uma manifestação que deveria ter início no cemitério de Santa Ana e prendeu três pessoas após serem entrevistadas pela Lusa no local, na periferia de Luanda. É a democracia no seu melhor, explicará com certeza Marcelo Rebelo de Sousa, um dos convidados especiais do seu amigalhaço João Lourenço, a quem duas sucursais do MPLA (CNE e Tribunal Constitucional) presentearam com a suposta vitória nas eleições de24 de Agosto.
Nas redes sociais circularam esta semana apelos a uma manifestação, no cemitério de Santa Ana, contra a fraude eleitoral, que, no entanto, não chegou a realizar-se, tendo sido detidas várias pessoas como a Lusa constatou no local, que se encontrava quase deserto por volta das 13:00, com excepção das viaturas e efectivos da Polícia do MPLA.
Pacheco Manuel, de 32 anos, deslocou-se até ao cemitério após tomar conhecimento da iniciativa pelas redes sociais: “Como não poderia ficar indiferente ao que está a passar-se no país resolvi dar uma volta para ver como estão as coisas e não gostei do que vi. A liberdade das pessoas está a ser violada”, disse.
“Não sei o que se passa com os dirigentes do nosso país, por um cidadão se fazer presente num local público é logo preso. Nós estamos aqui a mostrar descontentamento com o nosso país e com a governação do MPLA”, criticou.
O cidadão salientou que “ninguém criou desordem, ninguém partiu para a agressão, ninguém destruiu bens públicos” e que as pessoas estavam ali “pacificamente”.
“O país está em paz, não há motivo de as forças de segurança intimidarem as pessoas, baterem, prenderem”, frisou, apelando à polícia: “Quando as pessoas querem manifestar-se deixem manifestarem-se, ninguém está a roubar nada a ninguém, estamos aqui a mostrar o nosso descontentamento com a governação do país”
“Eu sei que muitos estão descontentes, mas não param para dar entrevista, para falar porque têm medo de ser presos por nada. Não cometeu nada e vai preso”, indignou-se.
Quanto a João Lourenço, que toma posse na quinta-feira, após umas disputadas eleições, cujo resultado não foi reconhecido pela oposição, disse não o poder felicitar. Motivo? “Porque não é o meu presidente”.
“Não me interessa nada o dia de amanhã, o povo está descontente, é só olhar para a cara das pessoas, há tristeza no rosto da população, não há alegria. Está a ver alegria?”, questionou Pacheco Manuel, dizendo que os próximos cinco anos “vão ser de sofrimento, é sempre a mesma coisa”.
“É só pedir a Deus que nos dê todos os dias o fôlego de vida, dormir e acordar. O resto, destes governantes, só se esperar na reencarnação”, desabafou.
Benvinda Bango, que se mostrou receosa ao início por ter assistido à detenção de outras pessoas, acabou também por mostrar a sua insatisfação.
“Viemos aqui devido à situação eleitoral, acredito que o mundo todo está a ver aquilo que aconteceu aqui em Angola e é uma verdadeira fraude. Infelizmente, o MPLA, desde 1992 foi um Governo macabro, mas a juventude despertou, a UNITA e o ACJ [Adalberto da Costa Júnior, líder da União Nacional para a Independência Total de Angola] vieram demonstrar como o MPLA tem agido nos pleitos eleitorais”, afirmou.
Benvinda diz “chorar pelo país”, pois é mãe e não vê futuro em Angola.
“É lamentável ver um Presidente que não se compadece com a dor do seu povo. Se ele verdadeiramente ganhou como é que vai meter blindados na rua? Como é que um Presidente vai combater o próprio povo , isso não faz sentido só mostra que ele sabe que não ganhou, que sabe que fez fraude”, desabafou, desafiando a Comissão Nacional Eleitoral a mostrar as atas que comprovam a vitória do Movimento Popular de Libertação de Angola, no poder há 47 anos.
Questionou, por outro lado, o motivo das detenções: “Eu cheguei aqui às 12:30 e procurei o pessoal, porque aqui ninguém se conhece, quando desço, vejo um grupo de jovens já no carro da polícia. Parei para ver, mas um polícia intimidou-me ao perguntar o que estava ali a fazer. Eu simplesmente não tenho fôlego para esse tipo de pessoas e então nem sequer lhe dirigi a palavra e vim para aqui”, contou à Lusa.
“Acredito que não fizeram absolutamente nada. Aqui em Angola não precisa de fazer nada, basta o governo lourencista decidir que eles [a polícia] fazem. Sinceramente tenho pena desses polícias, eles também são pais, também são filhos, também são familiares, isso que estão a fazer não se faz mesmo”, acrescentou.
Guilherme Luciano foi também ao cemitério para se juntar à manifestação.
“Muita gente está descontente com o Presidente Joao Lourenço”, criticou. “Não é um Presidente de Angola, é um presidente do MPLA”, disse o jovem, que se deslocou da Huíla para denunciar “o roubo de votos e a fraude” e “dar força aos activistas”.
“Desde que chegamos vi jovens serem presos por motivos que nem se sabe, só porque vieram”, denunciou, lamentando que a manifestação não se tenha realizado, apesar de não terem intenções violentas.
No final destas declarações, a polícia foi-se aproximando do local onde estava a Lusa, ordenou ao operador de imagem que parasse de filmar e deteve as três pessoas que tinham sido entrevistadas.
Várias pessoas foram também detidas quando passavam pelo cemitério, junto a uma das principais avenidas de acesso a Luanda e que, desprevenidas, tentaram fugir pela estrada, sendo perseguidas pela polícia, correndo risco de ser atropeladas.
À Lusa chegaram também denúncias que dão conta da prisão de activistas nas suas casas, designadamente Zola Álvaro, do Movimento Cívico Mudei, e Alexandre Simão Bolívar, da Sociedade Civil Contestatária.
Apesar de questionada sobre o motivo destas detenções, a polícia não prestou quaisquer esclarecimentos até ao momento.
Folha 8 com Lusa